Apologia de Sócrates em Platão e Xenofonte

 

CECÍLIA BARREIRA
(CHAM-NOVA FCSH)


Sócrates, filósofo ateniense, terá nascido em 469 AC e foi obrigado a suicidar -se em 399 AC. Os diálogos que manteve com muitos dos seus discípulos, entre eles Platão, Xenofonte e Aristófanes são fundamentais para percecionar a sua visão filosófica. Não deixou registos escritos. Platão e Xenofonte escreveram os diálogos. O julgamento e a execução perpetuados pela elite política de Atenas sobre o   pensador constituem a força matriz da obra de Platão, seguidor e aluno.

Os acusadores de Sócrates foram Ânito, Meleto e Lícon. Ânito e Lícon odiavam Sócrates porque os respetivos filhos se inseriam numa moral que muito condenavam e que atribuíam à influência do pensador. O filho do primeiro pertencia ao escol exclusivo do filósofo e um filho do segundo era amigo de um seu incondicional discípulo.

Em Platão verificamos o aluno que quer recordar o Mestre deixando uma obra toda ela um testemunho do legado de Sócrates.  Uma das obras mais conhecidas é a Apologia de Sócrates dividida em três secções. Encontramos uma lição de Ética e da importância da Liberdade de Expressão (vide o site Sabedoria Política, Universidade Federal do Amazonas Campus de Parintins e ainda Juliano Orlandi A Apologia de Sócrates, entre a retórica judicial e a epidíctica, Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar, 2012 bem como   de Alexandre Romero, prefácio a Apologia de Sócrates, São Paulo, 2013).

Sócrates foi acusado de ser ímpio e de, portanto, não respeitar os deuses gregos.  É acusado de corromper os jovens.

O filósofo   respondeu defendendo- se perante os acusadores. Cito agora Xenofonte em Apologia de Sócrates, “ E, o que é mais agradável ainda, eu tinha consciência  de ter vivido toda a minha vida com piedade e com justiça, de modo que, tendo por mim próprio grande estima, sentia que aqueles que conviviam comigo, se a minha idade continuar a prolongar-se, sei que será necessário que sofra as consequências da velhice: ver pior, ouvir menos, ser mais lento a aprender e mais esquecido do que aprendi. (…)  De facto,   se me condenarem agora, é óbvio que me será aplicada morte que é tida como a mais fácil por aqueles que se dedicam a estas matérias (…) (in Xenofonte   Apologia de Sócrates, tradução do grego, introdução e notas de Ana  Elias Pinheiro Imprensa da Universidade de de Coimbra , p 102).

Como bem nos esclarece Susana Duarte Martins, na sua tese de doutoramento de 2015 , tudo o que se conhece de Sócrates advém de Platão, Xenofonte e Aristófanes (Susana Maria Duarte Martins, ,  A Definição em Terminologia: Perspetivas Teóricas e Metodológicas , Março de 2015, NOVA FCSH).Os valores morais e éticos seriam primordiais. O método socrático foi revolucionário dado que usou o questionamento permanente do saber.

Platão (428-427 AC-348-347 AC) foi um dos discípulos mais diletos. Terá viajado por Itália. Fundou a Academia de Platão ou Academia Antiga que liderou durante cerca de 20 anos. Ainda o discurso de Sócrates na Apologia de Sócrates desta vez na versão de Platão:

“Contudo, Atenienses, achei que os bons artesãos têm o mesmo defeito dos poetas; por praticar bem a sua arte, cada qual imaginava ser sapientíssimo nos demais assuntos, os mais difíceis, e esse engano toldavas-lhes aquela sabedoria. De sorte que perguntei a mim mesmo, em nome do oráculo, se preferia ser como sou, sem a sabedoria deles nem sua ignorância, ou possuir, como eles, uma e outra; e respondi, a mim mesmo e ao oráculo, que me convinha mais ser como sou “ (in Roberto Goto, O cidadão Sócrates e o filosofar numa democracia, Pro-Posições, Campinas, 2010, acesso em 2019).

Após receber a sentença de morte Sócrates profere: “Vocês me deixam a escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é vivar sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte. escolho, pois, o desconhecido! (Jornal Nordeste arquivado a 22 de fevereiro de 2014, no Wayback Machine. A morte de Sócrates, por José António Ferreira.  Arquivo: edição de 29-03-2011. Secção Opinião).

Por último as palavras finais, “Mas eis a hora de partir: eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, exceto os deuses” (ibidem).

Sócrates questionava todo e qualquer tipo de conhecimento.  Apelidava à sua própria voz interior daimonion. Teve oportunidade de fugir à morte, através de fuga ou pedindo alteração da pena. Mas tomou cicuta, o veneno que lhe foi entregue para fenecer.

Num artigo muito interessante de 2010, o ensaísta Adriano Scandolara constata que Sócrates sempre rejeitou a cultura religiosa da Grécia Antiga. Na obra O Banquete (380 AC) de Platão, onde se configuram várias falas de Sócrates, são revisitados conceitos como o de belo, de bondade, de verdade.

Em O Banquete Sócrates manifesta-se não pelo amado ou amada mais belos, mas os mais verdadeiros e autênticos.  O amor seria sempre finitude porque só se deseja o que afinal não se tem. A ausência do amado potencia a Paixão. O imponderável do que não é acessível. A Literatura e a Poesia seriam aliadas no interrogar sobre a própria vida. Aristófanes, que também surge nessa ala , refere o amor como tentativa de encontrar a outra metade do ser, perdida para sempre quando os deuses separaram em dois o ser andrógino, o qual continha num todo o lado feminino e o masculino. Os heterossexuais procuram o seu contrário. Os homossexuais precisam do seu igual.

Contudo, o Eros, segundo Sócrates, não procuraria apenas o Belo. Até porque a Filosofia era uma preparação para a morte. O Amor surgia fruto da necessidade e do engenho. O discurso de   Ágathon, por exemplo, em O Banquete centra-se na infinita beleza do amado, na sua juventude extrema e poesia excelsa. Sócrates demarca-se desse posicionamento radical elogiando o trilho do Bem que nada tem a ver com a pungência do Belo.

Sócrates é sem dúvida o pai da Filosofia no Ocidente. Nos paradoxos que formulou, almejou representar a Dúvida, o questionamento permanente, a procura do lado bom e justo da sociedade.  A sua condenação à morte pela elite pensante traduz a forja da inveja e do ódio que muitos homens, seus contemporâneos e coetâneos, por ele sentiam.

A Apologia de Sócrates, quer de Platão quer de Xenofonte, constituem um paradigma do pensamento livre e autêntico sobre todas as tiranias, os preconceitos e a efemeridade do fácies instalado e maldoso dentro das sociedades de todos os tempos.

Sócrates ou a primeira grande apologia da Bondade, da Verdade e da Justiça.


CECÍLIA BARREIRA