NOMEAÇÃO E INDIVIDUALIDADE
a auto construção sexual no ciber-espaço
Paulo Mendes Pinto


Cipriano Algor afastou-se em direcção ao forno, ia murmurando, como uma cantilena sem significado, Marta, Marçal, Isaura, Achado, depois por ordem diferente, Marçal, Isaura, Achado, Marta, e outra ainda, Isaura, Marta, Achado, Marçal, e outra, Achado, Marçal, Marta, Isaura, enfim juntou-lhes o seu próprio nome, Cipriano, Cipriano, Cipriano, repetiu-o até perder a conta das vezes, até sentir que uma vertigem o lançava para fora de si mesmo, até deixar de compreender o sentido do que estava a dizer, então pronunciou a palavra forno, a palavra alpendre, a palavra barro, a palavra amoreira, a palavra eira, a palavra lanterna, a palavra terra, a palavra lenha, a palavra porta, a palavra cama, a palavra cemitério, a palavra asa, a palavra cântaro, a palavra furgoneta, a palavra água, a palavra olaria, a palavra erva, a palavra casa, a palavra fogo, a palavra cão, a palavra mulher, a palavra homem, a palavra, a palavra, e todas as coisas deste mundo, as nomeadas e as não nomeadas, as conhecidas e as secretas, as visíveis e as invisíveis, como um bando de aves que se cansasse de voar e descesse das nuvens, foram pousando pouco a pouco nos seus lugares, preenchendo as ausências e reordenando os sentidos. José Saramago, A Caverna, pp. 126-127


1.   O que é um nome?
(da Antiguidade aos dias de hoje)  
1.1. A «Realidade» e a «Verdade»

Tal como José Saramago, já deus e Adão tinham tido a mesma necessidade de fazer corresponder cada coisa a sua respectivo nome, reorganizando o caos.

De facto, e voltando ao dito deus e ao dito Adão, não há conclusão da criação divina sem uma componente de nomeação do todo ou das partes.

No Génesis a situação é totalmente esclarecedora a respeito do peso que a nomeação tem no todo da criação: ela é o seu motor. Deus disse […] é a chave que por sete vezes é usada na narrativa de Gen 1[1]. Tão simples e tão avassalador quanto isto – disse e aconteceu.

É, de facto, pela palavra que Yahweh cria o seu cosmos na narrativa bíblica. Tal como é também pela palavra que é ordenado o mundo dos seres em que o Homem se integra.

Ora, em Gen 2, nomeadamente 19-20, a palavra / a nomeação é a consignação da efectiva existência das coisas. Só depois de devidamente nomeados é que os seres são objecto de conhecimento – vejamos que é pela atribuição do nome que Adão e deus percebem que nenhum desses seres pode vir a ser a companheira do primeiro e solitário homem.

Vejamos a fonte, Gen 2, 19-20:

Então, o Senhor Deus, após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, conduziu-os até junto do homem, a fim de verificar como ele os chamaria, para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhes desse. O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo, não encontrou uma auxiliar semelhante a ele. [2]

De facto, os seres já tinham sido criados, mas havia uma clara incapacidade de os tornar objecto de conhecimento, de os perceptar.

Neste sentido, quem cria? Sem a nomeação de Adão … nada feito!

Mas já muito antes deste deus, ainda não maiusculado, alguns deuses egípcios tinham integrada na sua teologia esta formidável construção intelectual: a criação não está completa sem que se dê a sua última parte, a nomeação do que fora criado.

Na cosmogonia de Amon, no Papiro de Berlim, o peso da palavra nomeativa na economia da criação é claro:

Tu és o deus que veio à existência pela primeira vez,
Quando nenhum deus tinha vindo à existência,
Quando não tinha ainda sido nomeado o nome de coisa nenhuma
.[3]

Isto é, a ainda não nomeação das coisas é marcador, pelo menos para o(s) sacerdote(s) que terá escrito este poema, de uma fase recuada e inicial da criação, que, por si só é suficiente para mostrar a anterioridade do deus louvado.

