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Percursos
e Diálogos Inter-artes: para uma Cartografia da obra de Annabela Rita
Por
Fernanda
Santos
[1]
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Um
livro só é bom na medida em que nos traz um diálogo latente, em que
sentimos que o autor sabe imaginar concretamente o seu leitor e este
percebe, como que saindo das linhas, uma mão ectoplásmica que apalpa a sua
pessoa, que quer acariciá-la ou, então, muito cortesmente, dar-lhe um
murro.
Ortega y Gasset, A Rebelião das
Massas, p. 9
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1 – Mapas de leitura e instrumentos de orientação
Se a obra é “o metamórfico mapa
desse continente em mutação que é a Literatura”,
Itinerário[2]
abre o leque das quatro obras aqui escolhidas para análise, da autora
Annabela Rita. Itinerário,
Cartografias Literárias,
Paisagem & Figuras,
Focais Literárias são obras que
fazem parte de uma rota textual de viagem é a da autora, mas também a dos
leitores, com todas as suas expectativas, avanços, retrocessos e
hesitações, sob a égide da procura e da descoberta. Nesse processo de
conhecimento, dá-se, necessariamente, a
atualização de uma memória, a flexibilidade da imaginação. A escrita e a
obra ensaística reunida pela autora desafiam, quase sempre, a que o leitor
encontre caminhos possíveis – mas nunca únicos, na dinâmica do seu próprio
percurso individual. O discurso integra outras práticas artísticas, de
literatura, de pintura, de música, abrindo perspectivas, colocando
hipóteses interpretativas, e por vezes modulando, esteticamente, o olhar.
O leitor é permanentemente convidado a entrar num exercício inter-artes,
respondendo aos apelos e aos estímulos, ao ritmo das leituras, e à
caminhada intelectual e existencial, onde é possível se (re)encontrar.
Tomando em linha de conta que o
fenómeno estético tem uma fluidez muito própria nas suas fronteiras,
metamorfoseando-se, ou re-cartografando-se, o diálogo inter-artes parece
ser um conceito-chave em todas as obras. Cada texto corresponde a uma
viagem, a uma etapa da leitura e à percepção sinestética da autora.
Robert Scholes
referia que o texto instaura regras (protocolos) de leitura que pretendem
que o leitor não caia em interpretações inadequadas, conduzindo, desse
modo, o seu olhar para o interior da obra. Os instrumentos de orientação
são precisos e determinados para o leitor. Capa, título, epígrafe, aquilo
a que chamaríamos o paratexto, são os lugares que o ajudam a definir a sua
expectativa de leitura. O jogo em que a escrita se movimenta está sempre
em vias de transgredir e de inverter a regularidade que ela aceita e com a
qual se movimenta, indo para além das suas regras. Dentro da natureza
sempre provisória da leitura, num mapa de um continente em mutação como é
o da Literatura, cada incursão textual contempla movimentos exploratórios,
dentro de um quadro de referências em permanente atualização. A
dispositio textual é fabricada
para atingir o leitor, condicionando a recepção.
Nos
“Instrumentos de Orientação”, que dirigem a orquestra de textos da obra
Itinerário, a autora permite entrever que a abertura de janelas para
o mundo é diversa, obrigando a exercícios de memória e de associação. A
autora revisiona outros autores, outras referências. Assim, ao leitor é
colocado o desafio de (re)construir o caminho percorrido, ligando os
diversos pontos luminosos no caminho apontado.
É possível ao leitor entrar numa
viagem iterativa de análise de diversos géneros literários e de autores de
épocas diversas, desde Seiscentos à Época Contemporânea. São territórios
diversos e objetos de estudo e reflexão da autora os escritores António
Vieira, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Sena Freitas, Sebastião de
Magalhães Lima, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner Andresen, Ruben
A., Eduardo Lourenço, Miguel Barbosa, Alçada Baptista, Fernando Cristóvão,
Júlio Conrado, Amadeu Lopes Sabino, Filomena Marona Beja, Rui Nunes, José
Augusto Mourão, Miguel Real, Sérgio Luís de Carvalho, Alexandre Honrado.
Deixa ainda espaço para dois excursos, textos produzidos numa reflexão
pessoal, um deles sobre a relação natureza e cultura e outro sobre o tempo
e a sua passagem inexorável pela vida de cada um.
