Nas suas cento e oitenta e cinco páginas distribuídas por 15 capítulos a que se deve adicionar um álbum fotográfico, Tomaz Duarte Jr. fixou de forma inspirada e com a costumada elegância da sua prosa, a memória do Canal vivida por sucessivas gerações, sobretudo no período que recobre os anos derradeiros do século XIX e a primeira metade do século XX. Não se trata da reportagem distanciada elaborada por alguém que observou e registou depoimentos das testemunhas que viveram esta singular realidade humana e geográfica que a simples designação – o Canal – traduz de forma expressiva e imediatamente inteligível para um sem número de mulheres e de homens que cruzaram estas, por vezes tormentosas, cinco milhas de oceano. Com efeito, este pequeno livro traduz a própria experiência do autor. Fazer o registo desta obra obriga, por isso, a perceber quem foi o autor e o que significou para ele o Canal.
Como tivemos oportunidade de afirmar numa das apresentações deste livro póstumo de Tomaz Duarte Jr., “Faial e Pico constituíam, por excelência, o seu espaço de respiração anímica. Repartia-se, com especial prazer, por aqueles dois afectos – o Faial que elegeu para sua residência e a que amizades e interesses familiares mantinham ligado, e o Pico que alimentava o que de mais profundo, num sentimento misto de obsessão e de lucidez, guardava dentro de si: uma paixão pelas pedras negras que o fascinavam; um desvelo, por vezes amargurado, na contemplação íntima que o tempo foi plasmando, de um respirar sofrido que a ilha como que soltava das entranhas, numa mistura que deve ter muito de ressalga da “meia-broa”; de negrume das quadrículas labirínticas dos muros a proteger a verdura esparsa dos vinhedos; de gente de pele curtida e sulcada de rugas; de sortilégio pungente desprendendo-se da austeridade dos “mistérios” – tudo a sugerir um mundo em que Tomaz Duarte foi incansável andarilho e observador arguto, nas suas deambulações por esse canal que sulcou vezes sem conta. Tomaz Duarte foi, de alguma maneira, a personificação do viajante do Canal, que na sua errância imparável de escapadelas, interesses, incumbências, projectos e realizações, urgências e lazeres, calcorreou esta “estrada” feita de maresia, e que ele próprio ilustrou ser, de facto, caminho de dois sentidos e vertente essencial na configuração do chamado Triângulo de que foi denodado defensor com um grupo de amigos, que na reflexão clarividente em que ele próprio avultava, entendiam ser detentor de potencialidades únicas no conjunto do arquipélago. Por isto tudo, terá nascido A Comunidade do Canal .”
Em narrativas e histórias dramáticas envolvendo o mar alteroso que varria toda a costa fazendo perigar vidas e haveres, até descrições que entusiasmarão os mais dados às coisas da etnologia, passando pela visão quase pictórica dessa manobra de arrojo e perícia quase circenses do “Serviço de Lancha para Lancha”, Tomaz Duarte Jr. completa o seu trabalho oferecendo ao leitor uma galeria fotográfica de protagonistas desta aventura a que ele próprio chamou a “Epopeia do Canal”. Na sobriedade adequada de um pequeno volume que o seu amigo de longa data, João Dias Afonso, prefaciou no seu estilo peculiar, a Câmara Municipal da Madalena assume-se como editora de um trabalho que merece, sem reservas, um lugar nas obras que enriquecem a cultura açoriana. R icardo Manuel Madruga da Costa |