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Ana Luísa Janeira |
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A
energética teilhardiana
- Missão evolucionista por terras cristãs |
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SIMPÓSIO INTERNACIONAL ECOS DE DARWIN
. UNISINOS, 9-12
Setembro 2009. PROJECTOS TRANSOCEÂNICOS. memória, ciências
e literatura |
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Falando do interior da Filosofia, a
configuração que tornou possível a obra de Pierre Teilhard de Chardin
caracterizou-se por termos e relações prefigurados entre dois pares de
conceitos:
o par energia-entropia
e o par fixismo-evolucionismo.
Com efeito, a partir da segunda metade do
século XIX, o mundo científico deparou-se com duas novidades maiores:
a descoberta da primeira e da segunda lei
da Termodinâmica (Física)
e a definição da variabilidade das
espécies (Biologia)
Estas duas novidades fundadoras geraram um
contexto técnico e sócio-cultural preciso:
as grandes exposições universais e
internacionais de Londres a Paris
as redes transmissores da TSF, como as
comunicações de trens e a abertura de canais
a figura emblemática do engenheiro que o
visionário Jules Verne consagrou.
Como deram também origem a debates e
controvérsias empolgadas dentro da comunidade científica, com muitas
vertentes e enfoques. Geraram, igualmente, a par dessa forma de estar do
mundo, uma visão do mundo, uma weltanschaung, a que se deu o nome de
Energética.
Na verdade, no final do século XIX e
prolongando-se para o século XX, a energia era um conceito generalizado
e generalizável que visava a compreensão da realidade (exterior e
interior), em termos de energia acumulada e de energia perdida, pelo que
a ideia de um sistema fechado criando um aumento continuado de calor,
desenvolveu preocupações e receios que mobilizaram:
a Filosofia (dos românticos alemães a
Bergson)
e a História (de Engels a Huxley).
A Teologia, essa, abrigou concepções onde
Deus aparecia como um ser neguentrópico, ou seja, uma Providência que
actuava constantemente, para que a Criação contrariasse a tendência para
o caos. Dito, com outras palavras, Deus acumularia em si a capacidade de
ser Criador – quem faz o relógio – com a capacidade de providenciar a
informação – quem mantém o relógio a trabalhar, porque lhe está sempre a
dar corda.
O par fixismo-evolucionismo gerou, por sua
vez, debates muito sérios, razão por que o pensamento dominante
ontinuava a pensar que a História da Terra era muitíssimo mais recente
do que Charles Lyell defendera. De facto, a dimensão temporal
continuava a ser pensada sub species aeternitas, isto é, continuava a
vigorar uma ideologia que recusava as consequências do darwinismo,
nomeadamente no mundo europeu bem-pensante. De certo modo, prosseguiam
as certezas inabaladas que a continuidade bíblica apontava,
principalmente nas áreas de influência católica.
De um ponto de vista ontológico, o
conceito fundador da Companhia de Jesus identifica-se com o conceito de
missão.
De um ponto de vista epistemológico o
conceito mobilizador do conhecimento na Companhia de Jesus, reside na
relação sujeito-objecto, mediada pelo espírito (daí os exercícios
espirituais), servido pela razão e pelo intelecto.
De um ponto de vista ético, o conceito
gerador da teoria de acção levada a cabo pela Companhia de Jesus decorre
de um compromisso entre o mesmo e o outro, dinamizado pela vontade e
finalizado pela “maior glória de Deus”.
Doutor em Paleontologia pelo Institut
Catholique de Paris, Pierre Teilhard de Chardin, nascido em 1881, emerge
numa comunidade científica, dividida entre o fixismo e o evolucionismo.
Noviço jesuíta, a partir dos 18 anos,
Pierre Teilhard de Chardin configura-se numa elite católica dilacerada
pela crise modernista.
Assim sendo – sem nunca ter conseguido o
Nihil obstat para a obra e sofrendo o martírio de um exílio de mais de
15 anos na China de Mao Tse Tung –, Teilhard de Chardin percebe que a
sua missão só pode ser, na sua qualidade de paleontógo e de jesuita,
assumir, até às últimas consequências, a tradição jesuítica de missão,
no caso difundir as ideias evolutivas junto da igreja católica.
Passe-se agora à discursividade desta
sequência de argumentos num contexto privilegiado como o é a
Universidade do Vale do Rio Sinos, quase vizinha de uma área tão
privilegiada das missões jesuíticas junto dos Guarani, os celebrados 7
Povos. |
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Missão |
De um ponto de vista filosófico, a
essência ontológica e institucional da Companhia de Jesus, fundada
oficialmente pela bula Regimini militanti Ecclesiae (1540), nasce e
desagua no universo definido pelo conceito de missão.
