As mulheres desconhecidas

 

Foto: M Céu Costa

MARIA ESTELA GUEDES


9 de março de 2021
No Dia da Mulher, dedicado às mulheres

Do livro «Esta noite dormimos em Tânger»
Editora Urutau, Pontevedra/São Paulo, 2020


Porque o somos todas

Mesmo em topless

Mesmo majas desnudas num quadro de Goya

Ou Olympias pintadas por Manet

Ou em casa

ou na praia

ou no banho

 

As mulheres um pouco mais desconhecidas

Se vestidas, com lenço

A cobrir-lhes os cabelos

Que o Profeta (Que o seu Nome brilhe mais

Do que as estrela!) amava sobre os demais

Atrativos feminis

E por isso remeteu para Allah

A exigência de modéstia ao exibi-los.

 

Num outro grau de mistério

Eis o rosto coberto, mas com testa e olhos

Pensantes a ver-nos ver

 

Misogyny

Grafitou alguém na muralha do castelo.

 

Misanthropy

Emendo, apesar de a citação errada

O errado grafito haver corrigido.

 

Talvez seja verdadeira a confissão

De que a mulher é o seu ouro

Por isso em cofre devem guardá-lo

Tal como na vicentina farsa.

Assim nem misoginia

Nem misantropia

Antes falta de instrução e de siso.

 

Por fim, profundo azul

Índigo imperial surdo-mudo

Todo o corpo coberto

E só a estreita fenda para espreitarem

E nós espreitarmos

O olhar tão secreto e duro

Que é de lápis-lazúli.

 

Em Rabat vi mulheres

No pátio interior do café

El Bahia

Sentei-me atrás delas

Vestiam fato europeu

Apenas os cabelos ocultavam

Sob lenço escuro.

 

Centradas, muito concentradas

Ouviam canto corânico no telemóvel pousado

Junto ao copo do chá de hortelã

Os dedos rápidos a passarem

No tasbih

As contas devidas a Allah.

 

Mulheres modernas

Sem grilhetas de pano

Sem cintos de castidade mentais.

 

Ainda assim agarradas ao cabo

Das tormentas de um lenço

Arcaicamente amarrado ao pescoço

Do sex appeal.

 

Abelhas que não provam o mel.