Senhor
Presidente Miguel d¹Escoto Brockmann
Senhor Presidente do Estado Plurinacional de Bolivia, Sua Excelencia Evo
Morales Ayma
Distinguidos delegados
Irmãos e Irmãs todos
No de 2000 a Carta da Terra nos fazia esta severa advertência:: «Estamos
num momento crítico da história da Tierra, na qual a humanidade deve
escolher o seu futuro...A escolha nossa é: ou formamos uma aliança
global para cuidar da Tierra e cuidarnos uns dos outros ou arriscamos a
nossa própria destruição e a da diversidade da vida²
Se a crise econômico-financeira é preocupante, a crise da
não-sustentabilidade da Terra se apresenta ameaçadora. Os cientistas que
acompanham o estado da Terra, especialmente a Global Foot Print Network
têm falado do Earth Overshoot Day, do dia em que foram ultrapassados os
limites da Terra. E isso ocorreu exatamente no dia 23 de setembro de de
2008, uma semana após o estouro da crise econômico-financeira nos EUA. A
Terra ultrapassou em 40% sua capacidade de reposição dos recursos
necessarios para as demandas humanas. Neste momento necessitamos mais de
uma Terra para atender a nossa subsistência.
Como garantir a sustentabilidade da Terra já que esta é a premissa para
resolver as demais crises: a social, a alimentária, a energética e a
climática? Agora já não temos uma Arca de Noé que salve alguns e deixa
perecer os demais. Todos devemos nos salvar juntos.
Como asseverou recentemente com muita propriedade o Secretário Geral
desta Casa, Ban Ki-Moon:²não podemos deixar que o urgente comprometa o
esencial². O urgente é resolver o caos econômico, mas o esencial é
garantir a vitalidade e a integridade do planeta Terra. É decisivo
superar a crise financiera, porém o imprescindível e essecial é: como
vamos salvar a Casa Comum e a Humanidade que é parte dela?
Esta é a razão para termos adotado a resolução sobre o Dia Internacional
da Mãe Terra que, a partir de agora, se celebrará no dia 22 de abril de
cada ano.
Dado o agravamento da situação ambiental, especialmente do aquecimento
global, temos que atuar juntos e rápido. Não temos tempo a perder nem
nos é permitido errar. Caso contrário, há o risco de que a Terra possa
continuar mas sem nós.
Em nome da Terra, nossa Mãe, de seus filhos e filhas sofredores e dos
demais membros da comunidade de vida, quero agradecer a esta Assembléia
Geral por haver sabiamente aprovado esta resolução.
Neste contexto, me permito fazer uma breve apresentação do fundamento
que sustenta a idéia da Terra como nossa Mãe.
Desde da mais alta ancestralidade, as culturas e religiões sempre têm
testemunhado a crença na Terra como Grande Mãe, Magna Mater, Inana e
Pachamama.
Os povos originários de ontem e de hoje tinham e têm clara consciencia
de que a Terra é geradora de todos os viventes. Somente um ser vivo pode
produzir vida em suas mais diferentes formas. A Terra é, pois, nossa Mãe
universal.
Durante séculos e séculos prevaleceu esta visão até a emergência recente
do espírito científico no século XVI. A partir de então, a Terra já não
é mais considerada como Mãe, senão como uma realidade sem espírito,
entregue ao ser humano para ser submetida, mesmo com violência. A
mãe-natureza que devia ser respeitada se transformou em
naturaza-selvagem que deve ser dominada. A Terra se viu convertida num
baú cheio de recursos naturais, disponíveis para a acumulação e o
consumo humano.
Neste novo paradigma não se coloca a questão dos limites de
suportabilidade do sistema-Terra nem dos recursos naturais não
renováveis. Pressupunha-se que os recursos seriam infinitos e que
poderíamos ir crescendo ilimitadamente na direção do futuro. O que
efetivamente é uma grande ilusão.
A preocupação principal era e é: como ganhar mais no tempo mais rápido
possível e com um investimento menor? A realização histórica deste
propósito fez surgir um arquipélago de riqueza rodeado por um mar de
miséria.
O PNUD de 2007-2008 o confirma: os 20% mais ricos do mundo absorvem
82,4% de todas as riquezas da Terra enquanto os 20% mais pobres têm que
se contentar com apenas 1,6%. Estes dados provam que uma ínfima minoria
monopoliza o consumo e controla os processos econômicos que implicam
pilhagem da natureza e grande injustiça social.
Entretanto, a partir dos tardios anos 70 do século passado se tem
imposto a constatação de que um planeta pequeno, velho e limitado como a
Terra já não pode suportar um projeto ilimitado. Faz-se urgente outro
modelo que tenha como eixo a Terra, a vida e o bem viver planetário no
quadro de um espírito de colaboração, de responsabilidade coletiva e de
cuidado.
Agora a preocupação central é: como viver e produzir em harmonía com a
Terra, com os seres humanos, como o universo e com a Última Realidade,
distribuindo equitativamente os beneficios entre todos e alimentando
solidariedade para com as gerações presentes e futuras? Como viver mais
com menos?
Foi neste contexto que se resgatou a visão da Terra como Mãe. Já não é
mais a percepção dos antigos mas uma constatação empírica e científica.