Ao consignar este fundamento, o discurso
fundador mais não faz do que transferir para a instituição uma pedra
angular da própria vida do fundador, pois “a vida de Inácio de Loyola, o
fundador da Companhia de Jesus, foi também uma “missão contínua”. Mas
foi-o por uma decisão maduramente reflectida, cujas etapas foram
reproduzidas no guia da vida interior e da conversão perfeita que são os
"Exercícios Espirituais". (...) Fazer missão é cumprir a vontade
expressa de Cristo, o qual, na sua última aparição aos apóstolos na
Galileia, lhes manifestou mais uma vez a vontade: “Ide! Fazei discípulos
de todas as nações.” (Mat., XXVIII, 19). Para uma companhia que ia levar
o nome de Jesus não poderia haver actividade mais santa que o
cumprimento da ordem derradeira dada por Cristo" (1).
Na verdade, a configuração da
Contra-Refoma propicia-lhe um enraizamento voltado para a defesa
intransigente da doutrina, ao mesmo tempo que obtém, a partir dela, um
surto incomparável de vocações. Com ramificações amplas e expandidas, do
surto resulta uma mobilização consentânea aos desígnios da
evangelização, alargados a um mundo que acaba de se mostrar
geograficamente maior e antropologicamente bem mais complexo.
Na verdade, as recentes descobertas de
ibéricos, como o Caminho Marítimo para a Índia (1498) ou a esfericidade
da Terra (1519), propiciam-lhe uma circunstância mundial a requerer e a
oferecer os principais fundamentos para uma plêiade imensa de jovens
europeus, aliciados por projectos apostados num planeta a ser
cristianizado, do Ocidente ao Oriente.
Por outras palavras, o plano de exploração
– das especiarias aos corantes e ao ouro – faz-se acompanhar de surtos
missionários – procura de poder à mistura com procura de mais prosélitos
–, cabendo-lhes trabalhos, sacrifícios e sucessos, num panorama de
realidades materiais muito diversas, como num leque de situações
espirituais, igualmente distintas.
Por sua origem no étimo latino missio, a
palavra engloba tanto a competência de enviar e a capacidade de ser
enviado, quanto constitui o âmago que conjuga, entre si, a razão
primeira e o sentido profundo de dispor da liberdade, própria ou de
outrem, para intervir na alteridade – entre outras terras e outras
gentes, como também entre outras mentalidades e outras atitudes –,
ensinando-lhes outras perspectivas de vida.
Em consequência, sós ou acompanhados, mas
sempre numa posição de destaque, os jesuítas actuam entre guaranis,
chiquitos, mojos, povos orientais onde vigoram o Padroado Português do
Oriente, criado pela Bula Inter cetera (1456) e com sede em Macau, e as
Missions Etrangères de Paris (1658), instituídas por iniciativa do
jesuíta Alexandre de Rhodes (1591-1660)
como também a Propaganda Fide (1622), nascida para evangelizar, como
para contrariar abusos das potências coloniais, e que acaba por se
espalhar um pouco por todo o lado.
Ao longo dos séculos, a missio ad gentes
comporta, pois, um número imenso de evangelizadores que interactuam em
vertentes diversificadas das estruturas sociais, rodeando os aspectos
puramente religiosos de muitos outros aspectos culturais, pelo que este
tipo de aculturação constitui, em muitos casos, o factor primeiro de
processos de integração para os respectivos povos.
Por isso, não surpreende que o conceito
tenha mudado nos conteúdos. De facto, entendido por muito tempo como
salvação, ocidentalização, expansão da igreja, adquire durante o século
XX um significado voltado para uma maior inerência à expressão “missão
de Deus”, com tónica na Santíssima Trindade.
Doutorado em Paleontologia pelo
Institut Catholique de Paris (1922), Pierre Teilhard de Chardin
(1881-1955) percebe que esse espírito é uma potencialidade
suficientemente rica para pressupor reactualizações indetermináveis.
A ponto de, no seu caso, dever equivaler ao empenho de questionar a
tradição criacionista, na defesa de uma adesão firme às teses
evolutivas; como significar oposição a qualquer mecanicismo gerado
por forças deterministas sem mais, em beneficio de uma Energética
dinâmica e prospectiva.
