A tradição do Tao vê a história como um
jogo dialético e complementar de dois princípios: yin e yang, forças
subjacentes a todos os fenômenos humanos e cósmicos. Procurando luzes
para entender e sair da crise global talvez este olhar holístico dos
sábios orientais nos possa inspirar.
A figura de referência para representar estes dois princípios é a
montanha. O lado norte, coberto pela sombra, é o yin, que em chinês quer
dizer sombreamento e corresponde à dimensão Terra. Ele se expressa pelas
qualidades da anima, do feminino nos homens e nas mulheres: o
cuidado, a ternura, a acolhida, a cooperação, a intuição e a
sensibilidade pelos mistérios da vida.
O yang significa a luminosidade do lado sul e corresponde à dimensão
Céu. Ele ganha corpo no animus, as qualidades masculinas no homem
e na mulher como o trabalho, a competição, o uso da força, a objetivação
do mundo, a análise e a racionalidade discursiva e técnica.
A sabedoria milenar do Taoísmo ensina que estas duas forças devem ser
balanceadas para que o caminhar das coisas se faça de forma, a um tempo,
dinâmica e harmônica. Pode ocorrer que uma predomine sobre a outra, mas
importa buscar, o tempo todo, o equilíbrio difícil entre elas.
O yin e o yang remetem a uma energia mais originária, um círculo que
contem a ambos: o Shi. O Shi é a energia cósmica que tudo
sustenta, penetra e move A teologia yorubá e nagô, tão presentes na
Bahia, ensina que essa energia é o Axé universal, com as mesmas
funções do Shi. Os cristãos falam do Spiritus Creator, ou
do Sopro cósmico, que enche e dinamiza toda a criação. Os modernos
cosmólogos se referem à constante cosmológica que é Energia de fundo que
produziu aquele minúsculo ponto que se inflacionou e depois explodiu –
big bang – dando origem ao nosso universo. Após esta
incomensurável explosão a Energia de fundo se desdobrou nas quatro
forças fundamentais que atuam sempre juntas e que subjazem a todos os
eventos – a energia gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e
forte – para as quais não existe, na verdade, nenhuma teoria
explicativa.
Nossa cultura ocidental, hoje globalizada, rompeu esta visão integradora
e dinâmica. Ela enfatizou tanto o yang que tornou anêmico o yin. Por
isso, permitiu que o racional recalcasse o emocional, que a ciência se
inimizasse com a espiritualidade, que o poder negasse o carisma, que a
concorrência prevalecesse sobre a cooperação e a exploração da natureza
descurasse o cuidado e o respeito devidos. Este desequilíbrio originou o
antropocentrismo, o patriarcalismo, a pobreza espiritual, a cultura
materialista e predadora e a atual crise ecológica global.
Somente com a integração da força do yin, da anima, da logique
du coeur (Pascal), do mundo dos valores, corrigindo a exacerbação do
yang, do animus, do espírito de dominação, podemos proceder às
correções necessárias e dar um novo rumo ao nosso projeto planetário.
Na tradição do cânon ocidental expressamos o mesmo fenômeno do yin e do
yang referindo-nos a duas figuras mitológicas: Apolo e Dionísio.
A dimensão Apolo está no lugar da ordem, da razão, da disciplina, numa
palavra da lei do dia sob a qual se rege a sociedade organizada. A
dimensão Dionísio representa a liberdade face às leis, a coragem de
violar interditos, a exaltação da alegria de viver e a inauguração do
novo, numa palavra, a lei da noite, que é o momento em que as censuras
caem e tudo fica gris e indefinido.
Atualmente vivemos uma conjuntura toda particular, marcada pelo excesso.
Perdemos a coexistência do yin com o yang, de Apolo com Dionísio. Se não
encontrarmos um ponto de equilíbrio tudo pode acontecer, até um flagelo
antropológico. Precisamos de uma loucura sábia que possibilite uma nova
síntese entre esses dois pólos para reinventar um novo caminho que nos
garanta o futuro. |