JONAS PULIDO VALENTE
Quem me matou…
Não foi um carro que teima em atropelar,
Não foi um enfarte,
Nem foi o MacDonald’s.
Não foi o Zé Pequeno,
Nem o terramoto de Osaka.
Não foi um Senhor da Guerra no Mianmar,
Não foram as outras crianças-soldado,
Também não foram os da hoste de vietcongues.
Não foi a noite de Bangkoque
E o vício do Lou Reed não foi de certeza.
Não foi o dealer do Mindelo,
Não foi uma rapariga do Portal Privado,
Nem um dos vários quartos escuros.
Não foi a mota nem os cogumelos nas colinas de Haad Rin,
Não foi um polícia numa manifestação,
Nem um dos seus colegas numa rusga.
Não foi o moche num concerto do Iggy Pop,
Nem a maquilhagem do David Bowie.
Não foram os hooligans de Hamburgo,
Nem os seus rufias vindos do Afeganistão.
Não foi a escala em Singapura,
Nem a foto no World Trade Center.
Não foi a turbulência dos Açores,
Nem o ferver das suas furnas.
Não foi o início do milénio em Times Square,
Também,
Não foram os amigos,
Nem os seus amigos,
Nem os amigos deles.
Não foi a CMTV,
Nem a Guerra Fria,
Nem o Estreito de Taiwan.
Não foram as aranhas junto à convidativa relva gramada,
Comigo deitado no paraíso de Botany Bay.
Não foi uma kalash nas colinas,
Nem o guia em Chechauen.
Não foi a família,
Nem a família,
Nem a família.
Não foram as tríades de Macau,
Nem os Vory V. Zakone,
Quase que não foram eles,
nas suas casas de prazer junto ao caminho para a Taipa.
Não foi o Twitter,
Nem o nosso Presidente.
Não foi a disputa de Leste,
Nem os decapitadores do Levante.
Não foram rodagens em Londres,
Nem a queer mafia do SoHo.
Não foi o treinador de cavalos em Hong Kong,
Nem o Gurkha que vivia a meio caminho do Peak.
Não foi perder-me nas Chungking Mansions,
Nem o corredor Pequim-Guangzhou.
Não foi o suspiro em Santa Monica,
Nem o tão ansiado trabalho
Junto ao seu belo mar.
Não foi o Santo Ramadão,
Nem a tosse,
Nem foi a escola católica,
Nem os seus uniformes,
Nem os seus castigos.
Quem me matou, na verdade,
Foi a junta médica e os seus castradores.
Talvez sem saber,
Mataram o meu futuro,
Não mudando a minha natureza, que nunca se perdeu.
Fecharam o meu destino e encorajaram uma vida vegetal,
Pouco natural,
Que não me anima.
A Junta matou-me,
Assentou,
Com uma montanha de fármacos,
E com um acto,
Actuado,
Cortando,
Legitimada apenas,
Com uma,
leve,
a
s
s
i
n
a
t
u
r
a
Jonas Pulido Valente, 05/04/2020