Os vários autores e respectivas
obras sobre os quais a autora se debruça, nas suas análises, são aqueles
que assinala como lugares e padrões, marcos do seu trajeto pessoal e
intelectual. Os excursos estão na margem desse território demarcado, mas
fazem igualmente parte deste itinerário, fazem parte de uma reflexão sobre
tempo e espaço.
Do mesmo modo,
Cartografias Literárias[3],
editado em 2010, está assente no princípio de que a geografia da arrumação
dos textos guia a leitura, sem no entanto cerceá-la aos seus leitores.
Divididos em subcampos intitulados “Instrumentos de Orientação”,
“Territórios” e “Diários de Bordo”, a geografia do mapa que a autora
percorre aparece, à cabeça, com uma bússola atualizada, o
GPS, ainda que este esteja
dirigido para “uma geografia incerta”[4].
Em terra, os “Territórios” dividem-se em casas, mas casas especiais, a
casa da palavra, e porque afinal são as palavras que compõem os textos,
também a palavra da casa e a palavra entre casas têm o seu lugar marcado
em território seguro. Pelo mar, somos igualmente guiados por “Diários de
Bordo” reunidos pela autora.
Os “Territórios” aqui designados são
os percursos neste mapa é feito da “Casa da Palavra” para a “Palavra da
Casa”, até chegar à “Palavra entre Casas”. Aqui, predomina o elemento
terra, o elemento concreto e enraizado. A viagem continua noutro género
literário, o lírico, referindo a Poesia Portuguesa Contemporânea, que é,
afinal, a “Palavra da Casa”. Finalmente, na chegada ou paragem momentânea,
a “Palavra entre Casas” refere as coordenadas de uma cartografia
identitária, que se faz entre o Eu e o Outro, que “designam lugares
opostos no eixo comunicativo em circunstâncias contingentes, uma relação
de papéis reversível, susceptível de engano e/ou de simulação e
dissimulação.”[5]
Esse olhar sobre
o outro pode ser mais abrangente, e no texto seguinte, intitulado
“Reconfigurações da Europa na
Cultura Portuguesa do Romantismo ao início do séc. XX”, a autora partilha
observações sobre o modo como a Europa foi sendo constantemente
reconfigurada nos textos de alguns escritores portugueses mais destacados,
como Almeida Garrett, Eça de Queirós, Cesário Verde, António Nobre,
Fernando Pessoa, Sebastião de Magalhães Lima. Ainda na “Palavra entre
Casas” aportamos no éden literário, pois chegamos ao terceiro texto desta
parte, fechada com chave de ouro, intitulado “Jardins da Literatura”.
Propósito da autora ou leitura
possível e sempre subjetiva, o número três é recorrente, na divisão
tripartida de “Territórios”. O três é, universalmente, um número
fundamental. Exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no
cosmos ou no homem. Indica-nos a completude, a tríade perfeita. Dessa
perfeição trata o último texto de “Territórios”, referenciando a Natureza,
o Homem e a Palavra, nos seus mitos e nas suas virtudes primordiais, a
Idade de Ouro “onde o tempo se absolutizava”[6].
Chegámos ao elemento da água, em
“Diários de Bordo”, que se inicia por uma preleção sobre o signo
literário, simbólico, intitulada “Da Acostagem: Processos e Lugares”. Os
“Diários” percorrem contos de autores consagrados da nossa literatura,
organizados por ordem cronológica: Eça de Queirós, Sophia de Mello Breyner
Andersen e Teolinda Gersão. Nessa viagem, itinerário em que a autora parte
à descoberta do conto, encontramos reflexões distintas e igualmente
complexas, muitas delas construídas em três passos quase bíblicos,
fundacionais do mundo narrativo e ficcional.
De lupa em riste, a autora parte de
impressões, das pegadas silenciosas deixadas pelo próprio texto ao leitor,
procedendo a um processo de investigação quase guinsburguiano[7].
Procura no conto “José Matias”, de Eça de Queirós, a personagem homónima
do título, mas vislumbra-o apenas como personagem ficcional, tese que
depois descredibiliza na sua análise textual, mostrando como José Matias
pode funcionar como “uma reflexão do género conto”[8].