Também a grande glorificação a Marduk, o Enuma elish, dá um peso bastante grande ao acto de criação pela palavra:


Quando lá no alto
O céu não tinha ainda sido nomeado
E quando aqui em baixo a terra fechada
Não tinha sido chamada por um nome
[4]

Muitos outros mitos antigos poderiam ilustrar este raciocínio, recuando até aos textos sumérios.

Assim, surge uma inevitável questão: será que existe a dita criação? Ou devemos falar de identificação e, acima de tudo, de individualização? Criar é transportar para a uma dimensão de percepção, ser capaz de formular pensamento sobre um determinado material,, como se viu no caso de deus e de Adão. Dar um nome, usar um nome, é ter uma atitude de cognição que vai da identificação à individualização.

Tudo o que existe num patamar de possível cognição tem, inevitável e naturalmente, nome. É o que podemos designar pelo postulado d’ «a necessidade de ter nome».

Noutro sentido, a criação pela palavra tem na verbalização primeira apenas a sua exteriorização que corresponde a um circuito linear entre pensamento e desejo e, por último, a efectivação na palavra criadora.

A teologia do deus Ptah é clara neste sentido:

Surgiu efectivamente toda a palavra de deus através do que foi pensado pelo coração e ordenado pela língua.[5]

Pelo Papiro de Leiden outra variante da mesma forma encontramos, desta vez dando maior peso à relação entre o pensamento e a nomeação:

Pensamento criador é o seu coração,
Palavra criadora os seus lábios!
[6]

Desta forma, a realidade será, então, o que fora criado e, mais interessante, aquilo que fora desejado, pretendido.

Desde Platão e Aristóteles que a questão da nomeação surge no pensamento filosófico centrada, para estes autores, no problema da verdade. Herdeiros desta linha, habituá-mo-nos a identificar verdade com realidade. No limite do nosso pensamento cartesiano, a ciência é a busca da verdade através do estudo da realidade.

Esta relação entre «realidade» e «verdade» é inevitável.

Podemos dizer que o nomear está no campo da própria identificação do ser, ou melhor, da criação do ser, da visão do ser enquanto (uma) realidade.

Assim, um signo é como que, nas palavras de O. Goldwasser, um object of thought[7]; ou ainda, este objecto de pensamento, de compreensão, de consciência e de conhecimento, é, na expressão de Derrida, uma graphic rhetoric[8].

A «verdade» aqui toma uma dimensão discursiva. É verdadeiro o que é dito num quadro de criação, de propiciação, de uma determinada realidade discursiva, não o que é verdadeiro.

1.2. A metaforicidade da construção antiga dos nomes

A criação de formas de nomeação, nomes ou expressões atribuíveis a coisas, é condição sem a qual não há possibilidade de diálogo e de compreensão entre interlocutores num mesmo sistema de linguagem.

Mais, o nome é, ou procura ser, imagem e síntese daquilo que nomeia, donde, necessidade para a própria compreensão da natureza do nomeado, primeira síntese do sistema de comunicação subjacente à adopção de um determinado nome e não de outro qualquer.

Por fim, a nomeação afirma-se para o nomeante como a forma de aceder àquele que é nomeado: exclamar um nome é referir a própria coisa, é um acontecimento relacional com ela, é quase uma «tuificação» porque é relação.

Aqui, a questão da nomeação já ultrapassou os simples limites do que é dito ou é escrito. Nomear é representar, e a representação é, por natureza, um acto figurativo porque metafórico. Toda a nomeação é imagem.

Efectivamente. Dois patamares de formulação da nomeação podemos encontrar:

I — a formulação de novas formas de nomeação da realidade implica a recorrência a coisas / realidades já nomeadas, mediante um processo de metaforização - o uso de imagens já constituídas no universo vocabular disponível enquanto continentes de valoração;

II — partindo do ponto anterior, do uso, para a nomeação, de signos pré-existentes, a nomeação é baseada em imagens que são, também elas, metáforas.

As formas que um nome toma são fruto de recolha dentro de um universo, passível de valoração metafórica, naturalmente propiciatório para o nomeado. Em todos os casos temos um mesmo objectivo: criar, através da significação contida na forma de nomear, formas propiciatórias para o nomeado.