O contexto apresenta uma
intencionalidade dupla: o desejo de obrigar a Igreja católica a
acolher a modernidade, por parte de quem assim o deseja, a
incapacidade de aceitar a actualização do paradigma tradicional, por
parte de quem a combate. As trincheiras cerram argumentos e emoções,
o confronto é superlativo, muitos são arrasados, de dominicanos a
jesuítas e carmelitas, com destaque para Albert Lagrange (1855-1938)
e Alfred Loisy (1857-1940), excomungado
Vitandus
(os católicos estavam proibidos de o cumprimentar).
Percepção esta a emergir, de facto e
muito adequadamente, no rescaldo de um eclipse violento, apesar da
retoma equivaler a um prolongamento donde vieram a sair vectores
avançados para anos posteriores, na guerra e pós guerra, como
acontece com a Nouvelle Théologie de Yves Congar, Henry de Lubac e
L. Bouillard, etc., duramente atingida pela condenação de Pio XII,
na Humani generis (1950).
Paralelamente, a conjuntura prolonga a
genealogia de preocupações ocorridas desde a segunda metade do
século XIX, com especial relevo para os avanços termodinâmicos e a
definição do primeiro e segundo princípio. Na verdade, a energia
começa a aparecer com a virtualidade ímpar de permitir uma visão do
mundo e uma leitura da realidade sem paralelo. A tal ponto que
cientistas e filósofos incorporam-na como um chave, a que o futuro
não parece indiferente.
Em termos energéticos, a novidade
equivale à defesa da coexistência constante de uma “energia
tangencial”, física, com uma “energia radial”, ultrafísica, pelo que
é impossível imaginar qualquer matéria sem espírito; como ainda à
desproporcionalidade constante entre elas, ou seja, para uma
tangencial máxima, uma radial mínima, o que, no âmago da evolução,
aponta para finais dos tempos dominados pela “noosfera”.
Na verdade, a concepção geral assume a
visão, a intuição e a síntese como os antecedentes primeiros e os
efeitos maiores desta inteligibilidade: intuição significa ser ela a
via por excelência do conhecimento, formatada por um meio de
actuação na sintonia directa entre o sujeito e os objectos, sem
intermediários mediadores; síntese significa ser legítimo e
desejável que acompanhe permanentemente o trabalho científico,
outorgando-lhe exigências que superam as deficiências e limites da
análise sem mais; visão significa uma atitude predominantemente
fenomenológica, apostada numa atenção especial sobre os fenómenos, o
que, no caso do “fenómeno humano” indica a capacidade de incidir
sobre a sua raiz filogenética com antecedentes nos demais seres
vivos, como também um enfoque apostado em delinear o seu processo
social tendendo para um remate maior em Ómega.
Como consequência, a Energética
apresenta-se como uma grelha epistemológica que retira fundamentos
de uma escolha baseada num campo de possibilidades onde encontra,
obviamente, os seus principais pontos polémicos, os quais são
relevados, quer na espiritualização da matéria, contra a qual os
espiritualistas reagem, quer na projecção de um Deus, no princípio e
fim da evolução, face ao qual os materialistas reclamam. Assim
sendo, fica situado sagazmente não só o conteúdo – teoria
evolucionista – onde deve ancorar a “boa nova”, como localizado o
campo pessoal, para onde quer fazer incidir a missão – o mundo
cristão e católico –.
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Pragmática educativa |
A ilação
primeira da configuração inaciana encontra na pragmática educativa um
processo motivador para qualquer atitude favorável ao desenvolvimento
das potencialidades humanas, nomeadamente as que retiram da razão um
catalizador suficientemente eficaz, em termos de uma gnoseologia e de
uma ética.
Como o
conhecimento corresponde a um elemento-chave nesta visão do mundo, é
fundamental dominar a actualidade mais avançada, a fim de a integrar ou
combater, mas nunca como uma marginalidade defensiva a ignorar ou
subestimar o conteúdo inovador, muito especialmente quando se trata de
favorecer a emergência, como a persistência, de elites.
Assim sendo, a
instrução adquire o estatuto de primeira linha, quer como estudo
incessante, a realizar num quadro de latitude e eficiência, quer como
desenvolvimento pessoal enriquecido pela leitura de clássicos ou pela
reflexão alimentada pelo contacto directo com exemplos intemporais de
sabedoria. Por isso, é respeitado e cultivado o lado informativo da
vida, ao mesmo tempo que é fortalecida a vontade de aprender em extensão
e dentro de limites definidos como admissíveis, previamente.
