Até parece que vale tudo…

VASCO LOURENÇO
Até parece que vale tudo…


Alguns dos meus amigos consideram que sou dos que praticam a teoria da conspiração.

E eu sou levado, muitas vezes, mais do que gostaria, a dar-lhes razão.

Com efeito, face a acontecimentos diversos, seja em Portugal seja no estrangeiro, são muitas as vezes que os entendo não como resultado de fenómenos naturais, não como resultado de acções próprias das circunstâncias dos homens, dos colectivos ou da vida real, mas sim como resultado de planeamentos levados à prática por indivíduos, e principalmente por grupos organizados (do mais baixo ao mais alto escalão) para provocarem acontecimentos que lhes permitam actuar de forma justificada para atingir os fins que, de outra forma, teriam dificuldade em fazer passar.

São conhecidos factos conspirativos que ficaram célebres na História, também pelas enormes e desastrosas consequências que tiveram, recordando aqui nomeadamente o incêndio do Reichstag, que levou Hitler ao poder, ou o deixar que se consumasse o massacre do ataque a Pearl Harbor, que abriu as portas à entrada dos EUA na 2.ª Guerra Mundial.

Ultimamente, temos o caso do ataque às Torres Gémeas, e em especial o pseudo ataque ao Pentágono, em 11 de Setembro de 2001, que justificou os ataques desenfreados que os EUA lideraram a partir daí.

Em Portugal também existirão alguns exemplos significativos.

Evoco tudo isto, precisamente a propósito do que se está a passar actualmente em Portugal?

Há pouco mais de dois anos, as eleições parlamentares permitiram uma solução de governo que muitos consideravam contranatura.

Contrariamente ao que a oposição então profetizou, a solução vingou e apresentou resultados.

De tal maneira que a Europa inteira se admirou e o mundo neoliberal, que faz do capital financeiro especulativo a sua bíblia, estremeceu de pavor.

Como era possível que Portugal, um velho mas pequeno país periférico, que já tivera a ousadia de, em 25 de Abril de 1974, praticar um acto que continua a ser único na História universal, viesse de novo espantar o mundo e demonstrar que havia alternativa, que era possível governar o País de forma democrática e em defesa dos mais pobres, dos mais desprotegidos!?

Sim, como era possível um governo governar à esquerda, sem necessidade de repressão?

De início, os que viam perigar o seu divino poder, os seus divinos privilégios, puseram-se a clamar que vinha aí o diabo, que o Zé Povinho esperasse pela demora, que nem sonhava o que o esperava, como castigo por não ter mantido o apoio aos seus senhores iluminados.

O tempo passou, o diabo não apareceu à população, terá aparecido aos seus apóstolos, mas a criação de fenómenos que enfraqueçam a “geringonça” tornou-se a primeira prioridade.

Cavalgando a tragédia dos incêndios em Pedrógão e demais localidades, explorando as suas consequências, como se fosse caso inédito em Portugal (demissão do ministro da Agricultura, clama com vigor a sua antecessora que atacara os incêndios do seu mandato com rezas à Senhora de Fátima para que fizesse chover), quase que transformaram os membros do Governo nos verdadeiros incendiários (há que confessar que algumas actuações de responsáveis facilitaram esses ataques).

De seguida, criam a farsa de um “assalto aos paióis de Tancos” e, queira-se ou não, o facto é que provocaram alguma mossa no Governo.

Não chegou, foram desmascarados, viram o diabo nas eleições autárquicas, de onde a solução governativa saiu reforçada e, vendo que não conseguem abrir brechas significativas entre os vários componentes dessa solução, não hesitam: avançam para uma avalancha de incêndios, numa acção criminosa que nos traz à memória a sucessão de ataques a sedes do PCP e de outros partidos da mesma área, nos idos do Verão Quente de 1975.

Exagero?

Penso que não!

Basta ver os exércitos de comentadores, os anúncios de “manifestações contra os incêndios” (!!??), o anúncio de uma moção de censura ao Governo!

Mais uma vez me vêm à lembrança os anos do pós 25 de Abril, com a manifestação da “Maioria Silenciosa”. Só que desta vez até conseguiram fazer a manifestação, mas ela foi muito pouco maioria e silenciosa…

Pessoalmente, estou convicto que estamos numa guerra, onde há combatentes que não hesitam nas armas a que deitam mão. Estarão desesperados, por isso há que não os ignorar, combatendo-os com determinação.

Apesar de várias opiniões em contrário, quero acreditar que o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa continuará a ser um Presidente que defende o estado democrático e de direito em Portugal.

Confio que se não deixará embalar pelos cantos da sereia, incluindo muitos da sua família política e continue a comportar-se como o Presidente de todos os Portugueses.

Contrariamente a alguns amigos, não critico a sua intervenção pública do dia 17 de Outubro. Pelo contrário, subscrevo o essencial das suas posições.

A questão que levanto, no entanto, é que considero que o Governo e a Assembleia da República, nomeadamente o primeiro-ministro e os partidos apoiantes desta solução governativa, terão de ser capazes de responder, clara e determinadamente, ao repto que o Presidente da República lhes lançou.

Em primeiro lugar, terão de ser capazes de levar à prática as medidas necessárias e indispensáveis que, adiadas várias décadas, são inevitáveis para que o paradigma se altere.

Não vou aqui pormenorizar as medidas que defendo, mas tem de haver coragem e força para alterar, entre outros pontos, o ordenamento da propriedade agrícola, a restruturação da floresta, a estrutura da Protecção Civil e dos Bombeiros, o ataque ao “negócio dos fogos” em Portugal.

Vai haver enormes oposições? Os interesses postos em causa são demasiados fortes para se lhes conseguir fazer frente?

É um facto, mas aí terá de haver coragem e força políticas!

E, nesse caso, o Presidente da República terá, como confio que terá, de apoiar determinantemente as medidas que, adiadas por décadas, se impõe concretizar.

E, de uma coisa estou certo: não serão as forças do passado, que nada fizeram de positivo para alterar a situação, pelo contrário contribuíram para o actual estado calamitoso, que poderão ser agentes das transformações inadiáveis.

Se assim for, se a democracia continuar a funcionar e o Governo mantiver a rota que encetou há dois anos, conseguir-se-á desmascarar os incendiários (sejam os propriamente ditos, sejam os outros…) e a consolidação de um Portugal mais livre, democrático, justo e em Paz será um facto.

Abril continuará a cumprir-se.

É nisso que acredito, é nisso que aposto.

 

Lisboa, 18 de Outubro de 2017
Vasco Lourenço