Bocage sofre as dores da viragem do tempo

 

ANTÓNIO JUSTO


Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) foi um neoclássico romântico, um revolucionário que se debateu entre despotismo maçónico e catolicismo (bucolismo e sentimento romântico). Viveu num período perturbado como nós vivemos o de hoje.

No musgo da História se descobrem os líquenes que hoje alimentam a política e a economia. Bocage é um biótopo português do século XVIII de extrema riqueza de vida individual e social devido à sua variedade de estruturas caracteriais que apresenta numa de sobreviver ao poder maçónico e ao poder clerical em debate. Entre o despotismo iluminado que vem de fora (Marquês de Pombal) e o tradicionalismo medieval de Pina-Manique, Bocage luta por sobreviver e subsistir nos biótopos culturais em mudança.

Entre a luta pela liberdade e a amarra ao poder que possibilita subsistência Bocage é a manifestação de um currículo de Português inteiro! Ontem como hoje o poder pode mais.

Bocage, no seu autorretrato resume bem a sua pessoa:

    “Magro, de olhos azuis, carão moreno,

    Bem servido de pés, meão na altura,

    Triste de facha, o mesmo de figura,

    Nariz alto no meio, e não pequeno;

 

    Incapaz de assistir num só terreno,

    Mais propenso ao furor do que à ternura;

    Bebendo em níveas mãos, por taça escura,

    De zelos infernais letal veneno;

    Devoto incensador de mil deidades

    (Digo, de moças mil) num só memento,

    E somente no altar amando os frades,

 

    Eis Bocage, em quem luz algum talento;

    Saíram dele mesmo estas verdades,

    Num dia em que se achou mais pachorrento.”

Na égloga “Queixumes do pastor Elmano contra a falsidade da pastora Urselina”(1), Bocage mostra o complicado da sua personalidade e do tempo e  revela que tudo não passa de um emaranhado entre fidelidade e traição. Diferentes estilos de vida são questionados por Bocage: talvez a sua atitude perante a vida e as atitudes que a vida mostra levar.  Entre ele e Urselina se parecem debater a tradição nele presente e os tempos novos que o futuro promete em Urselina. Bocage não encontra situação de resolver o conflito existencial em que vive tendo por isso de se resignar em vingar-se de Urselina em Ritália. Estas serão as dores de parto do passar de um tipo de sociedade para outro.


António da Cunha Duarte Justo

Texto completo e nota em Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7996