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BOLETIM DO NCH
Nº 15, 2006
Dedicado a Pedro da Silveira

(2005) ELISA MARIA LOPES DA COSTA ( COMPILADORA ), DITOS E REDITOS . PROVÉRBIOS DA LUSOFONIA . LISBOA , EDIÇÕES PAULINAS [email: paulinaseditora@netcabo.pt].
Sofia Romão - Historiadora – rosadocairo@hotmail.com.
 

Elisa Maria Lopes da Costa, licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa apresentou-nos Ditos e Reditos – uma compilação de provérbios oriundos dos países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Lorosa’e, todos aqui estão representados. Trata-se de um tema apelativo em que o próprio título insinua que, a mesma coisa pode ser dita de variadas formas, sem desvirtuar o sentido mais profundo sempre presente nas obras do Homem. Interessante é restituir-lhe o seu significado, a ordem e as regras de vida desse mesmo homem, no seu tempo específico. Na presente obra foram postas pistas à disposição do leitor que o podem levar por uma diversidade de caminhos: da Antropologia à História, da Filologia à Sociologia, passando pela forma ontológica presente no mundo de povos muito diferentes, ligados por um fio condutor único que é a língua portuguesa. Os provérbios são, quase sempre apresentados quer na língua original, quer na versão portuguesa o que representa uma grande riqueza de conteúdo e, para aqueles que pretenderem saber mais, as fontes utilizadas na compilação destes provérbios encontram-se indicadas concomitantemente com os critérios seguidos pela compiladora.

Trata-se de um trabalho não só multi cultural, como aliás foi realçado no prefácio por Iracema Santos Clara, mas também de um trabalho de contributo multidisciplinar, capaz de proporcionar aulas de grande e diversificado interesse, assim seja dado a conhecer ao universo de formadores e formandos cuja base de comunicação é a língua portuguesa. Os provérbios são, na maioria dos casos, oriundos da sabedoria popular. Alguns tão antigos que seria difícil encontrar a sua origem temporal. Mas, sendo analisados os provérbios correntes entre povos e culturas diferentes e geograficamente muito distantes, será com certeza encontrada a raiz e a evolução linguística de cada um possibilitando o entendimento de como a língua portuguesa se fundiu com línguas locais, fazendo emergir os mesmos conceitos, ditos da mesma forma, ou reditos de maneira só aparentemente diferente, já que a linguística disponibiliza modelos de análise que permitem tanto a compreensão das línguas, como a possibilidade de exercitar as linguagens. A provar este exercício serão apontados como exemplo, os seguintes provérbios:

de Angola – a árvore que nasceu torta, não se pode endireitar (p. 19), de Cabo Verde – quem nasceu torto não muda (p. 62).

Dois exercícios de linguagem variantes do provérbio de Portugal quem torto nasce tarde ou nunca se endireita.

Ou ainda outro exemplo, desta vez do Brasil – a cabra da minha vizinha dá mais leite do que a minha (p. 34) que, em Portugal diríamos – a galinha da minha vizinha, é sempre melhor do que a minha.

Pode-se até assumir que são imitações sem nenhuma intenção pejorativa. Aristóteles disse na sua Poética, ser “a imitação própria da nossa natureza”. Também a Sociologia e a Antropologia podem ser abordadas. A análise dos provérbios permite apreender a atmosfera social por detrás da sua origem, o território da consciência de então e até a criação estética da sua cultura. Apesar da visão e do modo de olhar o mundo serem variáveis, torna-se interessante a viagem ao passado através dos provérbios, sendo possível a aproximação e apreensão dos seus conceitos que, embora passados, continuam a fazer parte do presente. Como disse Gadamer, ninguém se pode distanciar da experiência humana anterior, principalmente enquanto linguagem. Sendo os provérbios parte integrante da cultura popular e muitas vezes herança da tradição oral, testemunham como a pobreza tem estado sempre tão presente na vida dos homens:

do Brasil – pobre só alevanta cabeça quando espia para ver se vem chuva (p. 41) ,

de Cabo Verde – não tem beira nem eira , nem ramo de figueira (p. 57) .

Paralelamente, o Homem tem tido consciência de si próprio como ser individual que é. E, mais uma vez, os provérbios podem comprová-lo pois, tanto a liberdade como a igualdade são conceitos que aí podem ser encontrados:

de Angola – o papagaio na escravidão, não faz criação (p. 25) ou, os filhos do elefante não são mais que os filhos do pequeno passarinho (p. 23), do Brasil – escravo, nem de Santo Antônio (p. 37) ou, a ntes viver como filho de pobre que como escravo de rico (p. 33), de S. Tomé – à morte não há ricos (p. 123).

A tentativa de se afirmar como ser individual, livre e igual ao seu semelhante, mesmo quando isso parecia uma utopia, sempre tem acompanhado o ser humano e é parte intrínseca da sua natureza. Do ponto de vista histórico trata-se também de uma fonte riquíssima que pode ajudar a compreender o passado e, consequentemente, a entender a actualidade. Presentes estão uma quantidade enorme de elementos que podem ser articulados de forma a transformar os pedaços dispersos da lusofonia em algo mais consistente e inteligível. Como diz Elisa Maria “ os provérbios são, em geral, originários de tradição oral e exímios a afirmar sem quase dizer ” (p. 9). Eles são fontes que permitem analisar outras sociedades, outras realidades e estruturas, possibilitando tanto a aproximação a um todo mais coerente, como à construção da História através da recolha de exemplos legitimadores das especulações filosóficas. A criatividade do Homem, o seu ajustamento ao meio, as suas regularidades e irregularidades podem ser encontrados nestes provérbios. É destes indícios que se constrói a memória, alicerce fundamental do passado uma vez que preserva a dimensão social e humana composta das resistências e das mudanças que fazem com que cada experiência seja única. A compreensão do presente, bem como das regras de vida nos diferentes tempos da existência humana, torna-se possível através da memória assim construída. Como escreveu George Steiner no Castelo do Barba Azul , “os ecos por meio dos quais uma sociedade procura determinar o alcance, a lógica e a autoridade da sua própria voz, vêm de trás”.

Está-se perante uma obra curiosa e particularmente interessante, tanto mais por se tratar de uma iniciativa singular e inovadora pois não havia nada semelhante no espaço da lusofo nia, enriquecida por uma iconografia adequada e graficamente apelativa. Um livro para se ir lendo e relendo, notando e anotando seja como fonte de pesquisa científica, seja por mera curiosidade circunstancial.

A leitura dos provérbios de cada um dos países de expressão portuguesa prende o leitor do princípio ao fim, não o desiludindo e, cumprindo a promessa inicial de ser uma obra de interesse, como faziam prever os elogios de Iracema Santos Clara. Necessário é ser lembrado que a sua raiz é a Lusofonia pois como disse João Paulo II, em 1979 “ Nunca cortem as raízes que vos deram origem ”.

Sofia Romão