Estava a visitar Macau, Hong-Kong e a China,
sentei-me num banco público, a ladear uma avenida larga. Deliciava-me o
repouso nesse fim-de-tarde em dia trepidante. À minha volta, por
contraste, um imenso frenesi humano, acompanhado, claro está, de
automóveis, lambretas e muitíssimas bicicletas. O vai vem dava-se por
variados vectores e eu fixara-me a olhar os transeuntes pelas costas, pois
as pernas e pés monopolizavam a minha atenção, por causa daquela cadência
especial no andar, bem diferente da europeia e até sul-americana, a que
estava habituada.
De repente, dei-me a exclamar: «olha a Alexandra!»
Não era ela, mas era ela.
Pois é, como as coisas são
fora minha aluna há uns bons anos
continuara perto nas demandas sobre jardins
botânicos
tínhamos feito projectos e actividades juntas no
CICTSUL
mas precisei daquele momento para conseguir a peça
essencial
onde tudo passou a encaixar melhor
A partir daí, tomou mais corpo
o interior (sempre bastante misterioso) de uma alma
delicada
nutrida por afectos fortes
com relevo para o dom do amizade
uma postura nobre
uma estética elaborada
muito discreta
qualidades que eram a sua forma de estar na vida
mas que não lhe facilitavam a vida.
Tinha uma maneira singular de estar no conhecimento
científico
que expressava vibrante numa oralidade cheia de
entusiasmo
parecendo remontar a tradições longínquas
em tempos de pré-escrita
e também por isso
nem sempre bem compreendida pela envolvência
profissional
(e como isso lhe embaciava os olhos de vez em
quando)
Alegrei-me por ver como vivia
em cumplicidade reconfortante com o Rui
e como seguia o sucesso da Cecília
completado pelo nascimento dos netos
De repente descobri nela aquela energia inaudita
Que todos passámos a admirar
E continuei a surpreender-me com a guerreira
que desabrochou ainda mais nos últimos anos.
Em boa verdade
aí estava ela
revelando-se na sua complexidade multicultural
Alexandra, minha amiga
sempre planta exótica em processo de aclimatação?
Lisboa, 30 de Agosto de 2013
|