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JOSÉ MANUEL ANES
ENTREVISTADO POR JÚLIO SEQUEIRA (fim)
 
Há «maçons» que consideram que, em pleno séc. XXI, os rituais e os paramentos estão ultrapassados e que, portanto, a Maçonaria deveria ter o funcionamento de qualquer outra associação. Presumo que discordas...
 

O que eu penso, relativamente a essas opiniões, é o seguinte: se esses elementos dizem que os rituais, os paramentos e os símbolos maçónicos estão ultrapassados, porque é que continuam a ir às Lojas e a praticar os rituais, paramentados? Parece-me uma contradição. O mais lógico seria esses elementos não aderirem a uma Obediência iniciática maçónica, ou saírem dela e constituírem ou aderirem a associações (que as há muitas) cívicas ou políticas, não pertencentes ao Universo do símbolo e do ritual - poderão formar também organizações para-maçónicas, muito interessantes e respeitáveis que defendem os valores da Maçonaria. É inevitável que essas declarações surjam em Obediências da chamada Maçonaria "liberal", isto é, "irregular", e não deixa de ser significativo dessa mentalidade que essas Obediências se comportem, por vezes, ao longo da História, como um movimento político ou como uma "tropa de choque", mais ou menos discreta, de um partido político. Ora a Maçonaria regular não é um movimento político, pois tem maçons de todas as correntes políticas democráticas e, por isso, como já disse, não faz declarações políticas mas actua positivamente nas diversas frentes da Sociedade, segundo os nossos valores.

 
Que dizes aos profanos que acham que a Maçonaria não passa de um lobby de interesses obscuros?
 

O único lobby que a Maçonaria regular pode fazer é o lobby pelos nossos valores e pela sua concretização prática: a Liberdade, a Solidariedade, a Fraternidade, a Tolerância. E estes não são "interesses obscuros", são interesses luminosos, para bem da Humanidade. Ainda há pouco recebi uma oferta de um ilustre maçon americano, uma caneta na qual estava gravada a frase "Proud to serve Humanity" (Orgulhoso de servir a Humanidade). É esta a missão da Maçonaria, o serviço à Humanidade. É claro que, em todas as organizações humanas (políticas, sociais, religiosas, etc.), há quase sempre uma pequena percentagem - não representativa dessas organizações! - que não está de acordo com os seus princípios, que dá um mau exemplo e uma má imagem pública e, portanto, nunca deveria ter entrado. Depois, quando são descobertas as suas actividades menos lícitas, esses elementos são suspensos e depois (no caso de os tribunais provarem a sua culpa), serão expulsos.

 

A principal crítica que fazem à Maçonaria é esta não revelar o nome dos seus membros. Que comentário te merece esta acusação?

 

É um direito constitucional dos cidadãos a reserva das suas opções políticas, religiosas, filosóficas ou outras. Era só o que faltava! Se um cidadão fosse obrigado a revelar as suas opções de vida, isso seria uma discriminação. Para além disso, existe no nosso País uma má imagem da Maçonaria, não só devido aos excessos intolerantes da 1ª. República (anticlericalismo, caciquismo, etc.), de alguma maneira da responsabilidade da Maçonaria da altura, o Grande Oriente Lusitano, mas também - é preciso dizê-lo - devido ao "Caso Moderna/ Casa do Sino" que atingiu uma parte da Maçonaria regular e abalou a restante.

Além disso, há discriminações religiosas, incompreensões familiares ou profissionais (devidas, em grande parte, ao facto do público conhecer melhor a Maçonaria "irregular") que fazem com que muitos maçons ainda prefiram manter discreta (se não mesma secreta) a sua condição. Mas eu estou certo de que, com uma maior divulgação do que é a Maçonaria regular - que é cerca de 90% da Maçonaria universal -, a situação será ultrapassada a médio prazo; e que no futuro, tal como acontece em países como os EUA, a Inglaterra, a França, o Brasil, etc., os maçons não tenham problemas em assumir-se como tais.

 
A Maçonaria é, então, uma organização secreta?
 
A Maçonaria é uma organização discreta quanto ao seu funcionamento e à sua estrutura, mas mantém um único segredo que é o que tem a ver com a própria natureza da Iniciação maçónica. De facto, a iniciação é da ordem espiritual, é uma experiência muito íntima que, por vezes, é difícil transmitir por palavras comuns. Trata-se, uma vez mais, não de um segredo tenebroso mas de um segredo luminoso, de uma iluminação do coração, de uma revelação, não religiosa mas iniciática. E, apesar de os rituais já estarem todos publicados, em edições por vezes comerciais, essa experiência só pode ser realizada vivendo-a e não intelectualizando-a através da leitura de um livro.
 

A GLRP assumiu uma atitude de vanguarda, a nível nacional, ao dotar-se de uma revista de divulgação não restrita a maçons, «O Aprendiz», e de um site graficamente atractivo e permanente actualizado onde são divulgadas as iniciativas da Obediência. Existe uma nova política de comunicação da Grande Loja com a sociedade portuguesa?

 

Essa é mais uma prova da abertura da Maçonaria regular, que se verifica, aliás, em todo o mundo. O "Aprendiz" e, sobretudo, a nossa página da Internet (www.gllp.pt) dão uma prova da nossa transparência, relatando as nossas reuniões e actividades, e também as nossas aspirações e preocupações, através das nossas "pranchas" (textos, trabalhos). Existe uma política de abertura, iniciada pelo 1º. GM Fernando Teixeira, desenvolvida e ampliada, quer pelo meu antecessor, Luís Nandin de Carvalho, quer por mim próprio. Temos o privilégio de possuir actualmente uma das melhores páginas web de toda a Maçonaria e essa honra cabe a Portugal e à Maçonaria portuguesa. Nessa política de abertura incluímos artigos e entrevistas publicados em meios de informação (jornais, revistas e TV) - que publicaremos neste livro, mas temos tido sempre a preocupação de dar uma imagem de serenidade e seriedade que não se compadece com manobras propagandísticas inadequadas à nossa Instituição.