Por impressões trabalha também o conto de Sophia de Mello Breyner
Andresen, “O Silêncio”, desta vez dando sete passos progressivos na sua
interpretação, em sete dias, conforme a criação do mundo. Em termos
bíblicos, o sete também se refere aos sete selos do apocalipse e aos sete
dias da semana. Sendo um número carregado de simbologia, o sete é também o
número da perfeição, dos sete chacras, dos sete corpos existenciais do ser
(corpo físico, corpo vital, corpo astral, corpo mental, corpo causal ou da
vontade, corpo búdico ou da consciência, corpo átmico ou íntimo). É ainda
um número universal, porque os Maias acreditavam também que o céu tinha
sete camadas.
Debruçando-se sobre mais um conto de
Sophia, “A Casa do Mar”, a autora coloca quatro dias e quatro hipóteses de
leitura a serem postas à prova, trabalhando com as impressões deixadas
pelo texto ao leitor, através de uma progressiva revisitação de espaços,
trabalhando minuciosamente a casa que Sophia descreve. E em “Cidades”, um
conto de Teolinda Gersão, o mapa e a cartografia literária do texto voltam
a ser percorrida em três dias, em três impressões, escrita e memória
inscritos num “mapa dúplice: o do espaço e o dos corpos”[9].
A autora não tem pretensões de
leituras conclusivas e deixa em aberto, ao leitor, a sua própria análise e
interpretação de espaços, desenhando a história de contato e de convívio
com um texto literário, um convívio pessoal mapeado.
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2 -
Notas de viagem: rotas imaginárias
A obra de 2011
Paisagem & Figuras[10]
está assente nos mesmos esteios, continuando a autora a sua análise
literária atenta e rigorosa, num conjunto de ensaios dispostos em partes.
As reflexões contidas nos ensaios são fruto de um percurso pessoal marcado
pela sua pesquisa, enquanto investigadora, professora e ensaísta, mas
também fruto de um olhar que se vai refinando e apurando, como um bom
vinho, com o passar dos anos. As obras da autora formam, afinal, um
puzzle de perspectivação da
evolução estética da literatura do Romantismo até aos nossos dias, numa
trajetória que tende a reavaliar esse itinerário em função de uma leitura
cada vez mais interdisciplinar.
A organização das obras passa por um
escrutínio meticuloso e atento, que em
Paisagens & Figuras se configura como um jogo de sombras. A sedutora
proposta que é feita ao leitor é a de uma leitura que imprima no seu
imaginário uma perspectiva inter-artes, travessia essa que também se
constrói nos títulos e subtítulos, representativos do discurso que vai
tomando o terreno e que se dá a conhecer ao leitor. Não é casual que o
número três continue a ser uma escolha da autora, nas “Notas de Viagem:
esboços (paisagens & figuras)”, na segunda parte, a “Exposição & Concerto
‘3+1’” e o “2.º Painel com Trilogias Perspécticas com E de Ensaio”.
Refere-se em “Antelóquio” um “compasso ternário”[11].
Mas a “Promenade” e o “Díptico” assentam na dualidade, no número dois, no
número que fratura a unidade, que constitui o par, que liga o bem e o mal,
o mortal e o imortal.
Construindo-se uma crónica pessoal,
de uma leitura sempre em desenvolvimento, os textos mostram as viagens
pessoais e literárias da autora, nas quais o leitor está avisado de que há
um mapa a ser percorrido sem pressas. A obra realiza a sua maior
construção, a dualidade recetiva de autor-leitor, que juntos criam um só
universo, o da unidade, da vontade, da criação.
Mas a estratégia literária tem maior
alcance quando se entende que há mais um intermediário no caminho, A.,
cujas colocações aparecem em paratexto para suscitar dúvidas, para fazer
escolhas, para percorrer caminhos que de outro modo não iríamos percorrer,
ou até para nos contrariar. O discurso narrativo, construído a partir das
notas e observações de A., dirige o olhar, instituindo um ponto de vista
organizador da experiência perceptiva, responsável por destacar paisagens
e figuras. A narração cruza o trabalho autoral com a pesquisa de A.,
fundindo-se num só monumento, a obra que vai aparecendo, como que outrora
invisível, mas que se vai tornando cada vez mais nítida, sob o olhar
expectante do leitor.