Por causa da
existência de uma relação íntima entre o saber e o poder, é notória a
preocupação em servi-los com uma articulada integração provinda de um e
de outro, por forma a gerar uma preparação continuada para o combate de
ideias, assim como a defesa fundamentada do contraponto considerado
adequado. Aspecto frequentemente apetrechado por uma diplomacia
habilitada e exercitada para aproveitar fragilidades nas demais
soberanias, em litígio.
Neste sentido,
o alimento da intelectualidade será um alvo privilegiado para dotar as
consciências de argumentos eficientes, com vista ao fortalecimento de
cada um, quando confrontado com hipóteses várias, como de aturados
desafios, decorrentes de progressivas lutas ideológicas.
No
pensamento teilhardiano, este ângulo exprime actividades
persistentes orientadas para um catolicismo com maior cultura
científica, como para uma comunidade científica mais atenta aos
ensinamentos religiosos. Logo, uma fé enriquecida pelos contributos
científicos, como ciências mais receptivas aos conteúdos veiculados
pela crença. Assim sendo, qualquer situação de comunicação pela
palavra é usada como veículo para uma evangelização favorável ao
modelo evolutivo. É por isso que, muito embora impedido de falar por
várias vezes, exilado na China por uns vinte anos, não conseguindo
nunca o nihil obstat para o Phénomène Humain (1938-1940), aproveita
toda a oportunidade para transmitir a mensagem.
Consciente
da importância de conciliar e de adaptar o surto inovador, mister de
uma pedagogia destinada a ser também ela evolutiva, procura um
estilo que adapte a oralidade e a escrita às exigências de uma
transmissão rigorosa, sem perder em qualidade comunicativa. Como
consequência, emprega frequentemente a sugestão ligada à expressão
metafórica, quando, favorece meios de insinuar mais do que afirmar,
quando aproxima a imaginação para preencher vazios explicativos ou
quando induz o interlocutor a exercitar caminhos desconhecidos.
As
metáforas adquirem, pois, um estatuto de muita importância, enquanto
meios privilegiados para captar e para abrir a inteligibilidade de
difícil apreensão, quer porque a realidade é mais complexa no
contexto do mundo científico, quer porque o pensar recusa paragens,
quando de sínteses se trata. E por isso não pode ser detido no
direito de inquirir “todo o fenómeno”. Figuras de estilo que podem
contribuir para certo distanciamento da ciência convencional, a qual
reage com sensações de mal-estar perante abusos de linguagem
considerados menos objectivos.
Paralelamente, a escuta ou a leitura – da homilia durante a
cerimónia de um casamento e de um funeral, às cartas enviadas,
segundo uma fidelidade sequencial, dos e para os quatro cantos do
mundo – fica favorecida por esta vivência muitifacetada, pois
trata-se de um investigador que conjuga as tarefas de gabinete com
permanências no campo, fazendo-o no reboliço de Paris ou de Pequim,
como em paragens ignotas, entre desertos insondáveis ou altitudes
quase intransponíveis. Daí, naturalmente, a circunstância única por
onde transcorre La Messe sur le Monde, escrita no Deserto Ordos
(1923).
É ainda
neste âmbito que se lhe deparam saídas para aumentar a
comunicabilidade, através do recurso constante a neologismos. Na
verdade, assim como outros companheiros históricos inventaram meios
ardilosos – catequética anchietana com a gramática tupi e o teatro,
língua comum vietnamita com caracteres latinos mais simples e mais
facilmente aprendidos que os chineses – a criação de novos termos
decorre da inovação. Como serve fins precisos: a carência de um
termo adequado aponta para uma descontinuidade, pelo que a ideia
nova exige uma nova palavra para introduzir o surto.
Particularidade que funciona com ambiguidades, porquanto, na medida
mesma em que lhe foram retiradas condições alargadas para um debate
amplo e mantido em permanência, esta concepção não pode beneficiar
de contraposições e de contrapostos abertos, sem anátemas dogmáticos
da cúria romana, cepticismos académicos e sussurros de sacristias.
Teria sido
frutuoso, por exemplo, que a crítica ao uso menos apropriado do
substantivo-adjectivo tangencial e radial, como à designação da “lei
da complexidade-consciência” ocorresse no âmbito de uma discussão
com várias entradas, científicas e religiosa, de molde a que o
processo do pensar as incorporasse com proveito no discurso.
Acrescente-se que já depois da morte (1955) também o Monitum Proprio
(1962) não favorece em nada a mudança, que só vem a ser conseguida
no Concílio Vaticano II
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Perspectiva ecuménica |
Paralelamente,
e porque o planeta encontra na modernidade o desejo de territorialização
efectiva, a qual acompanha os limites de uma esfericidade percorrida em
qualquer dos quadrantes depois das descobertas marítimas ibéricas, a
perspectiva ecuménica da Companhia de Jesus retoma este modo para
definir os horizontes últimos que confinam a intervenção.
