Ana Soares
nasce na Figueira da Foz, a 29 de Outubro de 1900 .
Casou em 1924, tendo enviuvado em 1930.
Durante quinze anos escreve a sua pequena obra literária,
vindo a falecer (1945) de febre tifóide.
Uma sua tia entrega todos os escritos "cartas e poemas" a uma amiga de Ana Soares, que fica com a incumbência de os publicar, por desejo da própria,
o que não veio a acontecer.
Por razões que só o destino conhece, vieram-me parar às mãos todos estes escritos, com a nota de ser eu a publicá-los.
A partir de hoje será então dado à Luz todo o seu espólio.
maria azenha
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Poema XI
Porque me deste a Veste
De saber que existo,
Este exílio, esta peste,
Este martírio de Christo?!...
De conhecer a Verdade,
Duplamente existida,
A que me vive em Saudade
E a que, em literatura, é vida?!...
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Poema I
(poema cruzado com Alberto Caeiro)
O rio da minha cidade nunca está triste,
nem nunca finge ser Deus.
Ele é apenas o rio da minha cidade.
Eu sou quem tem pensamentos ao vê-lo.
Não sei se tem afluentes, como qualquer rio,
mas a minha alma diz-me que, se os tiver,
uns serão tristes, outros contentes,
e outros, ainda, com alguns momentos felizes.
Ao anoitecer, para não me sentir tão só sobre a Terra,
ou como dizem alguns poetas, orfã de infinito,
que, para ser sincera,não sei o que é,
(o infinito deve ser tão grande!...
que me dá uma vontade enorme de chorar!...)
Empresto-lhe então, em pensamento, as minhas mãos
e os meus pés , e todo o meu corpo,deitando-me nele
para me sentir mais apagada no Universo
olhando, para cima, apenas o céu...
Nesse instante não me lembro quem sou.
Sei que o meu destino é comparável
ao inverno dos meus versos,
porque os meus versos atravessam
todas as estações,
e os meus pensamentos de abat-jour
chovem abundantemente sobre as casas.
Vão dizendo adeus, com ele, para sempre.
O rio da minha cidade, que desliza, tem um nome.
Mas eu prefiro dizer que o nome que tem é falso,
porque vai mudando à medida que o vento
lhe segreda coisas simples e o empurra.
Para quem não sabe, o rio da minha cidade
é o único rio que não vem nos mapas.
É o único rio verdadeiro que existe,
e eu sou feita à semelhança dele.
Também me deram um nome de baptismo,
quando chorei o primeiro som,
( esse , sim, foi o meu único verso verdadeiro!)
e eu não respondo quando me chamam por ele...
Sou coerente comigo.
O meu nome também não vem nos mapas,
nem em nenhum livro.
Simplesmente não existe.
Só eu o sei.
Ana Soares
heterónimo de maria azenha |