Alquimia e Contemporaneidade O mistério do mundo está no visível, não no invisível As razões deste facto parecem residir no abalo da estrutura metafísica que assegurava as passagens do visível para o invisível, que organizava a ordem do mundo medieval. Estamos a referir-nos à «teologia», enquanto ciência das passagens. Inúmeros sinais dão-nos conta da sua entrada em crise com o advento da modernidade, nomeadamente no século XIX. A «morte de Deus» tão dramatizada por Nietzsche, equivale à disseminação do nihilismo por toda a experiência. Valha, como indício disso, o soneto de Baudelaire intitulado «Alchimie de la Douleur»: «No sudário das nuvens //Descubro um cadáver querido», que é Deus e, em consequência, todo o mundo se vê pejado de «grandes sarcófagos». A «crise» moderna explicita-se através de uma nova relação à Natureza, que emerge catastroficamente no seio da cultura. A «dor» de viver que a alquimia abolia, na sua procura da vida eterna»2 , reemerge quando a «alquimia da dor» é abalada pelo nihilismo. O que equivale à reaparição da «natureza», ou da matéria, naquilo que tem de inumano a inevitabilidade da morte. A «natureza» emerge numa indiferença, mesmo indecisão, que é catastrófica. Só assim ela pode ser, simultaneamente, motivo de «ardeur» ou de «deuil» -, morte ou esplendor. É essa indecisão que é grave, fazendo surgir um outro Hermes, «desconhecido», nome em que ecoa o antigo alquimista, Hermes Trimegisto. A crise da salvação alquímica da «dor» é inseparável de um processo de destruição do mundo, que tem algumas semelhanças com a antiga alquimia, com a diferença de não compartilhar as suas ilusões. De facto, para Baudelaire, a antiga alquimia iludia-se por nem colocar a questão da ilusão, e a imagem disso era a de Midas, que transformava tudo em «ouro», sendo por isso «O mais triste dos alquimistas». A alquimia dos modernos, basicamente estética, opera pela inversão do motivo de Midas: «Por ti mundo o ouro em ferro //E o paraíso em inferno». Trata-se, evidentemente, de uma alquimia tão ilusória como a de Midas, mas que se reconhece enquanto ilusão, sendo o efeito inevitável da vida sem Deus, i.e., sem justificação para a dor. A própria multiplicação das alquimias tende a destruir a possibilidade alquímica, abolindo toda a ilusão, em que assentava em última instância. Ora, se a ilusão era necessária para transcender a natureza, era mais necessária ainda o desconhecimento de que era ilusão. Boa parte do século XIX está fascinado pela possibilidade de poder revitalizar a «alquimia» apesar de ser ilusória3 . Esta crise metafísica suscita a invenção de técnicas de registo e de reprodução, revelando, ao mesmo tempo, que a «técnica» é uma resposta imanentista - a única, de facto -, ao fenómeno do nihilismo. A artista americana, Zoe Beloff, restitui todo este entrelaçado de relações na obra digital «Beyond», que «explora os paradoxos da tecnologia, do desejo e do para-normal instalados desde o nascimento da reprodução mecânica. Constitui uma investigação da "vida de sonho" da tecnologia, de 1850 a 1940». De acordo com Beloff «existe um elemento quase mágico na maneira como estes desenvolvimentos são vistos sendo importante trazê-los à luz no momento em que entramos nesse novo e estranho domínio que é o digital». Como veremos mais à frente, a «poesia» e, em geral, as artes servem de garantia de abertura da «positividade» da existência, em que a dor é um escândalo sem sentido. Funciona, assim, como uma ficção da transcendência, puramente imanente4 . A sobrevivência da alquimia tem muito a ver com a maneira como alguns artistas procuraram pelas suas obras fundar a «vida de sonho» das máquinas que começaram a invadir a experiência no século XIX. Só ficticiamente é possível uma relação séria com a alquimia. Isso foi bem expresso por Marcel Duchamp, o inventor desse quase-nada que é o ready-made. Quando lhe procuraram mostrar que os procedimentos de conversão e de transformação que ele usava para os «criar» estavam próximos da alquimia, afirmou: «Se pratiquei a alquimia terá sido na única forma é que hoje é possível fazê-lo, ou seja, sem o saber» (Lebel, 1959: 73)5 . Através de tal «inconsciência», bem paradoxal, pois o saber dela acaba por negá-la, tratava-se ainda de salvar o «invisível» quando o visível impera absolutamente. De facto, o que a tecnologia e as suas replicações teóricas, como são as teorias críticas e racionais, propulsionam era a anulação do «invisível». Trata-se de um processo sentido como imensamente dramático, fazendo com que, ainda nos nossos dias, Marie-José Mondzain denuncie « a infidelidade do visível à invisibilidade do sentido» (1998: 93). De facto, estava em causa algo de radical, o destino de uma divisão originária relativamente à Physis, no momento em que a tecnologia de registo fazia desaparecer a diferença entre «original» e «cópia», fazendo proliferar uma infinidade de imagens, descontroladas e em choque. O visível impera, como forma de fixação da experiência em todos os seus elementos constitutivos, e com ele uma nova fisicalidade irá impor-se, a que não se eximirão as próprias «formas». Mas poderá ser ele considerado como um «obstáculo», como pretende Mondzain, quando sustenta que «o invisível é um termo sobrecarregado de história religiosa ou de ideologia, mas como falar do "não-visto", ou seja, daquilo que não está escondido, oculto e impenetrável, mas de que estamos incumbidos de aprender a ver O não-visto está diante de nós, manifesto; que quem tenha olhos se torne apto para olhar» (1998: 92)? A deslocação do invisível para o não-visto dramatiza ainda um «espaço» mais primordial, que se mantém numa certa reserva. É este, precisamente, o gesto da «alquimia». Quanto mais esse espaço estiver «ameaçado» mais a operação alquímica se afigura necessária. Novalis é um autor de charneira para a compreensão deste processo. Ele dá-se conta do fim do «mágico» ou do alquímico, mantendo-se ao mesmo tempo no interior do quadro metafísico em que esta se baseava. Diz ele na sua Enciclopédia: «Em todos os verdadeiros exaltados e místicos actuarem, sem dúvida, forças superiores - tendo isso dado lugar a combinações e formas estranhas. Quanto menos a matéria era elaborada e confusa, tanto mais era o homem carente de gosto, menos formado e contingente, tanto mais estranhas as suas criações eram. Parece que ainda não chegou a hora para realizar a tentativa de sanear, purificar e iluminar este caos surpreendente e grotesco, o que pressuporia um esforço em boa medida». Novalis aprecia a «força mágica» (sic), mas sabe que as formas que assumiu são irremediavelmente passadas (Novalis: 1667 - (II), p.199). Para os iluministas a alquimia é uma forma de magia, ou seja a falsidade produzida por meios «aparentemente» técnicos. Mas a questão não é apenas técnica, embora a hybris da técnica incube nos processos «mágicos». É acima de tudo metafísica. Uma passagem esplêndida de Novalis permite-nos depreender isso: «a magia é a arte que permite usar arbitrariamente o mundo sensorial.» (ib.). Ou seja, o visível era infinitamente trabalhável, porque metafisicamente estava subordinado ao «invisível». O que é a velha tese alquímica. Como se pode ler no Pimandro de Hermes Trimegisto: «Não existe nada de bom sobre Terra; nem nada de mal no céu» (Parágrafo 44 do Livro I). No parágrafo 57 lê-se: «as cosias da Terra não comunicam com as do Céu». Somente através do homem, pela sua natureza dupla é possível haver comunicação entre os dois mundos: «e devido a isso de todas as coisas que vivem sobre a Terra só o Homem é duplo: Mortal, devido ao seu corpo, e Imortal, devido ao Homem substancial. Apesar de ser imortal e ter poder sobre todas as coisas, sofre da mortalidade das coisas, e enquanto tal está sujeito à fatalidade e ao Destino» (Parágrafo 26 do Livro II, chamado Poemandro). É esse o objectivo da operação alquímica A ambivalência de Novalis está em que reconhece a historicidade das formas da «força» mágica e o processo de «saneamento» porque estão a passar, ao mesmo tempo que mantém a forma histórica, basicamente teológica, da divisão originária que a metafísica grega codificou6 , e que se consubstancia basicamente na oposição entre «corpo» e «alma»7 . Esse simples facto faz de Novalis um «sintoma» daquilo que constitui a originalidade da Paideia