Como
consequência, são estudados e definidos alvos privilegiados de actuação,
munidos de uma habilidade ímpar para intervir com sucessivas entradas e
sucessivas permanências, cada vez para mais para dentro dos cinco
continentes, numa operacionalidade estratégica que retira da vanguarda
religiosa uma força penetrante, mantida historicamente por muito
esforço, heroicidade, martírio, até.
Estratégia que
é servida por tácticas precisas de intervenção, adaptadas às estruturas
e conjunturas locais, onde o aspecto antropológico se alia ao
etnológico, cultural e linguístico, em busca de uma dominância,
conseguida na interface entre a imposição e o respeito de princípios.
Pelo que os elementos em jogo ficam a depender da definição de agentes
previamente preparados e mandatados por um centro, o romano, que tudo
coordena, com assento numa escrita disciplinadora que centraliza cartas,
relatos e livros descritivos.
Na verdade, o
arquivo mundial mantém uma predisposição para a memória actuante,
servida por relações internacionais sempre actualizadas, comportamentos
predispostos para metodologias que reúnem pressupostos favoráveis à
descrição, como ainda uma epistolografia activa a unir redes sociais
marcantes enquanto faz agir espíritos disciplinados para beneficiar de
trocas de ideias entre diferentes interlocutores.
O objectivo
ecuménico surte contactos directos com a realidade humana, una e
diversa, cadinho muito especial para atingir um suporte psicológico, a
que a aplicação dos Exercícios Espirituais vai dando a potencialidade
maior, ao mesmo tempo que recebe conteúdos novos, ou seja, a formatação
original do texto vai absorvendo modos de fazer enriquecidos pela
experiência planetária da comunidade.
Incidências que são particularmente visíveis em L'Energie Humaine
(1962), textos elaborados entre 1931 e 1939, em L’Energie Humaine (1969)
e em L'Activation de l'Energie (1963), escritos de 1939 a 1955. Os quais
constituem os pilares principais de um processo fundador.
O conjunto
beneficia, sobremaneira, de ser escrito por um autor cuja existência
está desdobrada pelo mundo, pois sempre está a experimentá-lo, quando
faz parte do Yellow Cruise – expedição científica patrocinada pela
Citröen, de Beirute a Pequim pelo Deserto Gobi e o Rio Amarelo, ocorrida
entre Outubro de 1913 e Fevereiro de 1932 –, quanto está a olhar o
Cíclotron de Berkeley (1953), a atravessar os Estados Unidos da América
– Chicago, Montanhas Rochosas, Califórnia, Montana (1952) –, ou a morrer
na Park Avenue, a ladear o Central Park, em Nova Yorque (1955).
Pressupostos
que lhe permitem assumir a Noosfera, identificada a uma consistência
provada a todo o momento. De facto, sendo a Energética uma das vertentes
maiores da reflexão, ela incorpora a complexidade evolutiva entre a
Cosmosfera, a Biosfera e a Noosfera, numa discursividade que releva a
importância do grupo zoológico humano (“Le Groupe zoologique humain” ou
la place de l’homme dans la nature, - structure et perspectives (1956),
escrito em 1949) entendido como ponta avançada da cadeia evolutiva. A
qual está dotada da responsabilidade de corresponder à forma esférica do
planeta – condição e efeito material – acrescentando-lhe uma
sociabilidade global – condição e efeito espiritual – a tender para uma
planetização efectiva. Por conseguinte, a humanidade é o garante de uma
evolução inacabada, razão primeira do optimismo larvar que preenche os
argumentos.
Na verdade, a
competência para o saber ao quadrado, saber que sabe, dota-o de um
direito-dever único a que corresponde obviamente um lugar especial. Por
outras palavras, a posição humana equivale a uma posição charneira,
entre o culminar do processo evolutivo, da cosmogénese até ele, e o
início de uma maior actualização para o lema: “tudo o que sobe,
converge”. A elipse ascendente, que tão bem simboliza a marcha de Alfa a
Ómega, recebe, pois, um impulso catalizador para os tempos modernos,
quando a antiga técnica, enriquecida pela mais recente tecnologia,
apoiará a libertação, pois cada um poderá aumentar a sua potencialidade
actuante.