Num mar de textos, notas,
post-it, folhas amarelas de
diferentes texturas, projeto de aulas, e até escritos confessionais, pela
mão de A. somos levados a construir um mundo interpretativo e figurativo
para além dos textos, um mundo diverso de paisagens. Este é um trabalho de
recolha que vem descrito em “Antelóquio”, um trabalho editorial
monitorizado pela instância autoral, que descreve a recolha como um
“rito”, que acontece num “tempo suspenso”[12].
É ainda frequente que, como em
Itinerário, haja um
GPS que nos guie através de
pequenos intervalos, interlúdios, que separam e unem as partes do todo que
é a obra. “Antelóquio” apresenta A. revisitando as suas leituras,
convidando-nos a participar nelas, nas suas “transversalidades, viagem e
paragem”[13].
Note-se que a obra percorre referências artísticas diversas, cruzando-as
com as leituras. Obras de arte, peças musicais, exposições, são fulcrais
na organização das leituras e assumem papel preponderante no itinerário
descrito.
“Díptico” assinala o panorama das
paisagens ainda por descrever, em dois painéis, um sobre literaturas e
mundos lusófonos, outro que se apresenta como um estado da arte de temas
vastos, como a História de Portugal, a Literatura Portuguesa, a Filosofia
Portuguesa, entre outros.
A obra tem um encadeamento de
ensaios que representam a travessia da autora por diversas leituras e
temáticas. Os textos contemplados para análise são os de Almeida Garrett,
Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Cesário Verde, António Nobre,
Fernando Pessoa, Guerra Junqueiro, Magalhães Lima, Sophia de Mello Breyner
Andersen, Teolinda Gersão, José Jorge Letria. Contemplando-se o registo
ficcional através de A., que deixa o seu percurso de leitor (ou leitora)
anónimo(a) disperso em papéis e apontamentos vários, o leitor é convidado
a participar em vários cenários interpretativos, em várias leituras de
textos clássicos e de textos contemporâneos, viajando pela literatura
portuguesa, “escapando à geometria descritiva e aos pilares mais
evidentes.”[14]
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3 – Mitos e Memórias: um jogo de sombras
As obras da autora têm entre si
laços que nunca se podem desconectar ou perder de vista, numa trajetória
cada vez mais interdisciplinar. Como um jogo de sombras, a literatura
caracteriza-se, no horizonte da autora, pelas suas “transversalidades,
viagem e paragem”[15].
Também a obra Focais Literárias[16],
de 2012, propõe ao leitor uma perspectiva inter-artes, um olhar
inter-artístico, que constantemente se constrói e se desvela, da
literatura para a imagem e da imagem para a literatura. Como a própria
autora afirma, “Não há escrita nem leitura neutras.”[17]
Na senda de Bataille, que referia que a literatura não era inocente, e por
isso mesmo se devia confessar culpada[18],
a autora volta a munir o seu leitor de instrumentos de orientação[19],
tendo em conta que os processos dinâmicos inerentes à comunicação são
complexos, condicionados por tantas variantes como a cultura, o espaço e o
tempo do leitor. A percepção é indestrinçável das suas condicionantes
sociais e culturais.
A obra apresenta-se tripartida,
entre “Figuras”, “Memórias na Paisagem” e “Sombras de Outras Margens”. As
três partes continuam a ser de escolha autoral, revelando que a perfeição
é uma aposta, uma escolha, uma possibilidade, mas que está em constante
busca, por parte de quem escreve, cujo universo é inundado de referências
literárias e artísticas, obrigando o leitor a um desdobramento a que a
própria obra convida. Nem só de palavras e discursos vive a literatura,
mas também de muitas expressões artísticas que convoca constantemente. A
complexidade implicada nestes processos está num balão de ensaios a que
autora chamou de Focais Literárias.
Modestamente, a autora diz: “Aqui, apenas relativizo com elas as focais
que partilho neste volume”[20].
Mergulhados numa “mudança de
paradigma na conceptualização e na prática do estético”[21],
as vias de leitura são diversas, sem deixar de lado o “inquestionável
poder da imagem”[22].