ocidental. Repetindo um gesto imemorial, para ele está em causa as relações entre ambos mundos, e é sobre essas relações que a hybris se incrusta. Diz Novalis: « este último sistema [do invisível ou da alma] mantém um nexo de união com o primeiro - e é afectado por ele. Podem descobrir-se, contudo, numerosos indícios que denotam uma relação inversa e de imediato nos precatamos de que ambos sistemas na realidade deveriam manter uma perfeita relação recíproca, em que afectados mutuamente, formam-se uma consonância e não um único tom. Em poucas palavras, ambos mundos. Bem como ambos sistemas, têm de constituir uma harmonia livre, e não uma desarmonia nem uma monódia » (Novalis, 1668, 400). A análise de Novalis é preciosa. Pondo de lado, por agora, a ideia de uma «harmonia final», o que a sua pequena história nos conta é que passámos de uma história dominada pela desarmonia parcial para a harmonia parcial, ou seja do domínio da «exaltação» mística para o das ciências e das artes. Isso ocorreu por que «no período da magia o corpo serve a alma ou o mundo dos espíritos. (Loucura - exaltação). A loucura colectiva deixa de ser loucura e converte-se em magia, loucura submetida a regras e plenamente consciente» (ib.). Ou seja a própria «magia», pelas suas regras, torna-se ela própria uma maneira de regular as passagens entre visível e invisível. A desarmonia tem a ver, para Novalis, com o facto de que a «matéria» ou «natureza» seja dominada pela «faculdade, destreza de provocar sensações arbitrariamente. (a fé é um poder de provocar sensações) (unida à absoluta realidade do sentido)» (ib.). Dando um passo fundamental, Novalis propõe-nos uma experimentação imaginária, que não pode deixar de nos interessar. Trata-se de mostrar que tal como o «espiritualismo» absoluto pôde criar no «real» as suas alucinações ou êxtases, afectando-o pontualmente, agora o próprio «real» pode ser produzido através do «espiritual» ou do «invisível». A partir de «dentro» pode-se recriar todo o «exterior» ou relação ao «exterior». Como ele afirma: «Se fossemos cegos e surdos e desprovidos de sentidos e, ao invés disso, a nossa alma fosse completamente aberta, se o nosso espírito fosse o equivalente daquilo que agora é o mundo exterior, o mundo interior estaria relativamente a nós na mesma relação em que actualmente está o mundo exterior e quem sabe se conseguiríamos dar conta da diferença - caso nos fosse dada a possibilidade de comparar ambos estados. Teríamos a sensação de que existiam uma série de coisas para as quais nos faltariam os sentidos, por ex., luz, som, etc.. As únicas modificações que poderíamos introduzir - seriam semelhantes aos pensamentos e sentiríamos o desejo de alcançar os sentidos que agora chamamos sentidos externos. Quem sabe se depois de múltiplos esforços não seríamos capazes de produzir olhos, ouvidos, etc.? Porque, em tais circunstancias, o nosso corpo estaria em nosso poder, seria uma parte do nosso mundo interior, à semelhança do que agora sucede com a nossa alma. Neste caso o nosso corpo no poderia estar absolutamente desprovido de sentidos, como tão-pouco agora o está a nossa alma» (ib., 400-401)8 . Novalis sublinha a importância da divisão, e as perversidades da união, que nunca pode ser inteiramente projectada. Mas ao mesmo tempo o seu Gedankenexperiment revela algo de mais essencial. Foi da vontade de ver, espíritos, anjos e outros seres opticamente translúcidos, invisíveis, que se originaram as nossas máquinas e, de certo modo, toda a tecnologia. Quando o invisível entre em crise dá-se o domínio «visível» e do sensorial. Isso implica que a «natureza» (a matéria) impera, ou melhor, que tudo é «naturalizado». Seria esse o efeito mais imediato da «secagem» do mágico pelo racionalismo histórico, mas ela falhou paradoxalmente. Com efeito, as máquinas desenvolvidas pelos iluministas9 , propulsadas pela «vontade de ver» mística e metafísica, vão perturbar decisivamente a própria estrutura de onde emergiram. Mas para isso foi preciso, primeiramente, a destruição da alquimia10 , o que ocorreu segundo uma dupla direcção: a matéria e a forma (ou ideia) separam-se, e vão recair em domínios específicos - o «real» (visado pela ciência) e o «irreal» (visado pela arte) ou, então, o puro operativismo da ciência e a imaginação estética. A reacção estética foi imediata e multiforme levando a uma revalorização do «invisível», do «espiritual», etc.. Explicando, ao mesmo tempo, a tenaz resistência, se bem que subterrânea, da «alquimia» A alquimia foi um dos mais potentes agenciamentos da «economia» do visível e do invisível, dotada de uma «eficácia simbólica» que acaba por estar na origem do seu desaparecimento. Não se trata, porém de um problema histórico, mas de um problema «metafísico». Depois da dissociação referida, que levou à matéria por um lado, e à forma por outro, toda a reunião complica-se, sendo operada, poeticamente, ou tecnologicamente11 . Neste último caso potencia-se uma certa violência da «alquimia» que tinha a ver com o «desprezo» pela matéria, que ainda ficará mais «inerme» e inerte depois do seu desaparecimento. Do ponto de vista poético, privilegia-se uma outra tendência, que tem a ver com os fenómenos de «conversão» ou «transformação incorporal» dos corpos e, finalmente, da «realidade». Falámos de dissociação, mas talvez mais correcto falar de uma «explosão» da alquimia, cujos fragmentos se projectam em várias direcções, de que destacaremos as seguintes: a) o nova plasticidade da matéria; b) o aparelhamento estético do mundo e c) o retorno perverso da «magia» ou seja, do operativismo alquímico. Passemos, agora, ao segundo aspecto, relativo à «forma» ou «ideia». Do que dissemos anteriormente depreende-se que nunca acedemos à matéria directamente, mas apenas através das formas em que se nos apresenta. Postulamos ainda que essas formas foram preparadas teologicamente e metafisicamente. O que a escrita, em primeiro lugar, e depois as tecnologias de registo fizeram, foi estabilizar as formas, e dar-lhes uma certa materialidade. Toda uma estratégia tipográfica está aqui em acto. O que implica que, ao mesmo tempo, se criaram novos objectos, baseados em puras «formas», como é o caso hoje do digital, reduzindo-se tudo à actualização. No fundo é essa a definição do virtual15 . Esta tendência, que se afirmará de modo absoluto a partir de meados do século XIX, tem origem nos processos de conversão estética, no simbolismo, que se apropriaram do proteísmo alquímico. Eis um projecto que se deve basicamente aos românticos e que Stirner sintetizou numa frase lapidar: «Os Românticos, sentindo quanto o abandono da crença nos espíritos e nas aparições comprometia a crença no próprio Deus, esforçaram-se para conjurar tão desagradável consequência; com isso em vista, não somente ressuscitaram o mundo maravilhoso das lendas, como acabaram por explorar o "mundo superior" com os seus sonâmbulos, os seus videntes, etc.» (Stirner, 1845: 34-35). Surge assim um mundo das formas, intensamente experimental. O abstraccionismo e as diversas geometrias estéticas, bem como as formas biológicas contemporâneas, constituem verdadeiros laboratórios de «formas». Esta tendência é hoje inteiramente assumida pelas artes digitais que nela se fundam e a intensificam. É essa a tese de Peter Lunenfeld, por exemplo, que considera que « as artes digitais podem reatar com a abordagem alquímica da imagem, dando-lhe um novo vigor »16 . Esta tese parece-me decididamente perigosa, quando a imaginação se fundiu com as máquinas digitais. Isso apesar de todas as resistências, como as de um Godard, sobre o qual diz Mondzain: «As História(s) do cinema constituem o manifesto de apresentação do gesto cinematográfico como uma arte manual ao serviço de um fazer mover - mover o pensamento numa relação enigmática com o invisível, rompendo imperiosamente com todas as indústrias do fazer ver e do mostrar tudo, servidoras bem comunicantes de todo o tipo de ocultações» (Mondzain, 1998: 97)». A «Grande Obra» dos alquimistas acabava por se reduzir à maquinaria da imagem, que infinitamente a apelava e, ao mesmo tempo, a fazia recuar e a diferia. Tudo isso agora é jogado pela tecnologia do virtual, que opera sobre todas estas questões, ao mesmo tempo17 . A transcendência alquímica é capturada pelo saber do