Construída com
infra-estruturas ao serviço do espírito, esta Energética comporta, por
isso, uma teoria da acção extremada pela responsabilidade social e
comunitária. Premência que alicerça a razão primeira porque a noogénese
não pára e está sempre a receber contributos do conhecer e do agir, das
manifestações mais simples às mais elaboradas, sendo delas que há a
esperar a concentração prospectiva de ideias e ideais, fomentadores da
energia superior por excelência, o amor.
Ao inverter
todos os raciocínios que não ousam prolongar a síntese por semelhantes
paragens e nunca inscrevem a interdisciplinaridade como uma medida
válida para novos adquiridos, o autor do L'Avenir de l'Homme (1959)
projecta um futuro destinado a confluências sucessivas e neguentrópicas.
As quais são
cada vez mais apoiadas por encontros e diálogos, em favor de povos
accionados por intenções pacíficas e de uma humanidade manifestadora de
virtualidades actuantes, entre a via ocidental e a via oriental, ou seja
entre “la route de l’ouest” e “la route de l’est” de Le Christianisme
dans le monde (1933). Achega que a vivência da sociedade chinesa lhe
permite localizar na sua identidade intrínseca, em simultaneidade, com a
defesa da necessidade de sociedades, tradições e comportamentos que
mostrem qualidades para se juntarem harmoniosamente ao Hymne de l’Univers
(1961, trabalhos elaborados de 1916 a 1955). |
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Ciências modernas |
De um ponto de
vista epistemológico, a Companhia de Jesus define-se por uma notória
curiosidade, e, sempre que isso lhe convém, uma não menor utilização das
ciências modernas.
De facto, como
elas assumem um lugar relevante na tradição que nos permite pensar, esta
pedagogia tê-las-á em conta, sempre que necessitar de as fazer intervir
em prol da defesa de uma teoria ou da justificação de uma tese,
nomeadamente em casos que julgar favoráveis à subsistência de elites
esclarecidas, no contexto de um cristianismo intelectualizado.
Sendo aqui que
os jesuítas adquirem um estatuto ímpar, quando definem e apontam um
horizonte cognitivo e os limites inerentes, pois incorporam a função de
ponta avançada de uma fé a necessitar de apoios racionais, mesmo que
isso equivalha a querelas filosóficas difíceis de sustentar ou de
controvérsias teológicas marcadamente intermináveis. A ponto de
estabelecer a utilidade de um treino interno, a que as sabatinas não são
estranhas, nem indiferentes.
Neste sentido,
a “maior glória de Deus” incorpora entranhas multifacetadas do sistema
escolar, dos noviciados aos colégios e às universidades, onde, a Ratio
Studiorum retoma a genealogia escolástica e abre, muitas vezes, a porta
para uma insatisfação, mediante técnicas didácticas subtis. No contexto,
a vontade fica junta ao intelecto, para constituir um arcabouço
interrogativo favorável à apetência para o estudo.
Adiante-se,
aliás, que os primeiros séculos de extensão global favoreceram choques
civilizacionais que serviram, não só para uma abertura a realidades
desconhecidas e totalmente inimagináveis, como para um impacto
indiscutível em áreas do conhecimento resultantes de novas relações
intercontinentais.
Contudo, seja
relevado que o processo é mais complexo, porquanto há um permanente
crivo filosófico-teológico que subjaz como garante para a recta intenção
da abertura. O qual, apesar de não ficar indiferente à cultura
envolvente, intervém, quanto mais não seja para determinar até que ponto
a pode avalizar. Isso acontecendo com a inovação científica, como com os
contributos técnico/tecnológicos, mais recentes.
Na verdade, a
comunidade em causa constitui-se dentro de parâmetros muito precisos e
comporta-se face à descontinuidade e à mudança de um modo especial. Por
outras palavras, aposta na virtualidade positiva de um horizonte –
horizonte onde, a cada momento e em última instância, se (re)formula o
permitido e o proibido – pelo que urge balizar os limites exigidos por
votos comuns às demais ordens religiosas, acrescidos, no caso, de um
voto de obediência directa ao Papa.
Daí que a
formação comporte exercícios para a aquisição de uma genealogia
institucional servida por um pesado legado de dependências, de molde a
que o jogo de direitos e de deveres faculte um sentido de pertença, apto
a testes de provação, saídos muito especialmente de tarefas e trabalhos,
preparados durante o noviciado, mas que o futuro se encarrega de
prolongar no tempo, por si e constantemente.