 
1.3. A funcionalidade antiga da nomeação

Aprofundando, constituindo-se o nome numa possível hermenêutica do que de mais profundo tinha o seu possuidor, a profunda ligação entre forma de nomeação e nomeado quase residia numa simbiótica existência, a exploração, a decifração e o conhecimento do nome era uma forma de entrar no próprio ser, e até de o dominar.

Temos várias formas de efectivar esse domínio: o domínio pelo conhecimento do nome, o domínio pela alteração do nome e, por último, o domínio pela memória através da destruição do nome, do retirar do nome de todos os locais onde ele figurava.

A escolha de um determinado nome para uma determinada realidade pressupunha um quadro de opções que em muito devia à funcionalidade pretendida para o nome ou, melhor, para o que, a partir do momento primeiro de consignação da nomeação, passava a ser o conjunto inseparável de nome / nomeado.

Talvez se possa dizer que o nome é sempre funcional; o designar, pelo nome, implica sempre atribuir características e qualidades ao nomeado. Um nome é sempre uma metáfora, uma representação, uma imagem.

Neste mundo pós-moderno os nomes oscilam com as modas, com as telenovelas, com os “artistas de rádio, TV e disco”, com as sensibilidades mais variadas e despreocupadas. Ora, estes factos agora aleatoriamente apontados não indicam que a nomeação tenha caído em dimensões sem espessura histórica; antes pelo contrário, transportar o nome Cátia Vanessa é indicar de forma ultra-precisa a data e o meio social em que se nasceu. “Vamos nessa ó Vanessa”, como o anúncio diz, é altamente datável.

CIBER-NOMES

_princepe_
‘5rapazes
25cm
30
4u2cme
_____

a
aaa_H
aamc
Adao-quer-eva
adoro-te
AFINADO
agnes
ajcs36
Alanis
alberto
Alentejana
Amador
amantemeigo
amigos
amorosa
amorosas
amo-te
Ana
ana
ana_adeus
ana_horrivel
ana_triste
AnaLuisa
anastopollos
anasus
andre_sexy
andreia
Angel
angel
Aninhas
aninhas
anipike
Anjinha
ANJINHO
anjinho
anjo
anjos
Anny
anonimo
ant
AntPedrosa34
any
apaixonado
APaulo
arky
ARTUR
aSapa
aspra
Atchim
Atraente
atrevido
Aveiro_Club
___________

baco
baixinha
barbarela
bb
Belo
Ben_Hur
bia
big
BIGBOY
BISEX
bisex
BoKaLouKa
BOMBGIRL
Bondgirl
Boneco
Bons
BONZAO
boomymargarida
bored
BOSS
Brad_Pitt
Brasa
Brenda
Brida
Bruxinha
_______

C
caco
calirismor
Camila
caramela
careca
carinhoso
carlosan
carochinha
Casado30
CAT
chipanga
cj_cyper
CLANDESTINA
Claudio
Clo2211
Cool
CoolGirl
corvo
cosmos_xt
crock
Curiosa
Curioso
Czar
_________

Depravada
depravada
Devil
devil
Dinheira
Divazinha
DJ
doce
Docinho
Doctor
doida
Domadora
DomCorleone
dop69
Dora
Dotada
Dream_Poet
duarte
Duke
EduCoimbra31
_________

edyta
ele33Porto
elisa1
elite
eros69
eu
eu69
eva
Excitada
__________

fada
Faisca
falador
Feiticeira
FENIX
fenix
Fera
fetich
figo
Filae21
filho_d_diabo
Filipa
fjk
fl
FLOR
fodinhas
Fofa
fofa2
fofinha
fofuxinha
Fogo
fran
frangui
Friendly
Fuck

gabriel
Gabriel18
gambit_forever
GARANHÃO
garfiel
garfo
gatinha
GATINHO
Gato
GATO29
gemma
gintrak
Girlworl
Gladys
Golfinho
GOSTOSAO
Gostoso
Groo
________

