MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov
Apresentação do livro na Chiado Books, Lisboa, 30.05.2019
Marcia Kupstas veio beber a Portugal a motivação, as personagens, os lugares, algumas referências e vocabulário coloquial patentes na Balada dos rockeiros mortos e anjos caídos. Lisboa, Tomar e outros locais históricos, foram descobertos pela ficcionista brasileira, que os transpôs para o seu romance, na qualidade de espaços de aprendizagem de Renata, adolescente que faz o seu percurso de iniciação à vida adulta.
Marcia Kupstas já vendeu milhões de livros para jovens. Não creio, entretanto, que possamos aplicar tal descritivo à Balada dos rockeiros mortos e anjos caídos. Excluindo as crianças, este romance é para todos, em especial adultos, basta atentar em alguns dos tópicos relativos ao quotidiano de tanta gente: divórcio, situação dos filhos, alcoolismo, droga e a sua venda por parte de jovens, impulso para o suicídio nos adolescentes, sexualidade e bastante discussão estética.
O romance envolve jovens, os problemas próprios da adolescência, os seus relacionamentos sociais, culturais e de entretenimento. Nestes últimos pontos se integra a parte inicial do título, pois o romance abre com um concerto que traz ao palco os grandes de um tempo que também é nosso: Michael Jackson, Janis Joplin, Jimmi Hendrix, os Doors e outras amadas figuras do rock.
A personagem principal é Renata, adolescente rebelde, cujo devir leva a Chiado Books a compará-la a Lolita. Renata experimenta os desejos e impulsos de Lolita, certamente comuns à maior parte das adolescentes; porém, escassa relação se nota, no desenvolvimento da história, entre a Balada de Marcia Kupstas e o romance de Wladimir Nabokov, ou o filme de Stanley Kubrick. O que existe é comum a todos os relatos que envolvem uma iniciação e diz respeito à presença de aprendiz que recebe o conhecimento de um mestre, o que nos levaria para os mundos paralelos habitados por anjos, os anjos caídos patentes no título.
Em suma, se o livro não é para jovens, já da autora se pode dizer que sim, tem mentalidade, desassombro e desenvoltura bem juvenis. Deixemos por isso a história e as suas personagens para os leitores, ocupemo-nos nós de quem escreve.
Fica claro que Marcia Kupstas sente prazer ou necessidade de mudar de lugar, de vida e de discurso, para adquirir referências novas para as suas histórias. É frequente as suas personagens viajarem, como ela, e ela revela, no seu modo de estar e viver, a essência do que escreve. Veio a Portugal beber a Balada dos rockeiros mortos e anjos caídos, o que deve ter sido uma experiência inesquecível, e uma das próximas aventuras ia jurar que será amazónica.
Vejamos mais de perto: foi proveitoso para mim, e espero que o seja para outros, ter tido conhecimento do seu processo de criação. Ela é uma exploradora, assemelha-se aos filósofos naturais de outros tempos, que iam para o terreno e falavam de tudo, porque o seu conhecimento era geral, ainda sem especializações. Daí que Marcia não fique agarrada à secretária, como um antigo naturalista de gabinete; como o naturalista de campo, ela salta para o terreno e procede a pesquisas preparatórias. Assim, a Balada dos rockeiros mortos e anjos caídos começou no Brasil, com personagens a tratarem-se por tu, o que parecia uma sugestão para que a história se desenrolasse em Portugal. Tal exigiu uma permanência de meio ano em Lisboa, para investigação e recolha de materiais, e até para a autora se familiarizar com as particularidades do nosso discurso coloquial. Seis meses não bastam para isso, ela precisa de vir a Portugal escrever mais romances e assimilar pela prática de conversa o calão nacional.
Foi durante estes trabalhos de campo que travei conhecimento com a Marcia. Vinha ela de São Paulo, recomendada por Ralph Peter, responsável pela rubrica Revista de Livros num canal de televisão paulista. A escritora falou da sua personagem, uma adolescente interessada pela arte, perguntou onde a poderia levar, a pretexto de visitar uma tia, e eu lembrei-me de irmos ambas a Mafra, ver o convento. Infelizmente estava fechado, limitámo-nos a circundá-lo e a conversar, sentadas num banco do jardim. Por esta razão, na Balada dos rockeiros mortos e anjos caídos, a tia de Renata não mora em Mafra, sim em Tomar. Porém, se a nossa ida a Mafra não despoletou acontecimentos narrativos no livro agora publicado na Chiado Books, ouso dizer que foi o detonador do próximo ou próximos romances de Marcia Kupstas.
Voltadas para a ala esquerda do convento de Mafra, lamentou a autora brasileira que o Brasil só tivesse praias para fruição dos visitantes. Discordei, comentando que os brasileiros não valorizam, aliás não conhecem, a sua pré-história. Trouxe então à baila uma polémica exposição arqueológica vista em 2005 no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, que dera a conhecer objetos e gravuras rupestres um pouco de todo o território brasileiro, incluindo a Amazónia, cuja floresta se sabe hoje ter sido plantada. O motivo da polémica foi a datação: a arqueóloga responsável pelos trabalhos de campo atribuía aos achados datas muito anteriores ao que a ciência oficial permite, ou permitia, em 2005, visto que o caudal permanente de nova informação faz com que a ciência se atualize permanentemente.
Desafiada, Marcia Kupstas planeou uma viagem arqueológica mal saiu do avião Lisboa-São Paulo. Foi desta maneira que, há pouco tempo, publicámos no Triplov uma reportagem fotográfica da autora em terras de Acre, para descoberta do passado misterioso do Brasil. Tal como em Nazca, no Peru, os geoglifos pré-históricos só são perceptíveis integralmente se vistos do céu, por isso parte da aventura de Marcia e sua filha realizou-se em circuito de balão.
Não espanta assim que o seu próximo romance tenha por protagonista uma ufóloga, a demonstrar que os registos pré-históricos brasileiros são obra de extraterrestres. Temos uma aventura na Amazónia a marinar, para o ano próximo, e eu conto participar nela, pois dois fatores se combinaram: o romance a escrever por Marcia e o meu desejo de conhecer as terras que, na história das ciências em Portugal, tem por principal protagonista Alexandre Rodrigues Ferreira, naturalista-explorador do século XVIII.
MARCIA KUPSTAS
Balada dos rockeiros mortos e anjos caídos
Lisboa, Chiado Books, 2018