Amor, se a porta se abrisse no bosque e entrasse o poema

 

MARIA AZENHA


 

( A Federico García Lorca  )

 

Amor, se a porta se abrisse no bosque e entrasse o

poema: o poema translúcido de uma estrela obscura,

derramando a luz da criação numa criança aquática,

numa criança de vento florestal e espuma.

Mas Deus tem medo dos elementos puros,

tem medo do fogo dos seus cinco dedos

que escrevem em cataratas abruptas.

Deus tem medo do sangue das lágrimas

das suas imagens montadas em equídeos escarlates.

Deus tem medo das fábulas das palavras

bebendo água gelada nas dunas do deserto.

E senta-se em Silêncio.  E não respira no Escuro.

Sufoca por intervalos na garganta dos cometas.

E as galáxias, ao longo da eternidade, vão vertendo ouro puro.

À noite, os seus cabelos azuis procuram-nos,

entoando em cada diamante da luz

uma canção mortífera de lume.

 

Eu conheço, Amor, a febre de Deus.

E subimos, juntos, os degraus que enlouquecem

os abismos.

E digo:  somos uma herança do Absoluto.

Movemos a Criação com a música inocente

de uma criança.


maria azenha

2021, novembro, 23