código, que a domina totalmente, jogando-a como simples diferença de nível. É esta a debilidade das teses de Deleuze sobre o «virtual» considerado como «ainda» não-actual. Ao invés, trata-se de obliquar, de declinar, e é essa a nova lógica que o vanguardismo deste século nos propôs. Estamos perante uma nova «lógica da conversão»18 . É certo que a conversão sempre teve algo de mágico, acima de tudo porque era largamente incontrolada, como ocorre, exemplarmente, na «patafísica» de Duchamp19 . A acusação de misticismo e a denúncia da alquimia enquanto magia tinham justamente a ver com a evidência de que a alquimia não «controlava» as passagens e as metamorfoses explicitamente visava. A conversão «digital» é, por seu turno, absolutamente controlada, não deixando resíduo. O esquema do controlo, cujo modelo é a passagem da possibilidade ao actual, que é a base da técnica, culmina com tal «pureza». Para além desta, tudo o mais apresenta-se como simples ilusão, à semelhança da conversão quixotesca dos moinhos de vento em gigantes. Mas este é apenas o momento moderno. Em Cervantes sonhava-se o «real» para o voltar contra o imaginário. O que acabou por ser uma vitória de Pirro, na medida em que em que o espaço imaginário, mais do que ser destruído ou controlado, acabou por ser capturado pelo espaço da «imagem», de que a lógica digital constitui a economia geral20 . Os alquimistas fundaram e fixaram uma ciência das passagens do invisível ao invisível, sob a ordem do invisível, que acabou por entrar em crise com a maneira como os modernos reduziram tudo ao visível, ao positivamente dado. O «invisível» torna-se no que não é visível ainda, um visível opacificado pelo que está efectivado, i.e. as possibilidades actualizadas. A oposição real e «irreal» é constitutiva da maneira como os modernos procuravam gerir racionalmente o real e as «suas» passagens. O facto da divisão entre real e ilusório ter entrado em crise tem enorme importância. Do ponto de vista do «realidade virtual», ou das imagens sintéticas, os objectos digitais em geral, essa diferença perdeu significado. A isto não é alheio o facto da «forma» ter sido exorbitada pontos de «incluir» no seu interior todas as divisões e categorias clássicas. Se o «real» e « irreal» se confundem, o mesmo ocorre com a «forma» e a «matéria». Como se estivesse em curso uma paradoxal «materialização» da forma21 . Nem «matéria» nem «forma», o que está em causa é o surgimento de «estados» intermédios, em que o «híbrido» domina. A economia digital a contemporânea é a consequência deste movimento contraditório, que faz com que a plasticidade total da matéria acarrete a «formatação» da matéria, enquanto que a «forma» absoluta se torna a única matéria, que se torna num momento da sua «dialéctica». Na sua máxima efectividade isso acarretaria um controlo absoluto de todas as passagens, metamorfoses e mudanças, restando alguma margem de liberdade apenas no aleatório e no acaso22 . Que cada uma destas tendências levadas ao extremo se tornem no seu inverso e, portanto, uma na outra, explica o terceiro aspecto, concernente à reemergência da alquimia, como metáfora do imaginário tecnológico. O aumento da aleatoridade, a impenetrabilidade das «caixas negras» cibernéticas, tendem a conferir uma natureza mágica à tecnologia, levando à sensação difusa de que uma «nova alquimia» está actuante na tecnologia. Na verdade, parece ser esta figura que vigora no domínio dos «interfaces». Vários indícios permitem pensar que o comportamento mágico associado à mística alquímica está a disseminar-se, sendo agora canalizado para o interior dos dispositivos racionais. Sendo estes absolutamente racionais e lógicos, isentos de qualquer ambiguidade, no seu operar, são absolutamente alucinatórios e mágicos ao nível dos interfaces. Como se a ligação dos computadores e a experiência só pudesse ocorrer através da apropriação do operativismo «mágico» da alquimia, que James Frazer descreveu excelentemente em The Golden Bough. Frazer considera que é a associação mágica entre «meios» e «fins» é regida pelas «leis» da similaridade e do contágio, mas acima de tudo pela inadequação dos meios e dos fins. Nesta leitura racionalista a alquimia é uma «magia» pois não controla os percursos que vão dos meios aos fins. É por isso que os meios são «insensatos»23 . Ora, o que parece caracterizar a «magia» actual é menos tal inadequação de que a performatividade de processos que onde a distinção entre «meio» e «fim» tende a apagar-se. A crítica da Wittgenstein às teses de Frazer, que acentuam uma eficácia simbólica na magia, que fica intocada pela destruição racionalista, é aqui de pouca utilidade. Sendo largamente metafórica, a alquimia actual implica uma eficácia pós-simbólica, que parece reger a «lei das atracções» contemporâneas. Com efeito, este fenómeno está em consonância com o funcionamento do dispositivo óptico contemporâneo, com que culmina o aparelhamento estético do mundo. O que tem a ver, em última instância, com a «imagem». É esta a tese de Vilém Flusser. Para ele «a luta da escrita contra a imagem, da consciência histórica contra a consciência mágica caracteriza a História toda» (1983: 15-16). De acordo com Flusser a «teoria» e, em geral, a escrita, procuravam controlar as imagens, que lhe são, assim, anteriores. À medida que os programas racionais constroem máquinas que produzem imagens técnicas, ocorre um novo descontrolo das imagens, que ressurgem na «pós-história». O efeito é um «fascínio mágico» (sic) provocado pelas «imagens técnicas» que tende a afectar a totalidade da experiência. Neste sequência, para Flusser, «a nova magia não visa modificar o mundo lá fora, como o faz a pré-história, mas os nossos conceitos em relação ao mundo. É magia de segunda ordem: feitiço abstracto. Tal diferença pode ser formulada da seguinte maneira: A magia pré-histórica ritualiza determinados modelos, mitos. A magia actual ritualiza outro tipo de modelo: programas. Mito não é elaborado no interior da transmissão, já que é elaborado por um "deus". Programa é modelo elaborado no interior mesmo da transmissão, por "funcionários". A nova magia é ritualização de programas, visando programar seus receptores para um comportamento mágico programado» (1983: 36-37). Os aparelhos, as máquinas, parecem estar dotados de «forças inefáveis» (sic), que a escrita (ou a teoria) já não conseguem exorcizar. A consequência da exorbitação do racionalismo é, então, a vigência de uma magia, que explica muito do actual retorno da «alquimia» enquanto «paradigma» da economia generalizada do digital. Mas está mais em causa o seu funcionamento que os seus produtos. E esse funcionamento tende a ser alucinatório. Em suma, ligamo-nos a «aparelhos», a drogas», a «imagens», de modo completamente imperceptível, que alguns gostariam de definir como «inconscientes»24 , mas cujo modelo é primordialmente estético. De certo modo, a «magia» tinha sobrevivido subterraneamente, nomeadamente nas estratégias de implicação atractiva e alucinatória que está, desde sempre, associada às artes. Daí que Brecht tenha proposto a «distanciação» como forma de combater essa magia dissimulada. Tentativa vã, se é verdade, como diz Roberto Calasso, agravando as tese de Flusser que a circunscrevia à imagem, que «a magia é interior a toda a palavra, na medida em que nomeia uma ausência» (1991: 241). O carácter mágico associado à técnica tem a ver menos com a metamorfose de objectos ou substâncias, do que com a operação directa sobre passagens e ligações, cujo modelo primordial é o das relações entre visível e invisível, que regeu toda a história ocidental. Não é possível dizer como se opera uma passagem ou uma ligação, mas apenas que «algo se passou» ou que se «está ligado a algo». O mundo dos interfaces é o mundo da ligação estética. Não é por acaso, portanto, que seja de um poeta, de Rimbaud, que vem uma crítica radical à sublimação estética da alquimia. Rimbaud na carta dita do «Voyant», refere o problema da visibilidade e do invisível, inscrevendo-o nos românticos: «Os segundos românticos são muito videntes: Th. Gautier, Leconte de Lisle, Th. de Banville. Mais por ser a inspecção do invisível, a escuta do inaudito, coisa bem distinta do repegar o espírito das coisas mortas, Baudelaire é o primeiro dos videntes, rei dos