Uma instituição estruturada e organizada reflecte sempre uma tomada de posição fundadora face a um conjunto de princípios e de valores.
De tal forma que o processo da sua existência histórica reveste-se de uma continuada actualização memorial. A qual actua por todos os meios de intervenção e de transmissão, podendo, por isso, ser sempre remissíveis ao discurso inaugurante que lhe determinou a origem.
Importa ter presente como a configuração missionária da Companhia de Jesus retirou das Constituições, dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola e demais provisões estatutárias, a primeira razão de ser.
Como sequência, noviciados e colégios veiculavam ideias e exigências disciplinadas por esse discurso, disseminando uma forma de pensar-agir em diversos pontos da sociedade europeia, ao mesmo tempo que aumentavam o corpus discursivo tendendo para uma pletora gnoseológica e epistemológica consistente.
A mesma mundividência irá intervir na estratégia espalhada pelas colónias.
Assim sendo, o sistema mostrava-se capaz de estabelecer uma rede, com o seu desmultiplicar sucessivo, ao longo do planeta. Assim sendo, o Velho e os Novos Mundos aproximaram-se, mediante elos evidentes entre a universidade (manuais, apostilhas) e a catequética (gramáticas, catecismos, músicas).
Como se interceptaram os canais entre as casas jesuítas e as sociedades envolventes, com destaque para os poderes instituídos, através de esquemas preparados, e muito trabalhados, de tipo adaptativo e com fins intencionalmente interventivos.
Esta genealogia conceptual esteve obviamente inserida num horizonte cultural mais amplo e numa configuração epistemológica mais abrangente.
Por isso, a pesquisa contará ainda com o contributo de estudos centrados numa outra genealogia paralela e determinante - a História Natural, os naturalistas, as viagens filosóficas e o naturalismo - incluindo a reapropriação, a reconstrução e a reavaliação desse passado, empreendida ao longo do século XIX.
Realidades que beneficiaram também muito do contacto com o Novo Mundo.
Na verdade e na medida mesma em que a nova escala espacial - relevos espessos, florestas desmesuradas e rios a perder de vista - deslumbrava o colono e o viajante, as remessas enviadas para o Velho Mundo excediam o imaginário europeu plausível.
Ninguém nunca teria sonhado um tal éden ou eldorado, porquanto só então os Três Reinos se dilatavam em conteúdos e em formas.
Não só um encontro entre a organização inerente aos seres e a lógica das nomenclaturas, dos sistemas e das taxonomias biológicas. Como um questionamento racional e metódico tendente a superar o criacionismo fideísta. Também.
O qual vai transformar a forma de perceber, de compreender e de inteligir o mundo envolvente, a ponto de tender cada vez mais para um mundo prescindindo do Criador, dado que relega Deus para uma entidade menos participativa e mais Providência.
Na verdade, a ciência moderna passa a constituir-se, progressivamente, como um discurso sobre a natureza, onde o espaço e o tempo dos seres vai prescindir da explicação por via da Criação, realidade interpretativa fundamental ao modelo teocêntrico de outrora.
Viriam igualmente a originar paralela e posteriormente aparatos teóricos - do lamarckismo ao darwinismo - apetrechados por espacialidades transformadas em instituições científicas - dos jardins botânicos aos museus de história natural -.
O evolucionismo transforma a classificação taxonómica, ou busca responder a outros questionamentos?
Acontecimentos com ilimitados efeitos nos modos como o conhecimento científico se foi criando e foi escrevendo a sua narrativa para estudar os animais, as plantas e os minerais, usando hipóteses de trabalho e métodos de pesquisa que superaram o olhar e o ver, através de uma postura diferente - o observar -.
Infra-estruturas de que resultaram encontros efectivos entre o trabalho de campo e o trabalho de gabinete.
Com efeito, a descoberta da natureza inclui tarefas sucessivas a requererá a definição de semelhanças e de diferenças, servidas por viagens, reservas e espaços museográficos.
Acrescente-se que este dinamismo teria sido impossível sem a interferência permanente do mundo colonial e da ideologia colonialista. Prova acrescida de quanto o conceito de natureza ficou ligado a um saber-poder decorrente da mundialização de matérias-primas, de recursos e de inovações, submetidas a recortes económicos e políticos, sociais e científicos.
Por isso ao incluir esta segunda perspectiva, o projecto tenderá a visar intuitos conclusivos, capazes de aflorar as integrações e os desajustes entre a genealogia jesuítica e a genealogia histórico-natural, a propósito do conceito de natureza.
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