Arassari Pataxó entrevistado

A SILENTE NEO-COLONIZAÇÃO BRASILEIRA 

O processo de colonização do novo milénio.
Curiosidades e política: a situação actual das
populações indígenas no Brasil.

Entrevista de Beatrice De Luca & Alessia Santella
Alunas de terceiro ano de língua portuguesa na Università degli Studi Internazionali di Roma (UNINT)


A seguir à conferência “O Brasil indígena”, tivemos o prazer de entrevistar o Senhor Professor Arassari Pataxó. Os temas que preferimos tratar com particular atenção foram a origem da sua tribo e a situação actual em que vive.   

 

Arassari Pataxó, pode dizer alguma coisa sobre a sua tribo? Onde vive, como gostaria de caracterizá-la?

A minha tribo é Pataxó, fica no sul da Bahia, em Porto Seguro, e vive dentro do Parque Nacional  Monte Pascoal. Como já sabem, Cabral chegou no Brasil em 1500 e viu um monte muito alto que tinha também uma boa vista e, por ser Páscoa, chamou-o Monte Pascoal. Vivemos lá desde antes dele chegar. Lá está a maioria dos povos Pataxó e há mais de 23 mil indivíduos divididos em muitas aldeias. Hoje estamos em três Estados do Brasil: Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

 

Ao longo da história da tribo dos Pataxós, quais foram os momentos de maior sinergia e quais os de menor contacto com o Brasil não-indígena?

Tivemos os primeiros contactos com os europeus em 1500 e desde esse momento nos fomos adentrando nas florestas. Foi assim que eles encontraram os nossos povos.

A nossa terra é rica de pau-brasil e ouro e estos elementos chamavam muito a atenção dos europeus. Passamos séculos a lutar contra isso até que resolvemos ficar na praia e não aceitar a dominação. Quando foi fundado o Parque Nacional, o Governo queria retirar de lá os indígenas. Foi assim que, em 1951, tivemos a última guerra durante a qual os nossos pais não saíram do parque. O meu avô morreu, como muitos outros indígenas. Depois conseguimos chegar à capital do Brasil para denunciar o acontecimento e é por isso que foi mudado o Decreto. O Parque tornou-se inabitável excepto que para os povos indígenas e de aí nós ficamos lá sem ter jamais guerra nenhuma. Ultimamente tivemos vários ataques porque estamos num período de perseguição política. Algumas lideranças  políticas acreditam que estamos a atrapalhar o progresso para proteger a natureza, mas a realidade é que eles querem tirar todo o ouro e vender a madeira. Eles não sabem que a maior riqueza somos nós, que estamos lá a preservar o ambiente para as gerações futuras e para o mundo.

 

Vamos á actualidade: por que, hoje em dia, é tão importante difundir a cultura indígena?

É importante para que a nossa Nação permaneça  viva. Se nós não divulgarmos a cultura, o mundo não saberá da nossa existência e não nos protegerá. No momento em que vocês conhecem e ouvem algo sobre a cultura indígena, irão lutar para nos defender. Por isso vários indígenas saem do Brasil pelo mundo para denunciar o que estamos a passar. Querem as nossas terras, as nossas riquezas apesar de nós não termos apartamentos, carros ou dinheiro na conta. O que nós queremos é ter o nosso vínculo com a terra: a terra é de todos e não a queremos vender como outros fariam.

 

Como estamos numa Faculdade de Interpretação e Tradução, pode fazer um exemplo de como é que se estrutura uma frase na sua língua?

Nós, por exemplo, não conjugamos os verbos e por isso é um pouco difícil perceber o português, que pelo contrário conjuga. Eu posso dizer “a gente vamos”  e está correcto para mim mas pelas pessoas de fala portuguesa não. Não conjugamos mas temos presente, passado e futuro que se expressa com a ajuda de outras palavras. O segredo para entender a nossa língua é senti-la; para vocês a língua é toda uma regra; nós eliminamos as regras porque o importante é entender-nos.

 

Há uma palavra na sua língua que não pode ser traduzida para o português? Uma palavra que é insubstituível? Por exemplo, a palavra em língua portuguesa “saudade” é muito difícil de traduzir para as outras línguas. Há algo semelhante? 

“Pataxó” não pode ser traduzido! O nome “Pataxó” vem do sono da água de mar: a água bate na terra e faz “pa-ta-xó” e de lá vem o nosso nome.

 

Na sua conferência, o professor falou de uma Lei para a promoção linguística e cultural. O senhor acha que o Governo faz todo o possível para ajudar esta promoção e para garantir a defesa dos direitos dos nativos?

Eles só criaram a Lei, mas não deram nem subsídio nem autonomia para que possamos estar dentro das salas de aula. É por esta razão que a escola pode nos rejeitar. A escola trabalha connosco apenas se quiser, apesar do nosso direito estar expresso na Constituição federal. Nós queremos a aplicação destes direitos fundamentais. Por exemplo, o artigo 231 obriga as Autoridades competentes a demarcar as terras dos povos indígenas. A realidade é que as Autoridades não demarcam as nossas terras porque há interesses das grandes  empresas minerárias.  Colocando tudo isso na balança, o que é que vão proporcionar?
O poder económico, a preservação natural ou as terras indígenas? A resposta é sempre uma: o poder económico! Então a nossa luta é trazer consciência disso.

Os nossos velhos dizem que o homem foi capaz de criar o avião, mas não de entrar no seu coração.


Beatrice De Luca & Alessia Santella
Alunas de terceiro ano de língua portuguesa na Università degli Studi Internazionali di Roma (UNINT)