poetas, um verdadeiro Deus. Viveu, contudo, num meio demasiado de artista; e a forma por que é tão elogiado é mesquinha: as invenções do desconhecido reclama formas novas» (OC, 253-254). Algo de novo é exigível ao nível da «forma», mas também da «matéria», pois Rimbaud defende que o «futuro será materialista» (ib., 252). Em Une Saison en enfer Rimbaud afasta-se da sua «alquimia do verbo», talvez porque falhava o «mundo», a matéria, demasiado centrada, portanto, sobre o «verbo», jogando com a visibilidade fixada já que «as velharias poéticas eram uma grande parte de mina alquimia do verbo» (ib., 108). Trata-se de uma «habituação» à «alucinação simples» (ib., 108) que era uma «alucinação das palavras» (ib.), que se alimentava do «desaparecimento» do azul tornado negro, da luz, tornada «natural», das «várias vidas» em dívida na vida que se tem. Mas, conclui ele: «Isso é passado. Hoje sei saudar a beleza». (ib., 112). Em vez da «luz» alquímica, quase inteiramente capturada pela luz eléctrica - em vez do azul celeste escurecido pelo azul eléctrico -, temos o refulgir da beleza nas coisas. A critica da alquimia é feita pela poesia, que abrange a totalidade da existência. A poesia deixa de ser de ser gratuita, lart pour lart, como nos modernos, deixa de ritmar a acção, como nos gregos, agora: «A poesia não se limitará a ritmar a acção, ela está à sua frente» (ib., 252). Rimbaud anuncia um programa político que permanece preso de uma ambivalência essencial. A superação da «magia» tem de ser feita reconhecendo a sua inexorabilidade. Não é possível sair dela nem permanecer dentro dela. Será este o programa que o pensamento mais radical do século XX irá desenvolver. É em Mallarmé que encontramos a posição terminal sobre este assunto. Dada a sua importância dediquemos-lhe algumas linhas. Num dos poemas em prosa, significativamente intitulado «magia», Mallarmé procura explicar as razões porque o «demoníaco» domina «bizarramente» na modernidade «vã, perplexa, fugidia». Em consonância com Huysmans, também ele pretende a «denunciar» a sobrevivência do «sabat», do «bando restaurado das gárgulas e das figuras infames» (oc: 399)25 . «Petrificação», «estagnação» das figuras que é inseparável de petrificação da religião («legislação petrificada romana»). Mallarmé fala de «missa negra mundana», de uma «emprise» da «magnificência no mal» sobre o público, afectando toda a vida. O «mal» deve ser encarado como a «divisão», desde sempre diabolizada pela teologia, mas que é salvo, embora apenas esteticamente, por Baudelaire. Interessam-nos mais os seus efeitos: uma espécie de sortilégio ou fascínio sobre os homens. Mallarmé não tem quaisquer ilusões sobre a possibilidade de poder abolir a «magia». Trata-se quanto muito de encontrar outras formas de dividir, basicamente «incorporal» ou «imaterial». Será preciso responder à «alquimia» antiga com outros meios, para escapar à «missa negra» do demoníaco: «Alguma deferência para com o laboratório extinto da grande obra, consistiria em retomar - sem o forno -, as manipulações, venenos, arrefecimentos, de outro modo que não o das pedras, para continuar através da simples inteligência». Tal «deferência» não tem nada de arbitrário, sendo necessária. Não está em causa a «matéria» mas as ligações em que circula. O que ocorre de maneira dupla, como poesia ou como economia política: «aberta À pesquisa mental existem apenas duas vias, no total, onde a nossa necessidade bifurca, a saber, a estética de uma parte e também a economia política: é de esta perspectiva última, principalmente, que a alquimia foi o glorioso, precipitado e confuso percursor». Trabalho em busca de ouro, eis o que anuncia a «pedra nula, que sonha o ouro, dita filosofal», reduzida ao crédito, à finança, em suma, à «humildade da moeda» (399-400). A poesia é uma crítica da economia política, desvelando na transformação de tudo em «dinheiro» a alquimia moderna. Paralelamente a Marx, que diz praticamente a mesma coisa, a transformação em «ouro» acaba por ser a da economia monetária, em que tudo é intercambiado em «moeda». A famosa «pedra filosofal» tem, assim, a sua realização na economia política moderna26 . Tudo se joga, portanto, em conseguir seguir a outra via, a da «estética», mas Mallarmé está consciente de que entre uma e outra há demasiadas afinidades. Daí necessidade de encontrar outras afinidades, pois «existe entre os antigos procedimentos e o sortilégio, que a poesia continua a ser, uma secreta paridade». O procedimento mallermeano passa por «Evocar, numa sombra voluntária, o objecto silenciado, através de palavras alusivas, nunca directas, reduzindo-se a algo igual ao silêncio, o que comporta uma tentativa próxima do criar: verosímil no limite da ideia única que o encantador das letras põe em jogo, até que cintila uma ilusão similar ao olhar. O verso, traço encantatório! e, sem com isso negar o círculo que perpetuamente encerra, a riam abre uma similitude com as voltas, no meio da erva, da fada ou do mágico. A nossa ocupação - a dosagem subtil de essências, deletérias ou boas, os sentimentos» (OC: 400). Os traços da pseudo-alquimia que a poesia explora são antitéticos dos da economia política, em que tudo é igualizado pelo «ouro», instaurando uma dialéctica mortífera entre a ligação singular e o abstractor geral que é o dinheiro. Sem podermos analisar mais profundamente, ponha-se em relevo: a não apropriação, a reserva, a indirectividade, tudo dominado pela «ideia», a imagem, onde ilusão e olhar se tornam indistintos. Máxima materialidade, portanto, aliada a uma ciência das «passagens subtis», das «quantidades» mínimas. A magia que a poesia já não é, mas que salva, afecta a vida, o mundo. Mas para isso é preciso evitar a divisão falsa entre real e irreal, entre real e ilusão, para poder ser tão efectiva quanto a economia política. Tudo indica que, para Mallarmé a divisão «real» vs «ilusão», corresponde a uma má alquimia: «erra aquele que, a partir desta arte, opere com cegueira um desdobramento: ou separa, para as realizar numa magia paralela, as deliciosas, pudicas - e, contudo, exprimíveis metáforas» (OC. 400). Mas reduzir-se-à a divisão ao «demoníaco» moderno, já denunciado por Baudelaire? Não será necessária uma outra divisão, como aquele que opõe estética e economia política, essa «alquimia de Midas»? Trata-se de redividir esta divisão, instabilizando a própria «economia política»27 . A coisa é tanto mais grave quanto se verifica a instalação de uma economia geral, implicando uma crise da monetarização, induzida tecnicamente28 . Constata-se um padrão sistemático na maneira como Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé fazem a sua crítica, algo desencantada, da alquimia. As similitudes entre a economia política e a estética, só podem ser abaladas pela crítica do sublime tecnológico, que é o herdeiro do sublime estético. Este último é a origem oculta da síntese alquímica contemporânea, enquanto que o cyberspace é a síntese prática da alquimia. Mesmo Pessoa, que prosseguia o esforço de Mallarmé na busca de fundar uma outra forma de relação à existência, deixa-se enredar na fixação estética da alquimia, apesar das ambiguidades que vai introduzir que complicam o jogo com o «consciente» alquímico. É por isso mesmo que, para Pessoa, a «alquimia, que não é mais, como hoje claramente se sabe, do que uma linguagem simbólica»29 . Mas esta linguagem tem o seu operativismo que só pode ser apreendido pelo recurso à própria alquimia num momento em que mera «linguagem». Sobre este elemento operativo afirma: «os elementos que compõem a matéria têm um outro sentido: existem não só como matéria, mas também como símbolo. Há, por exemplo, um ferro-matéria; há, porém, e ao mesmo tempo, o mesmo ferro, um ferro-símbolo. Cada elemento simboliza determinada linha de força supermaterial e pode, portanto, ser realizada sobre ele uma operação, ou acção, que o atinja e o altere, não só no que é elemento, mas também no que é símbolo. E, feita essa operação, o efeito produzido excede transcendentalmente o efeito material que fica visível, sensível, mensurável no vaso ou aparelho em que a experiência se realizou»30 . A «operação alquímica» opera mais que «materialmente» sobre a matéria, indo mais longe que a sua «transformação» ou «domínio» enquanto matéria. Ela integra a «matéria» no circulo que une matéria e não-matéria, círculo que Pessoa denomina como o «caminho da serpente», englobando causa e efeito. É por isso que «o alquímico, ao operar materialmente quanto aos processos mas transcendentemente quanto às operações, sobre a matéria, visa a transformar o que a matéria simboliza, e a dominar o que a matéria simboliza, para fins que não são materiais»31 . São esses «fins» meramente estéticos? Também o são, mas a «estética» da Pessoa é a de uma passiva entrega à vida, que exige a crítica do operativismo. No caso da «alquimia» isso implica abalar o seu carácter «mágico», exige uma crítica do seu poder alucinatório, que, misteriosamente, a caracteriza. Daí a necessidade de dissipar os efeitos disruptores que faz da poesia uma análogo da «alquimia». Pessoa não temo dúvidas de que, no seu exacerbamento romântico, ela alimenta «especulações venenosas, da razão demoníaca da metafísica». Mais ainda, a própria metafísica acaba por ser uma forma de «alquimia« nos seus efeitos mais febris, de negação da vida, tornada e, simples «matéria» a transfigurar. Como ele afirma: «Perdi-me pelos sistemas secundários, excitados da metafísica sistemas cheios de analogias perturbantes, de alçapões para a lucidez, pondo paisagens misteriosas onde reflexos de sobrenatural acordam mistérios nos contornos»32 . Ou então: «..a minha vida passou a ser uma febre metafísica, sempre descobrindo sentidos ocultos nas coisas, brincando com o fogo das analogias misteriosas»33 . No entanto, esta divisão «demoníaca» é necessária, não contra as coisas ou a «matéria», mas para lhe acrescentar «algo», quase incorporal, que é essencial. Apesar das diferenças que sublinhámos, Pessoa não está longe da maneira como Victor Hugo usava o espiritualismo como forma de «abrir» o mundo, ou do «visionarismo» de Yeats, ou da numerologia de Mallarmé, todos visando escapar à asfixiação da «presença», da positividade. Mas a diferença entre a existência e a poesia corresponde a uma má divisão, que copia a divisão alquímica entre o mundo superior e o mundo inferior, exigem um duplo caminho, o da analogia e o da dialéctica: «Assim como a inteligência dialéctica, que tem por nome razão, domina e compõe todos os elementos, com que se forma o conhecimento científico, assim também a inteligência analógica, que não tem nome especial, domina e compõe todos os elementos de que se forma o conhecimento oculto»34 . Se isso tem perigos, como vimos, é porque se leva a «alquimia» a sério, quando ela é um dos modelos do poético enquanto operação de fascinação. No fundo, Pessoa precisaria de uma outra concepção da matéria, e da natureza da imagem. Ora, a sua posição é, em muitos aspectos, demasiado tradicional: «A química oculta, ou alquimia, difere da química vulgar ou normal, apenas quanto à teoria da constituição da matéria; os processos de operação não diferem exteriormente, nem os aparelhos que se empregam. É o sentido, com que os aparelhos se empregam, e com que as operações são feitas, que estabelece a diferença entre a química e a alquimia»35 . Não basta dizer que a alquimia é a matéria mais o «sentido», pois a química não é mais do que isso. É preciso atacar a maneira como a metafísica «constituiu» a matéria, que é uma «imagem» metafísica da Physis, que possibilitava a operação alquímica, como possibilitou a química, e que hoje suporta uma infinidade de outras. O que significa que só nos aproximamos da Physis através de uma «imagem», nomeadamente da matéria. Onde está o elemento humano é na diferente constelação do elementar, em outras e diferentes ligações, alterando aquelas que operam sobre a existência, desvirtuando-a ou lesando-a. Basta pensar nas próteses que vão invadindo a carne para reconhecer que só porque a carne é ideada maquinicamente é possível extrair dela máquinas, o que pouco parece ter que ver com a magia dos Golem ou dos Frankenstein. Daí a necessidade de um «apagamento» da alquimia e a sua «vontade» de domínio, o que implica uma «sublimação», que Pessoa faz assentar no génio: «O génio é uma alquimia. O processo alquímico é quádruplo: 1) putrefacção; 2) albação; 3) rubificação; 4) sublimação. Deixam-se, primeiro, apodrecer as sensações; depois de mortas embranquecem-se com a memória; em seguida rubificam-se com a imaginação; finalmente se sublimam pela expressão»36 . Por tal sublimação tudo se «evapora», sem deixar outros traços que não seja o puro «estar-aí», em que a «expressão» se torna em coisa. Daí a insistência de Pessoa na «imperfeição», no «inacabamento» do operar humano. A «alquimia» é, quanto muito, «expressão» histórica da vontade de ir além da existência, que se apaga a si mesma na maneira como se cristalizou em figuração da «Obra perfeita»37 . A radicalidade do projecto de Pessoa está por avaliar, mas tudo indica que ele estava no prolongamento do esforço dos românticos, embora cortando com o misticismo que o animava. Semelhante ruptura só teria sentido dentro de uma outra concepção da matéria e da imagem. Como mostrámos já, máquinas como a fotografia ou o fonógrafo fazem da «imagem» e da «forma» mais matéria trabalhável. Isso é bem apreendido por Sherrie Levine: «as imagens que faço são na realidade fantasmas de fantasmas; as suas relações com as imagens originais é de terceira ordem, i.e., três ou quatro vezes afastadas. No momento em que uma imagem se torna numa reprodução já foi refotografada várias vezes. Quando comecei fazer este trabalho pretendia fazer uma obra que se contradissesse a si própria. Pretendia pôr uma imagem sobre outra imagem, de maneira que, às vezes, as duas desaparecessem e outras vezes se manifestassem as duas; é esta vibração que constitui aquilo que uma obra é para mim - o espaço intermédio onde não existe ainda imagem». Sherrie Levine está a intervir num processo que está a ser determinado inteiramente pela técnica. Se calhar da única maneira possível, inflectindo os procedimentos por ela conduzidos. O que exige, como diz Levine, um «espaço intermédio», dificilmente pensável, mas que constitui o verdadeiro suporte das operações «alquímicas» dos contemporâneos. É a procura deste espaço que constitui a novidade de Marcel Duchamp, em que a alquimia sobrevive «inconscientemente». É certo que encontramos nas obras, e na gesta de Duchamp, «imagens» pedidas de empréstimo à alquimia, reveladoras das duas maneiras em que a «alquimia» se cindiu - pura «imagem» ou «matéria» bruta, e do tipo de procedimentos aqui implicados. Mas também encontramos um nova ponderação do «alquímico», consistindo basicamente no privilégio dado à «operação alquímica» da «metamorfose» ou «conversão», que vai bem mais longe que a sua forma «estética» que, pelo menos desde Baudelaire, se entendia como uma espécie de «transfiguração» da matéria ou da existência. A «transfiguração» era sempre o efeito do invisível sobre o visível, mas também o operar de uma hierarquia que privilegiava o invisível sobre o visível. A metafísica de Duchamp é bem mais radical: está em causa um fenómeno de «conversão» que vai do visível ao visível, que ocorre inteiramente dentro do visível, afastando-se de toda a estratégia alquímica, e também a do simbolismo que imperou no século XIX. Neste sentido, a «alquimia» por muitos atribuída a Duchamp tem a ver com a maneira como ele alterou o dispositivo da visibilidade, que denominava por «aparelho retiniano». Foi nos ready-made que o procedimento duchampiano mais impressionou, e que foi bem mais importante que a presença de algumas metáforas alquímicas na sua obra. O famoso caso do urinol enviado para a exposição da «New York Society of Independent Artists» em 1917, como o título de «Fountain», é paradigmático. À primeira vista, o que Duchamp fez ao nomear o objecto em série e ao «singularizá-lo», desinseri-lo da série, teria sido uma espécie de conversão «estética», regida por motivos alquímicos. Ora, o famoso «urinol» sofreu uma metamorfose ou transfiguração, em jogo com o estético, mas que não é, em si mesma, estética. Não se trata conferir aura estética a uma objecto banal, produzido em série, mas de atingir a própria aura, de mexer na aura, tal como foi capturada pela estética. Restituindo dela aquilo que tem de inapreensível38 . O que implica uma crítica das formas de «aurização» que a instituição estética uma e outra vez