Vinde, vede e lede Dias de
Melo, escritor, 78 anos de idade e 50 de vida literária, homem solidário,
solitário e fraterno, viciado na escrita e no cachimbo, picaroto da Calheta
de Nesquim, baleeiro da literatura açoriana.
Do recolhido silêncio do Alto
da Rocha do Canto da Baía, continua este autor a aguentar o rumo da escrita,
num percurso literário cujo universo temático consubstancia à sua volta a
distância, a ausência, a vida e a morte no registo mais sentido de uma
escrita de funda expressão humana e universal.
Dias de
Melo continua a escrever e a surpreender, ele que fez da ilha do Pico e dos
picarotos a matéria prima dos 27 livros que até à data publicou, em diversos
registos e diversificados géneros literários: a poesia, a narrativa, o
conto, a novela, o romance, a crónica, a monografia, a dissertação
didáctico-pedagógica e o estudo etnográfico. Em toda a sua obra, este autor,
sem nunca fazer concessões a modas literárias, conta-nos histórias dos
homens do mar e da terra, gente de grande riqueza psicológica.
Conhecendo
de perto a actividade baleeira e olhando-a e sentindo-a como coisa sua, Dias
de Melo (ele próprio baleeiro esporadicamente) fez de grande parte da sua
escrita um painel dessa mesma actividade, muito particularmente da que se
reporta ao concelho das Lajes. Foi ele que deu à literatura portuguesa um
testemunho empolgante e vigoroso sobre a história anónima e colectiva dos
baleeiros do Pico, captando a verdadeira dimensão humana, social e dramática
dessa epopeia marítima, sobretudo nos livros que constituem aquilo a que
Santos Barros chamou “trilogia da baleia”:
Mar Rubro (1958),
Pedras Negras (1964) e
Mar pela Proa (1976).
Pedras Negras
passa por ser (e é) o
livro mais emblemático de Dias de Melo, cuja 3a edição acaba de ser dada à
estampa (Salamandra, 2003). Recorde-se que a primeira edição data de 1964
(Portugália Editora) e a segunda de 1985 (Editorial Veja), havendo desta
obra uma edição em inglês: Dark
Stones (Providence,
Gávea Brown Publications, 1988), com notável tradução de Gregory McNab.
Escrito com sóbria mestria
narrativa e arquitectado sobre a problemática da emigração,
Pedras Negras
é percorrido por uma
profunda açorianidade, em que terras e gentes nos transmitem uma impressão
de vida áspera, de solidão insulada, onde a luta pela dignidade é uma
constante e a sobrevivência se ganha a pulso. A acção decorre entre os
princípios do século XX até finais da Segunda Guerra Mundial. A personagem
central é Francisco Marroco que, aos 16 anos de idade, desafia a ilha e foge
de salto na baleeira “Queen of the Seas”, com os olhos postos na América...
Só lá chegará três anos depois, tendo percorrido os mares de todo o mundo à
caça da baleia, ele que encontrou na errância a sua forma de perseguir a
felicidade e o sonho. Após ter conhecido a vida dura em terras americanas,
Francisco Marroco regressa à ilha do Pico e é esmagado por essa mesma ilha,
após o fugaz intervalo de uma felicidade passageira e ilusória, em que
conheceu o estatuto de “senhor americano”...
Este é um livro que não
envelheceu e continua a emocionar e a surpreender. |