A face insinua um movimento. Leve, quase imperceptível, destaca-se da sombra, alongando-se nela, volumetrizando-se com isso. O cinza dégradé adoça-lhe a pele, denuncia-lhe a tepidez, amacia-lhe a textura. Na fugacidade do instante, a história parece querer acontecer, sobrepor-se à placidez da acronia.
Uma cintilação. Um reflexo oscila no olhar, hesita em reverberação, ambiguiza pontilhisticamente o verde. Um irónico caracol espreita sobre a orelha, prolongando a alegria expandida num riso pleno, onde a voz se presente cristalina. Todo o rosto se arredonda, carnudo, em meiguice travessa, em promessa e anelo...
Um pouco antes, a vida interrompera o gesto em suspeita e em sedução evasiva. O flash assinalara o momentâneo afastamento de nós duas e obrigara a terna reunião.
Agora, o retrato vacila na memória do original, no desejo da mãe que o olha, cariciosa. E, nessa vacilação, rejeita a moldura enclausurante. Exige espaço de respiração, onde o afecto o torne convivente, conivente. Em frente. Ligeiramente à direita. Exacto. Contra o fundo das lombadas, ela enceta novo diálogo de olhares. Recosto-me, esquecida já da caneta em repouso, e encaro-a. Encontro que nos suspende de antecipação.
Brusca, a porta anuncia a entrada...
Março de 2000
Annabela Rita |