Tal é o
horizonte onde Teilhard de Chardin define um programa de
investigação científica, dentro do campo estipulado marcadamente
pela Paleontologia, Geologia e Pré-História, dada a formação de
base, sem nunca se coibir de o complementar em incursões e
incidências pelo interior das ciências físicas, humanas ou sociais,
com assento em aprofundamentos e vivências posteriores. Aliás, é
notória a habilidade manifesta em prol de uma flexibilidade singular
na forma de conceber o seu método de trabalho, o qual transcorre de
uma lógica movida por um zelo persistente em favor das sínteses.
Síntese
evolutiva que está permanentemente a apoiar a aproximação entre o
nível físico e o ultrafísico, e que discorre assim: existem duas
ordens, a ordem da “diacronia” e a ordem da “hipercronia”, sendo só
a partir delas que o processo adquire a compreensão máxima. As quais
são absorvidas pela Energética, quando esta estipula uma energia
radial necessitando do desenvolvimento prévio da energia tangencial,
na ordem do tempo (histórica), mas corrobora também a supremacia da
energia espiritual face à energia material, na ordem da essência
(ontológica).
Dando-se o direito de movimentos que vão das Ciências da Terra à
Biologia e da Filosofia à Teologia, com descrições raiando entre o
discurso científico e a expressão poética, a Energética representa
um investimento persistente para evangelizar através de um conceito
alargado de energia, segundo um esforço continuado.
Esforço
dirigido para colocar os adquiridos científicos modernos e a
tradição de uma enteléquia, dunamis e energeia, ao serviço da
revitalização de uma fé esclarecida, que não pode ficar por
convenções e ideias à margem da reflexão crítica.
A
atitude não é insólita, mas possivelmente nunca encontrara condições
tão bem articuladas para o sucesso. Daí que sejam muitos a encontrar
aqui um alimento privilegiado para insatisfações primeiras, pelo que
o número de sequazes espalhados pelo mundo atinge um auge de adesão,
na segunda metade do século.
Contudo, a ousadia da empresa e o lado interrogativo e desviante da
demanda intelectual gera outros tantos anticorpos intolerantes nos
meios conservadores, tanto entre católicos como entre cientistas, a
envolvê-lo com anátemas heréticos ou descrédito.
Com
efeito, a formação universitária marcada por uma tónica dependente
de especialidades muito separadas contribui para o clima anterior,
do entusiasmo ao afastamento. Paralelamente, um catolicismo
demasiado preso a uma concepção dogmática da religião, sem brechas
para o espírito crítico, catalisa a aderência dos mais irrequietos,
sem evitar, porém, a raiva da intransigência, noutros.
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Fé e
razão |
Todavia, não
deve ser esquecido como as Constituições constituem a configuração
primeira de que decorrem as demais conjunturas e onde a plasticidade
para comungar com a realidade é medida por uma régua e um compasso. Como
presumem ainda a incumbência de articular saber e querer, no pormenor
dos espíritos a disciplinar pela virtude e das disciplinas a descobrir.
Logo, um processo histórico possível e permitido, no quadro de uma
definição rígida de orientações.
O laço entre a
disciplina e as disciplinas é muito estreito e requer uma dialéctica
íntima entre os pólos em questão, porquanto o corpo e a alma representam
um patamar imprescindível para consolidar o espírito, e este requer um
substrato cognitivo capaz de o desenvolver, com vista a um
aperfeiçoamento mais profícuo se para ele concorrer a força
intelectual.
Por isso é
impossível qualquer indiferença perante o conhecimento científico
moderno, cabendo aos mais preparados situar-se, num misto de
receptividade e de crítica, pois importa integrar conteúdos com essa
proveniência, mostrar a validade da sua consistência e demonstrar-lhe o
alcance, em termos da própria religiosidade cristã e em prol de uma
articulação entre fé e razão.
Apaixonado
intrépido da natureza, extasiado com o Puy-de-Dôme desde a infância,
católico numa atitude interrogante, cientista com um projecto aderente
às teses finalistas, este geopaleontólogo investe numa vocação religiosa
ousada e numa carreira académica peculiar, cheio de expectativas.
Sem ser
insensível ao ambiente polémico em torno do que pensa e diz, apreciando
naturalmente os ecos positivos, o missionário da evolução sobrevive, por
vezes, só porque está refugiado na escrita – livros e artigos a jorrar
numa torrente poderosa, comentários permanentes em cartas densas de
ensinamentos – pois a hostilidade não favorece o diálogo aberto e
memórias recentes, na sequência da frustrante crise modernista, não o
poupam.
A quem o
censura por não abandonar a SJ, responde com um argumento de natureza
biológica, mais predominantemente evolutiva, ao afirmar que vive ligado
a essa linha filogenética e que sem ela nunca pode sobreviver.