cria ao querer aboli-la, mesmo sem se dar conta disso, pois pensa estar a tratar de «valores». Mas é justamente a conversão moderna da «aura» em «ouro» que faz da arte uma paródia da alquimia39 . De qualquer forma, os ready-mades são o efeito de «conversões» incorporais de objectos que são alterados sem mudança nem de matéria nem de forma40 , não admirando que se veja em Duchamp uma espécie de «alquimista» contemporâneo. É o caso de Dew: «Com este urinol, Duchamp realizou um acto de alquimia, tornando o chumbo em ouro. Com os seus "ready-mades", construído a partir de objectos "encontrados", as coisas do mundo brilham com uma aura de cor. Textura e forma até então não vista». A maneira como o próprio Duchamp, sempre muito reservado sobre os seus procedimentos, se relaciona com a alquimia, corresponde à necessidade de responder à cisão que na modernidade cindiu a matéria e a forma. Trata-se de uma nova materialidade, que parece dever muito a uma certa reassunção paródica da alquimia, mais do que uma aplicação de procedimentos similares aos alquímicos. É evidente que em Duchamp existem ligações enigmáticas entre objectos, palavras, imagens e desejos dispersos, cuja associação não se descortina à primeira vista. Funcionam ou não41 . Daí que pareça alquímico o processo duchampiano de associar «coisas» dispersas através de ligações subtis, cujos percursos ficam em reserva, fora de qualquer apresentação, num espaço que excede toda a topologia instalada. Neste contexto percebe-se que, a partir dos anos 60, essa linha de leitura se tenha vindo a impor, ganhando grande evidência com Arturo Schwarz, no seu monumental livro The Complete Works of Marcel Duchamp, sendo depois seguido nesta via por uma série de outros autores42 . Trata-se de uma questão indecidível, que levou Calvin Tomkins a falar das leituras «alquímicas» como uma «wrack of nonsense» à procura de «cifras» secretas43 . De qualquer modo, não pode ser casual que a obra de Duchamp pareça sustentar esse tipo de interpretações. Por um lado, como o próprio Tomkins reconhece, Duchamp afirma que em 1910, em Paris, a «alquimia estava no ar» (ib., 456)44 , embora tenha afirmado, muito mais tarde, que nunca tinha lido qualquer texto alquímico (ib., 457). Parece ser clara a inexistência de qualquer prova da presença da alquimia em Duchamp, e, mais ainda, que seria impensável que esta última pudesse sobreviver ao humor duchampiano. Daí que tendamos a concordar com a afirmação de John Golding: «Se a alquimia interessou Duchamp é porque esta viu nela uma espécie de xadrez cósmico, um sistema de pensamento especulativo, metade ciência, metade arte, no qual as ideias eram constantemente formuladas, sem nunca conseguirem atingir, por definição, uma conclusão definitiva ou positiva». Tal como sucede com Pessoa conta mais o introduzir da imperfeição ou do inacabamento no feito e perfeito, ou no acabado, do que a «alquimia» que, justamente, era uma metáfora da perfeição e do acabado. Seja como for, a «alquimia» constitui uma boa metáfora para trazer à luz do dia os agenciamento do pensamento Duchampiano. Neste sentido é absurda a redução da «alquimia» duchampiana a uma «operação simbólica», como faz Arturo Schwarz: «A alquimia é uma aventura esotérica e exotérica; é uma operação simbólica» (1989: 82)45 . Dissemos já que esta divisão é incapaz de obviar os efeitos de fascinação estética, que as «interrupções» e declinações de todo o tipo obstaculizam. O que implica pôr em causa a «reunificação» alquímica, em que o elemento exotérico corresponde aos procedimentos materiais e os esotéricos aos espirituais. O que significa colocar tudo sob o império da «expressão» estética. A redução da alquimia ao simbólico, para alem de repetir a divisão entre visível e invisível, busca uma unidade que se revela simplesmente imaginária. Está aqui em acto uma mimetologia terminal que partindo da divisão a procura abolir, para atingir um monismo absoluto, de que resultaria a «juventude eterna», a «salvação» ou a «individuação» perfeita, i.e., da «Obra». Ora, Duchamp abala e uma outra vez a «unicidade» da presença, e mesmo a unicidade da imagem com que pensamos a presença, i.e., uma série de dualismos que a metafísica articula unitariamente. Daí o absurdo de se pretender que a alquimia duchampiana procura abolir todos os dualismos, de que o exemplo seria o da «sexualidade». Esta é a matriz romântica, que insiste no «andrógino», mas que desde Mallarmé está radicalmente posta em causa. No seu argumento a favor do alquimismo duchampiano, Schwarz esforça-se por colocar Duchamp neste quadro. Diz ele: «A individuação no sentido alquímico, implica a abolição da dualidade conflituante do masculino-feminino dentro da reconquistada personalidade integral do Anthropos gnóstico, i.e., o andrógino original - o Homo Maior dos tempos místicos, o Rebis (a coisa dupla) do alquimista» (id., 83)46 . A tese de Schwarz depende da «prova» de que em Duchamp está presente o mito do hermafroditismo, sob a forma do desejo de relação incestuosa irmão-irmã (Suzanne, irmã de Duchamp). Reduzir «alquimia» à problemática do andrógino é um exagero que se baseia na ideia de superar os «dualismos»47 . É certo que encontramos em Duchamp uma permanente reflexão sobre a sexualidade e os géneros, mas que se prende a uma outra tradição. Duchamp reata com um motivo que vem, pelo menos, do Banquete de Platão e que se tornou dominante no século XIX48 . Está em causa, primordialmente, a erótica enquanto problemática das ligações. No uso da «sexualidade» como metáfora do erótico, Duchamp repete, para o transformar, esse motivo oitocentista, o que se explica pela facilidade com que a divisão sexual tende a dominar a «erótica» Ocidental - que nos gregos tratava das ligações entre os homens livres, e nos medievais entre os senhores e os escravos, que a modernidade deveria abolir (Hegel)49 . De qualquer modo os «ligações» foram codificadas segundo uma enorme diversidade de figuras, sem que nenhuma delas possa esgotar o fundo político da erótica. Por seu lado, Schwarz recorre à sexualidade para sublinhar o imperativo de uma «ligação» perfeita, que somente a alquimia permitiria pensar50 , de que a estética seria a forma actual51 . Embora procure interpretar Duchamp à luz desta tese geral, Arturo Schwarz escolhe como obra de referência uma pintura de 1911, «Young Man and Girl in Spring»52 . Toda a estratégia consiste em «provar» a presença em Duchamp do monismo alquímico, recorrendo para isso a uma série de motivos herméticos e gnósticos, utilizados um pouco ecleticamente, e exorbitantemente. Para isso sublinha uma e outra vez a presença de uma nostalgia de fusão entre «homem» e «mulher», que levaria à superação desde ambas figuras na imagem do «andrógino», que, alegoricamente, corresponderia a um motivo alquímico. Ora, independentemente da maneira como Duchamp se apropria da tradição alquímica, e de muitas outras, o que orienta o seu trabalho é justamente a divisão, a separação. Não por si mesmos, mas como efeito do espaço onde se joga o que separa e une, ao mesmo tempo, criando sempre novas singularidades. É mais contra a rigidez da forma que ele se volta do que outra coisa. Mas a forma deve ser entendida como uma «matriz» que aprisiona a matéria e esta matriz baseia-se justamente na divisão entre forma e matéria. Não se trata, portanto, de unificar, mas de intervir em toda a latitude deste eixo metafísico, afectando ao mesmo tempo a união e a divisão. Daí que em Duchamp tudo ocorra pela evitação do «contacto» directo, fazendo com que todo o contacto ocorra através de passagens enormemente complexas. Quanto muito no quadro analisado por Schwarz está, alegoricamente, uma outra relação entre «forma» e «matéria», salvando a primeira do retiniano e a segunda da brutalidade da técnica. É isso mesmo que a erótica duchampiana deveria permitir apresentar, ao mesmo tempo que se afirma como necessária. Por outro lado, a pintura escolhida por Schwarz corresponde a uma fase «simbolista» do primeiro Duchamp, que seguirá depois outra, por ocasião dos Ready-made e do Grand Verre. Seja como for, mesmo neste caso não se descortina a «união», mas antes a divisão perante uma «união» do presente caracterizado por uma visibilidade opacificante ou por uma plasticidade absoluta da matéria. É isso