Foi mérito dos cientistas e sábios como James Lovelock, Lynn Margulis e
José Lutzenberger nos anos 70 do século passado, ter demostrado que a
Terra é um superorganismo vivo que se autoregula. Ela articula
permanentemente o físico, o químico e o biológico de forma tão sutil e
equilibrada que, sob a
luz do sol, propicia a produção e a manutenção de todas as formas de
vida. Por milhões de anos o nível do oxigênio, essencial para a vida, se
mantem em 21%, o nitrogênio, decisivo para o crescimento, em 79% e o
nivel de sal dos oceanos em 3,4%. E assim todos os elementos necessários
para a vida. Não é que sobre a Terra haja vida. A Terra mesma é viva,
chamada de Gaia, a deusa grega para significar a Terra viva.
Que toda a Terra está cheia de vida no-lo comprova o conhecido biólogo
Edward O. Wilson. Escreve ele:²Num grama de terra ou seja, em menos de
um punhado, vivem cerca de dez bilhões de bactérias pertencentes até a
seis mil espécies diferentes². Efetivamente, a Terra é Mãe fecunda.
A Terra existe já há 4, 4 bilhões de anos. Num momento avançado de sua
evolução, de sua complexidade e de sua auto-organização, começou a
sentir, a pensar e a amar. Foi quando emergiu o ser humano. Com razão
nas linguas ocidentais homo/homem vem de húmus, terra fecunda. E em
hebraico Adam se deriva de adamah, terra cultivável. Por isso, o ser
humano é a própria Terra que anda, que sente, que pensa e que ama, como
dizia o poeta indígena e cantador argentino Atahualpa Yupanqui.
A visão dos astronautas confirma a simbiose entre Terra e Humanidade. De
suas naves espaciais testemunhavam de forma comovedora: ²daqui,
contemplando este resplancedente planeta azul-branco, não se percebe
nenhuma diferenta entre Terra e Humanidade. Formam uma única entidade².
Mais que como povos, nações e etnias devemos nos entender como criaturas
da Terra, como filho e filhas da Mãe comum.
Entretanto, olhando a Terra mais de perto, nos damos conta de que ela se
encontra crucificada. Possui o rosto do terceiro e quarto mundo, porque
vive sistematicamente agredida. Quase a metade de seus filhos e filhas
padecem fome e sede e são condenados a morrer antes do tempo. A cada
quatro segundos, consoante dados da própria ONU, morre uma pessoa
estritamente de fome.
Por isso, são expressões de amor à Mãe Terra, as políticas sociais de
muitos paises, como por exemplo, de meu pais, o Brasil, sob o governo do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva, particularmente o programa Fome
Zero e Bolsa Familia. Em seis anos se devolveu vida e dignidade a 50
milhões de pessoas que antes viviam na pobreza e na fome.
Temos que baixar a Terra da cruz e ressuscitá-la. Para esta tarefa
gigantesca somos inspirados por um documento precioso: a Carta da Terra.
Nasceu da
sociedade civil mundial. Em sua elaboração envolveu mais de cem mil
pessoas de 46 paises. Em 2003 uma resolução da UNESCO a apresentou ³como
um instrumento educativo e uma referência ética para o desenvolvimento
sustentável². Participaram ativamente de sua concepção Mikhail Gorbachev,
Maurice Strong e Steven Rockfeller e eu mesmo entre otros. A Carta
entende a Terra como dotada de vida e como nosso Lar Comum. Apresenta
pautas concretas que podem salvá-la, cuidando-a com comprensão, com
compaixão e com amor, como cabe a toda mãe. Oxalá, um dia, esta Carta da
Terra, possa ser apresentada, discutida e enriquecida por esta
Assembléia Geral. Caso seja aprovada, teríamos um documento oficial
sobre a dignidade da Terra junto com a declaração sobre a dignidade da
pessoa humana.
Mas cabe fazer uma advertencia. Para sentir a Terra como Mãe não é
suficiente a razão dominante que é funcional e instrumental. Necesitamos
enriquecê-la com a razão sensível, emocional e cordial, pois ai se
enraiza o sentimento profundo, se elaboram os valores, se cultivam o
cuidado essencial, a compaixão e os sonhos que nos inspiram ações
salvadoras. Nossa missão, no conjunto dos seres, é a de ser os guardiães
e cuidadores desta sagrada herança que recebemos do universo: a Terra,
nossa Mãe.
Para terminar permito-me fazer uma sugestão: que se coloque na cúpula
interna da Assembléia uma destas imagens belíssimas e plásticas da Terra
vista a partir de fora da Terra. Suspensa no transfundo negro do
universo, ela evoca em nós sentimentos de reverência e de mútua
pertença. Ao contemplá-la, tomamos conciência de que ai está o nosso Lar
Comum.
Pediria ainda que fosse aprovada uma recomendação de que no dia 22 de
abril, dia Internacional da Mãe Terra, se fizesse um momento de silêncio
em todos os lugares públicos, nas escolas, nas fábricas, nos escritorios,
nos parlamentos para que nossos corações entrem em sintonia com o
coração de nossa Mãe Terra.
Concluo. Tal como está, a Terra não pode continuar. É urgente que
mudemos nossas mentes e nossos corações, nosso modo de produção e nosso
padrão de consumo, caso quisermos ter um futuro de esperança. A solução
para a Terra não cái do céu. Ela será o resultado de uma coalizão de
forças em torno a uma consciência ecológica integral, uns valores éticos
multiculturais, uns fins humanísticos e um novo sentido de ser. Só assim
honraremos nossa Casa Comum, a Terra, nossa grande generosa Mãe.
Muito obrigado.
Leonardo Boff
Representante do Brasil e da Comissão da Carta da Terra. |