Modo de estar
que corresponde à forma de interioridade adoptada aos dezoito anos, da
qual recebe fundamentos e motivos para permanecer fiel e onde fortalece
um quotidiano vocacionado para perguntas incessantes, dúvidas contínuas
ou abismos atraentes. Também, por isso, precisando, naturalmente, de
alguma segurança interior mantida na entrega institucional que dá pelo
nome de Companhia de Jesus.
No entretanto,
Teilhard de Chardim afoita uma proposta orientada por um oceano de
pletora, servido pelo que as ciências lhe permitem, mas muito
alimentado, igualmente, pela força poética. Assim sendo, abre caminhos
de criatividade, contra os quais os cientistas frequentemente se
insurgem, havendo que os perceber, porquanto essas liberdades, sem
deixarem de ser legítimas, como utopia prospectiva, só podem explicar-se
dentro de certos laivos de cientismo.
Por outras
palavras, ao defender que a maioria das suas afirmativas e inferências
decorrem do conhecimento que as ciências lhe auferem, naquilo que
definem ou naquilo que delas pode retirar, nesta ordem de raciocínios,
chega a incluir o “ponto Ómega”, por exigência maior de um remate
supremo para a Energética, como fim último da evolução.
Estado de
espírito onde se mescla ainda um outro elemento de personalidade:
sintonia permanente e intimidade com o mundo natural, dotados de uma
sensibilidade elegante e criativa perante a grandeza cósmica, a mesclar,
sem problemas, saberes e sensações, dados experimentais e intuições, ao
serviço da “visão”.
Assim sendo, o
padre jesuíta outorga à ciência um horizonte demasiado amplo, ao
projectar nela um poder interpretativo e um alcance onde são notórias
deformações hermenêuticas. Passados uns anos e porque se é mais sensível
a distinções de natureza, de campo e de atitude, predomina hoje a ideia
que a ciência e a fé não têm que confluir, como a crença e a razão não
devem ser moldadas pelos mesmos princípios, exigências e rigores.
Por isso, quem
olha a descrição anterior com algum recuo histórico, é levado a concluir
que ela enferma de efeitos ligados a investimentos que são movidos pelo
horizonte que julga desejável e exequível a comparação entre ciência e
crença. E isto na sequência lógica de princípios teóricos que defendem
ser benéfico relevar os efeitos positivos envolvidos na possibilidade de
aproximações.
Procedimento
que tende para marginalizar um factor, considerado, agora, pertinente: o
saber e a religiosidade não cobrem identidades com o mesmo nível
gnoseológico, actuam em áreas cognitivas desiguais, não pressupõem
comunidades idênticas e não suportam, por conseguinte, o anular de
dissemelhanças, por um mecanismo afim a qualquer nivelamento artificial
e desvirtuado. Em síntese, mesmo se é verdade que a razão e a crença
estão presentes em ambas, a comunidade científica e a comunidade
religiosa subsistem por agregados dinâmicos de natureza diferente.
Razão pela
qual cabe aplicar-lhes uma designação que a epistemologia do século XX
adopta como charneira, num debate que não deixa ninguém alheio, pois
empolga os argumentos de quem a adopta e de quem a combate. Trata-se do
termo “incomensurabilidade”, com origem matemática. De facto, e na linha
definida por Thomas S. Kuhn e Paul Feyerabend, não há uma medida comum
entre elas, pelo que não são comparadas nem comparáveis, sendo as
escolhas, que presidem à adopção de cada uma, determinadas por opções
entre estilos de vida incompatíveis.
Concluindo, o
fundamento da adopção de uma atitude científica ou de uma atitude
religiosa decorre de escolhas que envolvem complexidades, conteúdos e
gestos, que emergem dentro de contextos paradigmáticos distintos, não
permitindo, nem favorecendo, qualquer neutralidade.
“Creio que o Universo é uma Evolução
Creio que a Evolução se dirige para o Espírito
Creio que o Espírito, no Homem, culmina na Pessoa
Creio que a Pessoa suprema é o Cristo-Universal.”
Teilhard
de Chardin, Comment je crois (1934) |
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23. |
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Ana Luísa Janeira
Professora Associada com Agregação em Filosofia das Ciências do Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Rua Ernesto de Vasconcelos, 1700 Lisboa, tel. 351.217573141, fax 351.217500088.
Co-fundadora, primeira coordenadora e, actualmente, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL).
Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral
Calçada Bento da Rocha Cabral, 14 - 1250-047 Lisboa
janeira@fc.ul.pt |
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http://marcasdasciencias.fc.ul.pt/pagina/inicio |
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