mesmo que faz dele um dos últimos grandes «metafísicos». Não é por acaso que «La Mariée» é o centro da obra, de onde tudo irradia e que tudo atrai para si, desde os ready-made ao trabalho final intitulado Étant donnés. Para além da maneira como a série da erótica é repegada, é importante nesta obra a crítica ao dispositivo óptico: o visível que encobre outro visível, previsivelmente mais importante, sem qualquer recurso ao «invisível», pois tudo está virtualmente aí. A «porta velha» dos Étant donnés oculta algo de essencial, mas que não existiria sem ela. Dissimula-o e, ao mesmo tempo, dá-lo a ver. Todos estes exemplos mostram que Duchamp está para além da estrutura romântica do século XIX, colocando-se para além do visível e do invisível. Schwarz, que é devedor dessa mesma tradição não o pode compreender. Isso só pode ser feito através de novas divisões e outras partilhas, dentro desta partilha metafísica e teológica. Daí que nada seja mais absurdo do que imputar uma « estrutura monística fundamental ao Verre; a dualidade que deriva da divisão física do Verre em duas metades, cada uma da qual com um nome, é abolida» (ib., 96). Ao invés, é o próprio «Verre» que constitui o espaço de unidade e divisão, simultaneamente a coincidência dos contrários e a oposição dos idênticos. Mais do que um estado psíquico, lido pela cartilha de Jung, está em causa a matéria e o seu espelhamento pelo agir, mas também pela arte. Há formas de matéria que são mais sugestivas do que outras, como é o caso do espelho matéria, ou o vidro53 , mas também a imagem, que é assim absolutamente material. As passagens são tudo o que pode interessar, porque a matéria é da ordem da relação - da divisão que une ou da união que divide. A crítica do retiniano encontra-se assim com a matéria, porque esta tem de se desdobrar para evitar a sua opacidade, i.e., a sua excessiva visibilidade. A não ser assim, como se perceberia um fenómeno de que Schwarz se dá conta, sem conseguir verdadeiramente explicá-lo? Estamos a referir-nos à « permanente recorrência do número três no processo descrito por Duchamp. O que não surpreende se nos recordarmos que, na tradição alquímica, este número é o símbolo de Hermes, que, por seu lado, é o protótipo do Filho, o hermafrodita, a radiante lumen novum» (1989: 96). Forçando a leitura, o número 3 corresponderia na alquimia ao símbolo de Hermes, visto como símbolo da unidade. Mas é exactamente o contrário. Hermes é o Deus das passagens. Não seria mais pertinente ver aqui um questionamento da «dialéctica», que obsediou os modernos tardios como foram os românticos do século XIX e os seus herdeiros, os vanguardistas? A dialéctica sem tempo é apenas speculum. O 3 que corresponde à síntese operada no tempo, é agora um efeito de conversão ou passagem que cria uma espécie de síntese permanentemente inacabada ou inconclusa. Não se trata de fazer exactamente o mesmo que a dialéctica fazia - dividir o presente contra si mesmo -, sem recorrer ao subterfúgio do «tempo» nem aos programas que o controlavam? Tal subterfúgio apenas adia o que tem de ser feito aqui e agora, convivendo com o inaceitável, numa espera sem sentido. Ou que destroem tudo pelo furor de uma «felicidade» em falta. Aqueles que retomam a alquimia apenas simbolicamente, acabam por obliterar os caminhos abertos por Duchamp. Vimo-lo com Schwarz, é também o caso de Maurizio Nicosia, a quem se deve um estudo interessante sobre a «alquimia» de Duchamp, centrado basicamente sobre o Grand Verre. Agora é a metáfora da «luz» que legitima a leitura alquimista: «é possível encontrar abundantes traços do interesse muito particular de Duchamp pela luz seja nas suas obras, como em muitas das anotações que escreveu à margem e em sustentação do seu trabalho. A obra mais celebrada e impressionante, conhecida como o Grande Vidro, é uma apoteose da transparência e, portanto, da luminosidade»54 . É certo que existe um motivo da «Luz» em Duchamp, mas dizer que corresponde a um motivo alquímico é ir demasiado longe. Na ambivalência, na divisão duchampiana, sempre paródica, falar de «luz» é também falar da electricidade. Não é esta um exemplo excelente da continuidade da Physis que só de ser usada discretamente, como o revelam os computadores actuais, que não são mais do que máquinas para gerir o continuum da electricidade através de uma série matemática de cortes? Mais ainda: não será o continuum da electricidade demasiado semelhante ao continuum da «vida»? Talvez assim se compreenda melhor a afirmação de que «tal como a invenção de um novo instrumento musical altera o conjunto da sensibilidade de uma época, também o fenómeno da electricidade, originado pelo processo científico em curso, entre outras coisas, poderá tornar-se em utensílio para o novo artista»55 ? Nicosia procurará provar a sua tese, insistindo nos elementos «luminosos» do «gás iluminante» e da «iluminação interna» do Grand Verre. Mas o problema da «luz», hoje, não é já a luz mística de um estado de perfeição final, mas a maneira como o fluxo da electricidade se cristaliza numa imensidade de objectos eléctricos e electrónicos. Como apresentar o fluxo e a sua negação, ou interrupção, que não seja num espaço que nem é o espaço místico da teologia, nem o espaço estável do existente? A resposta está no «vidro» que, pode ser sinal da luz, no sentido de Robert Grosshead ou do Primanto, mas que é, fundamentalmente, uma «obra» (Le Grand Verre) e o que a excede, o espaço em que ela é possível. Questão de matéria ainda, pois para apresentar a própria apresentação é precisa uma matéria que tenha a mesma translucidez ou invisibilidade, mas que ainda é matéria. É o caso do «vidro». Encontramos em Duchamp um materialismo absoluto que poderíamos descrever como grego ou «lucreciano»56 . Situação intrincada, portanto, que não impede que, para Nicosia, estejamos diante de um motivo iniciático, apresentando como «prova» disso um desenho de 1914, em que um ciclista sobe uma linha ascendente, que travessa uma pauta de música, encimada pela frase «avoir lapprenti dans le soleil» (DS, 142). Com o que se comprovaria uma alusão « à fase final da iniciação, o momento em que finalmente o aprendiz recebe a luz. O ciclista que enfrenta esforçado e decidido a subida está na realidade pôr-se à prova»57 . Trata-se de uma interpretação forçada, mesmo se esforçada. Basta lembrar que na mesma época Duchamp cria os «3 stoppage étalon» (1913-1914), onde o motivo é o mesmo que encontramos neste desenho - a anamorfose da «medida» e do «número», e a tensão que a «ideia» e o acaso lhe introduzem. A mesma medida - 1 metro - parece variar, sem nunca isso ocorrer de facto. Por outro lado, a medida varia realmente, se aceitarmos a linearidade do metro-padrão e o mundo racional que ele organiza. Não que o «metro-padrão» não seja uma forma, mas é a rigidez desta forma que tem é uma e outra vez afectada. Jogo entre matemática e vida, como no xadrez, ao mesmo tempo, regrado e casual. Jogo entre curva e recta, entre a leveza da música e a rigidez da pauta, eis o que o ciclista representa. Do movimento circular sai uma recta, e essa recta é representada contra as rectas da pauta, que esperam o arabesco da «música». É o «agir» que sintetiza, quer as rectas, quer as curvas, e em geral todas as formas. Se há aqui um motivo alquímico, tem a ver com as «transformações» que são assim apresentadas. O Grand Verre apresenta de maneira complexa esse movimento de flexão, como se depreende das suas ligações profundas ao quadro de 1912 intitulado «le passage de la vierge à la mariée». Daí que não haja nada mais errado que dizer, com Nicosia, que as figuras presas no vidro implicam que «o Grand Verre é um retrato da imobilidade». Justamente a passagem é mais importante que o movimento, vai mesmo além da oposição entre mobilidade e imobilidade. A stase mística da imobilidade está no interior do movimento e é isso mesmo que permite controlá-lo, embora a nossa cultura tenha tido sempre dificuldade em defrontá-lo. Os nossos heróis, desde o cow boy que saca mais rápido, ao sprinter actual, são heróis da velocidade. O título do Grand Verre - «la mariée mise à nude par ses célibataires, même» - revela o que está em causa. Trata-se de ligações, maquinizadas, que operam automaticamente e nas quais é preciso intervir. Estão presentes