Ausência e axioma

 

LUÍS DE BARREIROS TAVARES Org.

 

 

 

 

 

 

 

 

MANOEL TAVARES RODRIGUES-LEAL
Oito poemas inéditos do caderno
Ausência e Axioma (1968)

 

hipótese para um poema

 

pelo verão da noite

dos vidros claros

os olhos aquecem

o quarto ângulos

calmos que se coam

nos óculos agudos

surgem e secam

nos braços quadrado

de vidros claros

  1. lx 14/5/68

 

*

 

noite nítida

 

rápidas aparecem as horas

rápidas as horas ríspidas

rápidas das raízes que criam

as horas reduzem os rostos

redutos de risos rápidos

retinem restos de palavras

ridículas nas horas rápidas

  1. lx 15/5/68

 

 

herdam-se os dias as horas

ardem os dedos nos cigarros

acesos fogem as horas nos fósforos

os olhos falham e fingem

frescura onde se herdam

os ruídos dentro das ruas

das horas escadas escondidas

nos dedos diurnos das tardes

  1. lx 17/5/68

 

*

 

o domingo coincide

com o ócio os ossos

duma rápida crueza

contorno que decide

 

os olhos auscultam

as cadeiras sala sob

geometria e galope

das horas que assaltam

 

e são os pés do tempo

o sol cinzelado de ócio

insistem cortinas de cores

a espada que se suspende

  1. lx 26/5/68
Frame de “Lisbon Story” (Wim Wenders)

 

interdizer os dedos

incliná-los na espera

submetê-los sim porque

há nas horas à despedida

uma seta que nos espera

  1. lx 26/5/68

 

*

 

etc.

 

solidão de boca

estritamente selada

três vezes intestinos

de solidão etc.

1 cão a latir

 

opacamente

a casa contém

e incute

um corpo

donde o silêncio se exala

  1. lx 28/5/68
Frame de «La Ville Blanche» («A Cidade Branca»,, de Alain Tanner)

 

sonhar à altura dum prédio

suspenso do sonho pendurado

o perigo aparece nas ruas

com carros pretos e caras paradas

s/d

 

*

 

estrada extinta

curva trajecto

da cara gesto

largo e a linda

 

manhã amarga

nas horas sorrindo

o suor da cara

perfeito gesto

 

nos prédios caindo

lx.3/6/68

 

Manuscrito do primeiro poema