As “Imagens” são, afinal, a introdução e o mote de abertura da obra,
explorando a relação estética entre pintura, arquitetura e poesia, em
autores como Joaquim Carvalho ou Alice Valente Alves. Também a pintura e a
arquitetura se inscrevem nesse fluxo, cruzando percursos. As Letras, as
Artes e os Mitos são aqui captados pela
objetiva da autora.
A obra constitui-se como
uma sucessão de disparos fotográficos, centrados na
cena comunicativa literária e cultural. Como numa exposição, a
obra coloca à disposição um desfile de textos, autores, problemáticas e
casos, mas cada um é uma viagem pessoal de “conhecimentos, reconhecimentos
e irreconhecimentos”[23].
As “Figuras” em pauta são as que se
cruzaram com a autora, nas suas leituras pessoais e académicas, as quais
não se furta de analisar com o seu toque pessoal e autoral, longe das
análises literárias exaustivas da academia, proporcionando ao leitor um
novo olhar, mas no qual, como referiu Roland Barthes, o texto dá a prova
de que deseja o leitor[24].
A autora convoca esse desejo, inerente aos textos, na sua análise
inter-artes, e dá-o como ponto de partida ao leitor, abrindo as
possibilidades de leitura e interpretação.
As suas figuras escolhidas foram
aquelas que passaram pelas suas mãos, enquanto professora, enquanto
ensaísta, enquanto leitora atenta. Não escapam, à sua análise, o nome de
Eça de Queirós, Gervásio Lobato, Fialho de ou Guerra Junqueiro, bem como
uma discussão atenta ao género literário cronístico, em voga em
Oitocentos, ou aos periódicos da época.
Mas outros olhares estão contidos
nas figuras em pauta, entre eles o olhar contemporâneo sobre Onésimo
Teotónio de Almeida, Luís Machado de Abreu a Vitorino Magalhães Godinho
(falecido em 2011), sendo os dois últimos homenageados em textos da
autora. Há ainda espaço para um olhar sobre obras contemporâneas, como as
de Teolinda Gersão, Gonçalo M. Tavares, António Cândido Franco. Em suma, a
obra apresenta-se como uma coletânea de textos, da crónica à ficção, da
poesia ao teatro, do texto mais modelar ao da confluência de géneros, do
século XIX ao presente, analisando as transformações dos processos e das
estratégias comunicativas em função das circunstâncias históricas,
sociais, estéticas e culturais. Como a própria autora afirmara, em
Cartografias Literárias, as suas obras “formam um
puzzle de perspectivação da
evolução estética da literatura do Romantismo até aos nossos dias, numa
trajetória que tende a reavaliar esse itinerário em função de uma leitura
cada vez mais inter-disciplinar e inter-artes.”[25]
A proposta que se faz ao leitor é a de uma leitura que imprima no seu
imaginário “uma perspectiva interartes,
transversal e abrangente,
compreensiva.”[26]
Diria eu, leitora atenta e regular
da obra desta autora, que toda a sua obra se dirige, como força centrípeta
dos textos, para o interior da sua experiência pessoal, quando na segunda
e terceira parte de Focais
Literárias se aproxima de “Memórias na Paisagem” e de “Sombras de
Outras Margens”, que são, afinal, os seus percursos mais recentes no
Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de
Lisboa, no qual exerceu a função de diretora. Nesses percursos,
encontramos as suas produções académicas, mas mais do que isso, as suas
batalhas pessoais e profissionais, junto de uma equipa multidisciplinar
que não se furta a citar e a elogiar, quando escreve sobre a trajetória do
CLEPUL e a criação da Tertúlia Letras Com(n)Vida. A multidisciplinaridade
e as inúmeras parcerias são o foco desta análise, permeada de um toque
biográfico. Podemos contar com o respeito e o orgulho académico,
profissional e pessoal de uma autora que desde sempre foi professora da
Faculdade de Letras de Lisboa, e cujos ensaios e projetos espelham uma
dedicação sem par no panorama atual das ciências humanas. Os projetos que
aparecem em “Memórias na Paisagem” e em “Sombras de Outras Margens” são,
como as palavras na literatura portuguesa, “uma travessia com pontos
luminosos”[27].