 
A GLRP reconhece outras Obediências maçónicas portuguesas? E estrangeiras?
 

A GLRP-L não reconhece mais nenhuma Obediência maçónica portuguesa, pois as regras da regularidade a isso nos obrigam: só podemos ter relações oficiais com Obediências regulares. Por outro lado, só pode haver uma Obediência regular por cada país, a menos que a mais antiga regular autorize o reconhecimento da mais recente na regularidade (mesmo que seja a mais antiga historicamente e, por exemplo, tenha perdido a regularidade entretanto e queira readquiri-la). Porém, apesar de não reconhecermos outra Obediência em Portugal, mantemos relações cordiais e francas com os maçons e maçonas de outras Obediências portuguesas (Grande Oriente Lusitano, Direito Humano e Grande Loja Feminina, last but not least). Quanto aos maçons do campo da regularidade envolvidos na dissidência de finais de 1996 (saídos, nessa altura, da GLRP e seguindo o GM eleito, Luis Nandin de Carvalho), apesar das fricções criadas com a maioria dos maçons regulares que constituem hoje a GLRP(L), temos de, friamente, considerar que a sua origem é regular, o seu funcionamento parece ser regular mas houve uma má avaliação da situação maçónica que os conduziu a uma situação de não regularidade, em virtude da qual deixaram de ser reconhecidos pela Maçonaria regular universal. Temos, no entanto, concepções idênticas quanto à natureza e papel da Maçonaria, pelo que me custa muito a separação, apesar de não esquecer os comportamentos incorrectos (do ponto de vista maçónico, já que, do ponto de vista profano, só uma pequena minoria caiu sob a alçada da Justiça).

Espero sinceramente que, no futuro, ultrapassadas e saradas as "feridas" deixadas pela crise de 1996/1997, nos voltemos a encontrar (talvez não todos, não sei) numa GLRP que pode ser, em breve, a maior Obediência maçónica portuguesa - mesmo no caso de não se verificar essa recepção (segundo as regras aprovadas) dos dissidentes de 96/97.

 
Quantos Ritos existem na GLRP? O que é um sistema de Altos Graus? A Grande Loja tem protocolos específicos com outras Ordens maçónicas?
 

A Maçonaria regular é constituída pela Grande Loja (ou Grande Oriente, veja-se o caso dos Grandes Orientes do Brasil, de Itália e dos Países Baixos, com os quais temos as mais fraternais relações e mútuo reconhecimento oficial) e pelos Altos Graus e Ordens Maçónicas. A Grande Loja administra os 3 primeiros graus - Aprendiz, Companheiro e Mestre - nos diversos Ritos, em Portugal.

Na GLRP (que foi criada pela Grande Loja Nacional Francesa, de criação inglesa), temos: o Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA), o Rito Escocês Rectificado (RER), o Rito de Emulação (RE) e o Rito de York (RY) (já tivemos também o Rito Francês).

Em Portugal, a Grande Loja Regular - Legal reconhece (pois foram criados com o seu consentimento) os seguintes Corpos Rituais, exclusivamente constituídos por maçons regulares reconhecidos:

- O Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceite, criado em 1993 pela Jurisdição Sul dos EUA (que é a Jurisdição "mãe" de todos os Supremos Conselhos regulares do mundo, por ser a primeira de toda a História, criada em 1802, em Charlestone); foi consagrado em Portugal, em 1994.

- O Grande Priorado Independente da Lusitânia da Ordem dos CBCS (Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa) do Rito Escocês Rectificado - maçonaria cristã; as Lojas de Santo André foram criadas em 1993, pelo Grande Priorado Independente da Helvécia, e o GPIL consagrado em 1995.

- O Rito de York de Portugal, criado a partir de 1994, que tem diversas estruturas: o Supremo Grande Capítulo do Arco Real (criado pelo Arco Real Internacional, norte-americano), os Graus Crípticos e as Comendas Templárias (criadas pelo "Grand Encampment of the Knights Templar of the USA").

Temos ainda outros corpos rituais:

- Um Oásis dos "Shrine" (criado pelos EUA);

- A Ordem (inglesa) da Cruz Vermelha de Constantino (criada pela França);

- A Sociedade Rosacruciana in Lusitania (criada pela Societas Rosicruciana in Civitatibus Foedaratis (EUA);

- A Ordem do Monitor Secreto (criada pela "Order of the Secret Monitor", inglesa).

Todos estes Altos Graus e Ordens têm, como único objectivo, aprofundar a iniciação maçónica, numa dimensão esotérica, filosófica e espiritual. Mas deve dizer-se, em boa verdade, que os 3 primeiros graus da Maçonaria (talvez incluindo os graus de aperfeiçoamento de Mestre, a saber, Arco Real, Mestre Escocês de Santo André e as Lojas de Perfeição) contêm, em potência, tudo o que a iniciação maçónica pode dar. Tudo depende do trabalho e do esforço interior do maçon.

   

 

 

 

 

 

 

In:
JOSÉ MANUEL ANES
(Grão-Mestre da Grande Loja Legal
de Portugal / GLRP)

Maçonaria Regular
Maçonaria Universal

Hugin Editores, Lisboa, 2003, 184 pp. il..
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