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BOLETIM DO NCH
Nº 15, 2006
Dedicado a Pedro da Silveira

(2005) ANA MARIA COSTA LOPES, IMAGENS DA MULHER NA IMPRENSA FEMININA DE OITOCENTOS : PERCURSOS DE MODERNIDADE . LISBOA , QUIMERA .
Regina Tavares da Silva – Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres – cidm@mail.telepac.pt
 

É de tensão entre inovação e mudança por um lado, e tradição e imobilismo por outro, no que se refere ao estatuto, papel e imagem das mulheres na sociedade portuguesa do século XIX, que este livro nos fala. Ana Maria Costa Lopes, em investigação que constituiu a sua tese de doutoramento, analisa os contornos desta situação e a sua evolução, a partir de artigos da imprensa periódica, num total de 60 publicações ao longo de um período de setenta anos, entre 1820 e 1890, uma época de ebulição e mudança na sociedade portuguesa. Reconhecendo o papel importante da imprensa periódica como veículo privilegiado de transmissão de estereótipos e ideias feitas, mas também da sua transformação, a autora propõe-se e prossegue uma análise cuidada da imagem das mulheres portuguesas, do seu estatuto e dos seus papéis sociais, bem como das normas tradicionais de comportamento que os regem no Portugal de oitocentos. Uma análise cuidada que vai mostrando que, a par da transformação social em curso, há também, no que às mulheres se refere, uma mudança profunda, não só no seu estatuto e imagem, mas também na atitude perante a vida que as vozes femininas, chamadas a pronunciar-se, exprimiram com progressiva clareza. Uma mudança que a autora classifica de “metamorfose” e em que, segundo ela, a imprensa periódica se torna “o mais importante intermediário e aliado da mulher” (p. 602).

Elemento decisivo nesse processo de metamorfose das mulheres é o seu progressivo acesso à educação e instrução e a sua capacidade crescente de intervenção pela palavra, em particular através da imprensa periódica, dos periódicos femininos que se vão multiplicando e em que muitas mulheres desempenham papel de relevo. No dizer da autora, “O trabalho literário da mulher é, aliás, um dos aspectos mais interessantes da sua continuada metamorfose” (p. 602). A análise deste percurso de mudança é efectuada em quatro grandes partes em que o trabalho se divide.

A Primeira genericamente intitulada “Alguns aspectos da Educação e da Instrução no Século XIX” percorre as grandes linhas desta temática desde o século XVIII e os seus principais mentores, com relevo para Ribeiro Sanches, Verney, Garrett, Herculano, D. António da Costa e Antero de Quental, entre outros, bem como as medidas de política relativas à instrução feminina e respectivas instituições educativas. A esta primeira parte teoricamente enquadradora seguem-se outras três organizadas de um ponto de vista cronológico e simultaneamente temático.

A Segunda Parte relativa a “1820-1850: A Emergência Pública da Mulher” dá visibilidade à presença das mulheres nos salões literários e na actividade editorial e analisa as imagens da mulher expressas, quer pelas próprias mulheres nas suas aventuras editoriais, quer aquelas que são expressas pelo sexo oposto, também na imprensa periódica.

A Terceira Parte relativa a “1850-1870: Do Desequilíbrio ao Equilíbrio de Saberes e Poderes” aborda o que a autora classifica de “período áureo da intervenção cultural da mulher na imprensa periódica” (p. 37). Uma variedade de temas e uma variedade de posições e autores que se pronunciam sobre a instrução feminina e os benefícios da educação, a afirmação e criatividade cultural das mulheres, a emancipação e a educação tradicional, etc. Analisa-se a acção de figuras de mulheres de relevo, como Antónia Pusich, Maria José Canuto, Mariana de Andrade ou Guiomar Torrezão, de homens como Castilho e Antero ou a intervenção relevante do casal Francisca e William Wood na imprensa periódica. A Quarta Parte, relativa a “1870-1890: A Voz do Progresso e o Retorno da Tradição” ilustra de novo a tensão entre estas duas dimensões, presentes na sociedade portuguesa e reflectidas na palavra escrita. Evocam-se vozes conservadoras como as de Eça e Ramalho Ortigão e o impacto de retrocesso que elas representam, e contra o qual lutam as intelectuais da época, com relevo para Guiomar Torrezão. Evoca-se ainda com detalhe a posição ambígua de Maria Amália Vaz de Carvalho que, defensora da educação para as mulheres, porém apenas a encara dentro de um status quo tradicional e socialmente aceite. Ou a posição também ambivalente de D. António da Costa, favorável à igualdade civil para as mulheres e à sua educação, mas reticente e evocando os limites tradicionais à sua afirmação social.

Em cada uma destas quatro partes do estudo, a autora faz uma análise detalhada das várias posições expressas, integrando-as, por outro lado, numa perspectiva mais global do contexto sócio-político, mas também literário, cultural e ideológico, no âmbito do qual todo este movimento social se vai desenvolvendo. O trabalho inclui ainda uma extensa e muito útil bibliografia, bem como fichas bibliográficas muito completas e detalhadas das publicações periódicas utilizadas como fontes.

É, no seu conjunto, um trabalho pioneiro que abre perspectivas novas e deixa entreabertas muitas e valiosas pistas para posteriores investigações. É também um trabalho de uma grande riqueza e minúcia de informação e reflexão, em particular no que se refere às figuras e vozes de mulheres defensoras da modernidade e ainda pouco conhecidas entre nós. Para além de tudo isto, e sendo um trabalho que explora em profundidade aquilo a que a autora se propôs, é também um trabalho que se lê com prazer, cheio de citações saborosas das diversas visões do papel e valor das mulheres e de uma reflexão pessoal que se percebe ter sido fecunda e apaixonante para a autora. Por tudo isto, é sem dúvida um trabalho de referência e um contributo valioso para os chamados “Estudos sobre as Mulheres”, mas também para o estudo da imprensa periódica e da história e evolução do pensamento social.

REGINA TAVARES DA SILVA