A mais-valia das
obras aqui analisadas é que estas não se apresentam apenas como um
conjunto de ensaios numa perspectiva inter-artística, como numa primeira
leitura poderia parecer. É sim um conjunto de diversos projetos, mapeados
pela autora, unidos por um fio condutor comum, constituindo uma produção
diacrónica e sincrónica de textos. Mais do que isso, estes unem-se por si
mesmos, pela sensibilidade da própria autora, fazendo um arco temporal
entre o passado e o presente, multiplicando as possibilidades de
focar a arte e a vida, a
cultura e alguns dos seus casos, os rostos e as máscaras.
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[1]
Doutoranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina,
Brasil. Investigadora integrada no Centro de Literaturas e Culturas
Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa.
[2]
Annabela Rita, Itinerário,
Lisboa, Roma editora, 2009, 232 pp.
[3]
Annabela Rita, Cartografias
Literárias, Lisboa, Esfera do Caos editores, 2010, 198 pp.
Cartografias Literárias terá uma edição brasileira na coleção
http://www.escrituras.com.br/ponte.htm.
[4]
Ibidem,
p. 23.
[5]
Ibidem,
pp.75-76.
[6]
Ibidem, p. 102.
[7]
Cf. Carlo Guinsburg, Il formaggio e i vermi. Il cosmo di un mugnaio
del '500, 1976.
[8]
Annabela Rita, Cartografias
Literárias, op. cit., p.
139.
[9]
Ibidem,
p. 185.
[10]
Annabela Rita, Paisagem &
Figuras, Lisboa, Esfera do Caos, 2011, 214 pp.
[11]
Ibidem,
p. 14.
[15]
Annabela Rita, Paisagem &
Figuras, Lisboa, Esfera do Caos, 2011, p. 14.
[16]
Annabela Rita, Focais
Literárias, Lisboa, Esfera do Caos, Coleção Luso-Graphias/
Phonias, CLEPUL – Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e
Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2012, 192
pp.
[17]
Ibidem,
p. 14.
[18]
George Bataille, A Literatura e
o Mal, Trad. António Borges Coelho,
Lisboa, Vega editora, 1998, p. 6.
[19]
Annabela Rita, Itinerário,
op. cit., p. 19.
[20]
Annabela Rita, Focais Literárias,
op. cit., p. 12.
[23]
Annabela Rita, Cartografias
Literárias, p. 29.
[24]
Cf. Roland Barthes, O Prazer do
Texto, Lisboa, Edições 70, 1998.
[25]
Annabela Rita, Cartografias
Literárias, op. cit., p.
23.
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Annabela Rita (n. 1958). Doutorada em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela Universidade de Lisboa, em cuja Faculdade de Letras é professora. Integrou a MRPB - Missão para o Relatório sobre o Processo de Bolonha (2003-04) e, actualmente, é Conselheira para a Igualdade de Oportunidades do MCTES. Directora do Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa das Universidades de Lisboa, investigadora do Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira (Universidade Católica Portuguesa) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, coordenadora de um projecto do Centro de Estudos de Culturas Lusófonas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, membro da Direcção da Associação Portuguesa de Tradutores, do P.E.N. Clube Português, da Associação Portuguesa de Críticos Literários, etc., além de integrar os Conselhos Consultivos da Fundação Marquês de Pombal e do Instituto de Cultura Europeia e Atlântica, tem colaboração ensaística dispersa em periódicos e obras colectivas da especialidade em Portugal e no estrangeiro. As suas principais publicações: Eça de Queirós Cronista. Do “Distrito de Évora” (1867) às “Farpas” (1871-72), Lisboa, Cosmos, 1998; No Fundo dos Espelhos. Incursões na Cena Literária (vol. I), Porto, Edições Caixotim, 2003; Labirinto Sensível (em co-autoria com Casimiro de Brito), Lisboa, Roma Editora, 2003; Breves & Longas no País das Maravilhas, Lisboa, Roma Editora, 2004; O Mito do Marquês de Pombal (em co-autoria com José Eduardo Franco), Lisboa, Prefácio, 2004; Emergências Estéticas, Lisboa, Roma Editora, 2005 (a sair); No Fundo dos Espelhos. Em Visita, Porto, Edições Caixotim, 2005 (a sair). Tem a direcção de três colecções literárias: “Obras de Almeida Garrett” (Edições Caixotim), “Faces de Vénus” e “Faces de Penélope” (Roma Editora). |
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