Nas ilhas dos Açores estão associados aspectos geológicos, botânicos, zoológicos e paisagísticos, muitas vezes peculiaridades, de grande diversidade e interesse científico. Muitos desses aspectos e peculiaridades são comuns aos outros arquipélagos atlânticos, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde, a que alguns autores têm juntado pequenas áreas continentais africanas e ibéricas, abrigando algumas espécies comuns às destes arquipélagos, e por isso, conjuntamente integrados numa área biogeográfica denominada Macaronésia. Este termo Macaronésia, do grego makár (ios), que significa feliz, afortunado, e nêsos, que significa ilha, sugerindo o nome “Ilhas Afortunadas”, foi utilizado, pela primeira vez, pelos naturalistas Philip Barker-Webb e Sabin Berthelot, em 1836, numa obra sobre a História Natural das ilhas Canárias.
De origem oceânica e datando da Era Terceária, aqueles arquipélagos foram colonizados por espécies botânicas (e animais) existentes naquele tempo geológico, no ocidente do continente europeu e no norte do africano e que, conjuntamente, têm sido denominadas por laurissilva, palavra latina que significa “floresta de loureiros”, também designada por floresta de louro-e-cedro, a floresta primitiva das ilhas atlânticas. Naquela Era do tempo geológico, devido às grandes perturbações climáticas, a laurissilva desapareceu quase completamente daquelas áreas continentais, mas subsistiu nestes arquipélagos, mesmo que sob forma peculiar para cada um deles. Naquele tempo, durante os períodos frios, os arquipélagos centrais (Madeira e Canárias) e meridional (Cabo Verde) conservaram potencialidades para a sobrevivência daqueles elementos florísticos e durante os períodos de aquecimento, os arquipélagos centrais e nórdico (Açores) tornaram-se os mais favoráveis.
Nesta perspectiva, os arquipélagos da Madeira e das Canárias deveriam possuir as comunidades mais diversas e mais evoluídas. O dos Açores, pelo seu afastamento e pela sua posição setentrional, deveria apresentar um fácies mais frio e mais pobre daquelas comunidades. O de Cabo Verde deveria abrigar um fácies mais quente e seco. Devido ao clima das ilhas açorianas, seria de esperar ocorrerem comunidades do tipo alpino, mas a juventude destas ilhas (10 000 anos) e o seu isolamento relativamente aos continentes não deverá ter permitido essa diferenciação. No tempo actual, o arquipélago dos Açores apresenta boas potencialidades de desenvolvimento para a laurissilva mas, devido ao desaparecimento da origem colonizadora, às variações climáticas e à redução considerável das áreas favoráveis, verificada desde que iniciado o povoamento e acentuada pelo menos no século XX, ela está representada por comunidades pouco diversas em espécies e muito sensíveis à invasão de outras novas.
O desejo de preservar áreas representativas dessa floresta primitiva não é recente. Foi, pelo menos, a intenção de salvaguardar o revestimento lenhoso da Caldeira da ilha do Faial, pertencente ao Baldio do Concelho, que fez a Câmara Municipal da Horta, por proposta da Junta Geral do Distrito, proibir o corte de árvores e mato em toda aquela zona a partir de 5 de Junho de 1948. A Caldeira do Faial viria a tornar-se uma reserva integral pelo Decreto-Lei n.º 78/72, de 7 de Março, de acordo com o estabelecido no n.º 4 da Base IV da Lei n.º 9/70 (Parques Nacionais) e uma das primeiras áreas protegidas do território português ao abrigo desta lei. Mais recentemente, a conservação da natureza passou a ser entendida como a preservação dos diferentes níveis e componentes naturais da biodiversidade, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, e tem vindo a afirmar-se como imperativo de acção política e de desenvolvimento cultural e sócio-económico à escala planetária.
Neste contexto, as áreas protegidas passaram a ser entendidas como (a) locais onde o uso dos recursos é educativo e não consumidor; (b) locais de controlo com os quais se pode comparar o impacto humano na paisagem cultural; e (c) museus vivos da diversidade genética, e que têm por função (a) manter, aumentar ou restabelecer os valores biológicos e ecológicos que foram perturbados ou modificados; (b) promover a utilização durável dos recursos e a gestão dos sistemas naturais; (c) organizar as actividades de vigilância, estudo, ensino, formação e difusão da informação; e (d) prever formas de lazer e de turismo compatíveis com o ambiente. Actualmente, a conservação da natureza, na ordem jurídica interna, baseia-se na Lei n.º 11/87 (Lei de Bases do Ambiente) que estabelece a obrigatoriedade de instalar uma rede nacional contínua de áreas protegidas.
O direito comunitário alicerça-se em torno das directivas (a) aves (Directiva n.º 79/ 409/CEE, do Conselho, de 2 de Abril, transcrita para o ordenamento jurídico interno através do Decreto-Lei n.º 75/91, de 14 de Fevereiro) que prevê o estabelecimento de zonas de protecção especial (ZPE), correspondentes aos habitats cuja salvaguarda é prioritária para a conservação das populações de aves, e ( b ) habitats (Directiva n.º 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio, transcrita para a ordem jurídica interna através do Decreto-Lei n.º 226/97, de 27 de Agosto) que prevê a criação de um conjunto de sítios de interesse comunitário, designados como zonas especiais de conservação (ZEC) visando a conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens do território da União Europeia. Estas directivas de âmbito complementar e objectivos substancialmente idênticos, tinham em vista consubstanciar o instrumento de conservação comunitário a partir do início do século XXI designado por Rede Natura 2000.
Nos Açores, no seguimento desta filosofia de pensar a relação do homem com a natureza e da legislação aplicável, têm sido definidas áreas com algum estatuto de protecção. A biodiversidade começa a estar acautelada nestas “áreas ambientais” e, por causa dela, também alguns outros interesses geomorfológicos, culturais, artísticos, sociais e económicos. Todavia, a geodiversidade ainda está longe de devidamente protegida neste arquipélago. A obra que agora se recenseia é um inventário de 28 dessas áreas, apresentado através de fotografias de boa qualidade, geralmente de Hugo Marques, e de textos em português e em inglês, curtos mas suficientemente explicativos, pelo menos para os melhor informados sobre estas matérias, editados pela Direcção Regional do Ambiente e coordenados por Dália Leal. Com a leitura desses textos ficam-se a conhecer animais, plantas e até particularidades geológicas que abrigam. Obra de grande interesse, seria mais útil e funcional caso tivesse sido dotada de informação sobre os instrumentos legais que criaram e gerem aquelas “áreas ambientais”, de textos claramente justificativos da sua demarcação, de legendas descritivas das ilustrações e de índices remissivos. A indicação de quem coordenou os textos não devia ter dispensado explicitar a sua autoria, ou origem. Acresce a falta de uma lista da bibliografia mobilizada para a sua elaboração, sempre importante para o utilizador. Na ausência destas contribuições, que poderão ser remediadas em eventual futura edição, o texto introdutório «Áreas ambientais nos Açores – um mosaico rico e vivo», assinado por Eduardo Carqueijeiro, é de leitura indispensável.
Sendo que o «ambiente natural» é um “fim do Estado” (Art.º 9.º, alíneas d e e da Constituição da República Por tuguesa) e um “direito fundamental dos cidadãos” (Art.º 66, n.º 1, daquela lei fundamental) e que a educação para o ambiente faz parte da educação para a cidadania e que essa educação se deseja prioritariamente dirigida aos mais jovens, espera-se que a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar proporcione material de tão boa qualidade adequado àqueles níveis etários e de saber.
LUÍS M. ARRUDA |