Haxa-a-almofada
Hermes
Hitachi
HOMEMDEPAUDURO
HOMEMSEX
humm
Huumm
____

Iccp
Icebaby
Iceman
idora
indio
inlovebo
Isabella
Ivo
_____________

james
jane
Jim
Jo
joana
joana2000
Joca
Jorge
JORGE33
Jose
judas
JuizoFinal
Julia
Juveleogirl
____________

Kalasnjikov
Kidinha
Korn
Kravitz
Kiss
_____________

L
Lady
Lagoa
Lara_Croft
lastkiss
LATINO29
Leão
Lenuxa
Liana
licas
LIEBE
lili
lilly
limp
limpbizkit_boy
lingua
Load
LoboMau
loira
Lola
look
louco
love
Lovvvvveee
lu
lua
luana34
Lunatic_Girl
luscofusco
Luzinha
Ly
__________

M
M4t1ld3
MachoLatino
maduro
Mafbaby
Maggie
Mago34
malandro
mamona
mamonas35
manuel
margarida
margem
Mariana
Marilu
Marinheiro
marques35
marta
MaryJane
Meggy
meiga
meigo
mendes54
microchip
migas
Migsilva
migucha
miguel
Miguel_X
mik
Mik
Mila
Milaydi
MisterArganil
Mjunior
moncheri
Morena
MORENO_19
morfhius
MR_35
Musa
musa
my
_____________

nando
nasp
natura
nelinho
NEO
neo
night
Nina
nina
ninja
_________






















o_kido
O2
oi_
oluap
oneman
Orgasmo
___________

Paladim
passion
pat
Pat
Patri
Patty
paulo
Pearl_Jam
pedro
Peluche
penis
pereira
PeterV
Phoenix
pimbahut
Pimpolho
Pinheiro
Pit
Portalegre
Pretender
princesa17
princess
provocadora
puto_DREAD
____________

quente
Querida
QUEROSEXO
Querote
quero-te
quero-te-a-ti
__________

Rabdomante
redgirl
Rinquirito
RITA
Roberto21
Robin
ROMANA
Romantico
rosaazul
rosario
rui
ruiC
RuiMiguel
Rx-4
_________

S_24cm-Alexfun
sagitariowoman
saguim
Samorinha
Sandra
Sandra27
Scully
Seni
sensitive
Sensodyne
sensualsoparati
sergio
sexoportelf
sexuality
Sexygirl
sexygirl
SIKE
silencio
simpatico
sininho
sis
SISSI
SisterMoon
slaveman
snowman
sofia
Sofredor
sofredor
solas
solitario2
Sombras
sonho
sosoninha
spartak
Speddy_gonzalez
spice
spike
spock
SUBARU
Sue20
suntec
susana
Susana
susana_16
Swetheart
__________

tangerina
tareco
Tatiana
tess
Texugo
ti
Ticas
ticha
Tictac
TIKA
TITA
tita-dhg
tolo
tontinha
Trevista
tripeiro
trust
twogirls
___________

U2
Uma_Turista
___________

vasco
vaz
velociraptor
velo-off
Vertigo
vicente
Virgem1
Visita
VouTerContigoH
Vulcano45
____________

wanted
wild_rose
Wonder
wonder
www
____________

xico
x-man
xtrem
Xtreme19
xxx
________

zaida
zana
zeca
zei21
zezecamarinha
zflash
Zorro
ZX9R










[1] Gen 1, 3. 6. 9. 11. 14. 20. 24.

[2] Para citações bíblicas usamos: Nova Bíblia dos Capuchinhos: Versão dos textos originais. Lisboa. Fátima: Difusora Bíblica, 1998.

[3] Papiro de Berlim. Apud. José Nunes Carreira - Estudos de Cultura Pré-Clássica. Lisboa: Editorial Presença. 1985, p. 30.

[4] Retirado de Jean Bottéro, Samuel Noah Kramer - Lorsque les Dieux Faisaient l’Homme: Mythologie Mésopotamienne. Paris: Gallimard, 1989, pp. 604 – 605.

[5] Tradução de H. Junker - Op. cit, p. 59. Apud. José Nunes Carreira. Op. cit., p. 19.

[6] Apud, José Nunes Carreira. Op. cit., p. 32.

[7] Idem, p. 26.

[8] Apud, Idem, p. 53.