Ascensão da água

 

SAMUEL F. PIMENTA


Novo livro de Samuel F. Pimenta, Ascensão da Água,
publicado pela editora Labirinto,
valeu ao escritor o Prémio Literário Cidade de Almada 2019

Lisboa, 17 de setembro de 2020. O último livro que Samuel F. Pimenta publicou foi o romance Iluminações de Uma Mulher Livre, em 2017, sob a chancela da Marcador. Depois de três anos afastado do mercado editorial, regressa agora com o livro de poesia Ascensão da Água, depois de ter ganhado em 2019 a 31.ª edição do Prémio Literário Cidade de Almada.

«Este livro nasceu da observação do ciclo da água, elemento tão vital ao nosso planeta, mas também dos mitos a ela associados, com referências às imagens pagãs do inferno primordial, mundo subterrâneo e subaquático. É também uma cartografia de afectos, ou não fosse a água o seu elemento, já que muitos dos poemas são dedicados a pessoas e lugares importantes para mim e para o processo criativo do livro», diz Samuel F. Pimenta.

Nas palavras do júri do Prémio Literário Cidade de Almada, composto por José Manuel Mendes, escritor e presidente da Associação Portuguesa de Escritores, Manuel Frias Martins, professor universitário e crítico literário em representação da Associação Portuguesa dos Críticos Literários, e pelo poeta Joaquim Pessoa, «Ascensão da Água apresenta um conjunto de poemas com uma arquitetura elegante e uma dicção poética conseguida, as quais geram uma relação muito cativante com o próprio potencial imaginativo do leitor. É melancólico o olhar que o poeta lança sobre o mundo. Contudo, há nos poemas um êxtase contemplativo que capta a atenção, reforçando, ao mesmo tempo, a eficácia comunicativa das imagens e das palavras».

Promovido pela Câmara Municipal de Almada desde 1989, o galardão é considerado uma referência nacional na área da literatura e na promoção da criação literária em língua portuguesa, já tendo agraciado autores como Domingos Lobo, José Mário Silva, Carla Pais e José Jorge Letria.

Ascensão da Água tem apresentação agendada para 1 de outubro, na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa, pelas 18h30, e será apresentado pelo jornalista e escritor Fernando Dacosta.

Samuel F. Pimenta é poeta e escritor, tem 30 anos e seis livros publicados. Nasceu em Alcanhões, Santarém, começou a escrever com 10 anos e licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa.

Tem participado em diversas conferências e em encontros literários nacionais e internacionais, e colabora com publicações em Portugal, no Brasil, em Angola, em Moçambique e na Galiza. Em 2016 representou Portugal no International Young Poets Meeting, em Istambul, Turquia. A sua obra está presente em diversas antologias, em Portugal e no estrangeiro. Alguns dos seus livros deram origem a peças de teatro e teses académicas.

São vários os prémios que lhe têm sido atribuídos, como o Prémio Jovens Criadores 2012 (Portugal), a Comenda Luís Vaz de Camões 2014 (Brasil) e o Prémio Liberdade de Expressão 2014 (Brasil). Em 2015, foi um dos vencedores das Bolsas Jovens Criadores, do Centro Nacional de Cultura, para a realização de uma residência artística e a escrita do romance Iluminações de Uma Mulher Livre. Em 2016, com o livro Ágora, ganhou o IV Prémio Literário Glória de Sant’Anna, galardão anual destinado ao melhor livro de poesia dos países e regiões de língua portuguesa.

Além da literatura, dedica-se ao estudo da espiritualidade e à promoção dos direitos LGBTI+, dos direitos humanos e dos direitos da Terra.


5 poemas do livro “Ascensão da Água”

 

Sei da dor da água

porque a vi abandonar a terra

e retirar-se para o mundo subterrâneo.

 

Sei quanto do abandono se faz para sobreviver.

 

E enquanto corre o tempo

e o líquido segue sendo líquido

e a mágoa se transforma em sedimento,

sei que a água regressa à superfície

ainda que o mundo morra à sede

de a esperar.


As lágrimas são sementes

 

Os corvos desta cidade

choram a morte de um santo

e velam-no para que não siga sozinho na viagem.

 

Somos nós que ali choramos também

velando a nossa sepultura

e orando orando orando

para adiar a hora de partirmos

e ficarmos sós.


 

Enquanto esperava o barqueiro

antes da fuga dos Infernos

escutei as falas dos mortos

submersos no rio.

 

Jamais as pronunciarei.


 

Não sei o que sentem os mortos na travessia:

se se lembram de quem os amou

se se convencem de que é possível o regresso

se se reconhecem no espelho do rio.

 

Sei que ao barqueiro dei uma moeda

e fi-lo prometer-me que te levaria.

 

Mas ainda te vejo desta margem

pois a candeia que trago continua a arder.


 

As Senhoras 

 

No dia em que morri

e me vi perdido no caminho

reclamaram-me as senhoras

das serpentes e feitiços.

 

Medusas Medeias Morganas

Marias Madonas e Mães chorando

um corpo profanado pelos homens.

 

Mas às senhoras deu a Terra

o poder da ressurreição.

Deram-me leite de beber

sibilaram-me o destino

e afastaram os inimigos

para jamais voltarem até mim.

 

E eu pude resgatar por fim

a minha alma imortal.