dois automatismos: o do desejo e o da lei, que operam transformações mecânicas. A Duchamp interessam outro tipo de «mutações», acima de tudo, a possibilidade de mudar que se deverá encontrar no imóvel e no repetitivo. Este intrincado de relações é ser metaforizado pela erótica. Assim, os celibatários são maquinados pelo desejo, que é o desejo da «uniformidade» (e dos «uniformes») que os prendem58 . Eles desnudam sem poder tocar, lei de interdição, enquanto que o marido, que é maquinado pela Lei, tem direito ao nu sem o desejar, ficando irremediavelmente preso da sua condição. Eles põem a nu sem tocar, enquanto que o marido verdadeiramente toca, desejo interdito. Num instante ínfimo, mas essencial, a «virgem» coloca em tensão o desejo e a lei, tensão essa que é a do seu movimento imóvel de virgem para casada e de casada virgem. Daí que no mesmo espaço, estejam em presença dois tipos de experiência erótica - o masculino, simbólico, da ordem, do poder e do desejo (Luís XIV), maquínico, e o feminino, que é tudo o contrário. Os dois têm de se encontrar num espaço outro que não seja o da «rede» métrica do «real», e para isso são precisas máquinas estranhas e maravilhosas, literárias e poéticas, mas também vitais. Máquinas para ascender e máquinas para descer, que criam um círculo - o da conversão livre, ou a liberdade livre de que falava Rimbaud. Neste drama do desejo e da Lei, o «Grand Verre» constitui um motor erótico, caracterizado pela capacidade de reafectar todas as ligações. Aliás, um dos pontos em que está bem patente o afastamento de Duchamp relativamente ao simbolismo, ainda presente nas primeiras obras, tem a ver com as «máquinas» e outros elementos mecânicos. Na pintura de 1911 comentada por Schwarz elas estão pura e simplesmente ausentes, o que não é o caso do erotismo, que constitui um dos motivos mais permanentes da gesta de Duchamp. Menosprezando a ausência dos elementos mecânicos do quadro, Schwarz acaba por dar uma leitura forçada das máquinas de Duchamp, que se resumiriam a outros símbolos alquímicos59 . Ora, em Duchamp as máquinas correspondem a outra série paralela, que se irá cruzar complexamente com a da erótica, como é o caso do Grand Verre, e que está presente na maioria das suas «obras». Não seria difícil mostrar que aquilo a que as máquinas aludem está presente mesmo nos quadros mais «simbolistas». O mecânico e o vital - o discreto e o contínuo, etc. -, entrando numa estranha dança, podendo dizer-se que se interpenetram, eis o essencial, que é elidido clamorosamente pelas análises de Schwarz. Está em causa uma «ciência das passagens», ao mesmo tempo mecânica e vital. Daí ser inaceitável sustentar que: «Um pormenor comum às duas pinturas executadas durante o Verão de 1912 em Munique, The Passage from the Virgin to the Bride e Bride, revela uma das mais maravilhosas correspondências entre Duchamp e a iconografia alquímica. No centro de ambas as pinturas podemos reconhecer um alambique - o símbolo clássico do andrógino na alquimia. A natureza andrógina da Vierge é, além disso, confirmado por um outro facto; Duchamp escreve que a coluna espinal da Virge é o tipo de árvore, e podemos relembrar outra vez que a árvore é um típico símbolo da bissexualidade» (Schwarz, 1989: 88). Nestas obras, onde a decomposição do «retiniano» é o principal, abalando a sua fixidez para libertar o movimento, seja ele mecânico - nomeadamente pela «apropriação» poética dos métodos de Marey -, ou vital, caso da mudança de estado da «virgem», é nas passagens que tudo se joga. A dramatização em título da «passagem» da virgem a casada tem, de algum modo, a ver com o facto de que a «virgem» é maquinada nessa passagem, mas também que é maquinada porque é maquinável. Eis o que explica que depois de «casada», acedendo a um estado estável, o elemento maquínico prepondere. Claro que, neste caso, por «máquina» deve entender-se, de modo mais global, a «nomeação» e a «Lei» que são verdadeiros operadores de «transformação». A transformação é acima de tudo um efeito de aparição, que se apaga no que está aí, visivelmente dado, mas que permanece, apesar de tudo. Daí que Duchamp insista que "em geral, a pintura é a aparição de uma aparência» (Duchamp, 1982: 36). O interesse de Duchamp por Marey é que lhe serve para metaforizar a instabilidade de cada «estado», em si mesma invisível, mas também que a dinâmica, por contínua e vital que seja, só é apreensível mecanicamente, ou sejam, como uma «série» de estados. Nenhuma mística, portanto, mas sim a tentativa de introduzir no mecânico aquilo que este, por necessidade, tem de negar. Em suma, a passagem do «simbólico» para o maquínico, implica um desaparecimento do «tempo» como questão essencial60 , com o consequente privilegiar do espaço. Os ready-made levam ao extremo a teoria duchampiana das passagens, implicando uma paradoxal «mudança sem tempo», e que as reflexões sobre o «infra-mince» prosseguem. Se pensarmos que para a «dialéctica» toda a mudança apelava ao tempo, percebe-se a profunda radicalidade do materialismo duchampiano. Este materialismo reúne e separa, no mesmo acto, a física e a metafísica. Ou então é uma física metafísica, ou viceversa, que ele, humoradamente, define como «physique amusante» (física divertida) e que já Jarry descrevera como «pataphysique», como dissemos já. Quando as máquinas físicas, acelerando-se, conseguem realizar a metafísica, chega-se a um momento terminal (da metafísica). Parece evidente que Roussel, muito apreciado por Duchamp, que conheceu através de Apolinaire, desempenhou aqui um papel importante, tendo despertado o interesse de Duchamp pelo «Pimandro» de Hermes Trimegisto61 . Duchamp seria sempre mais seguidor de Orfeu62 do que um «alquimista», mas nem mesmo isso é seguro. Só se pode falar de um Orfeu despedaçado, reduzido a pedaços. Seja como for, a «alquimia» possibilitava, quanto muito, um outro sincretismo, que não o «positivista» (o «real» é tudo o que existe) nem o «estético» (só a arte pode salvar o «real» de si próprio»). O que implicava uma «indirectividade» ou «inconsciência» que a leitura alquimista incompreende. Assim, para Maurizio Nicosia «Duchamp fez frutificar as meditações sobre o "Pimandro" de Hermes Trimegisto», que Roussel na sua peça sobre as Impressions dAfrique teria representado pelo cilindro vermelho e o cilindro branco, um que faz precipitar em líquido e outro que vaporiza. Tudo indica que Duchamp, sempre à escuta dos poetas, tenha sido muito influenciado pela peça de Roussel, tendo incluído alguns dos seus motivos nas duas partes do Grand Verre: «Dados (na obscuridade) 1° a queda de água; seja, dados 2° o gás iluminante». Não é significativo, todavia, adscrever a oposição entre a precipitação «natureza húmida» e a elevação para o «vapor» ao Pimandro. Para Nicosia está em causa, também nele, o andrógino, que perpetua um motivo ainda do «Pimandro», que a luz teria uma «natureza masculina e feminina que existe antes da natureza húmida». A conclusão é: «para Duchamp o Grand Verre manifesta o "sinal da concordância" entre os opostos, "o principio gerador imóvel e o mundo em movimento" que se explica por uma «ânsia» pela luz». Aparentemente assim é, mas para isso tem de se anular as referências de Duchamp a um «materialismo actual» (DS236) e à necessidade de acompanhar o «progresso material quotidiano». Em boa medida trata-se da «electricidade», como já fizemos referência, e a capacidade que ela tem de «unir» ou «ligar», criando um novo sincretismo. O «eros» é outra forma de ligar, tendo a ver com o humano, que estava preso da «fragmentação» jurídica e «desejante», o que explica a importância da electricidade em Duchamp. E se nem tudo não se reduz a este motivo materialista, este é essencial. Não é alquimia que conta, mas o que ela sugeria, mas há sempre outras sugestões. A história é também o conjunto das sugestões que ela própria nos lega. Acima de tudo trata-se de reafectar o próprio local onde a alquimia falhou: o mundo. Transformado numa matriz de ligações controladas, tende a fundir-se num imenso dispositivo de automatismo, conduzido pela técnica. Se a alquimia era governada pelo «ouro», que viria sempre no fim de todas as transformações, agora o «ouro» é pulverizado, para banhar todas as coisas com o fulgor da beleza, aqui e agora. O «pó de ouro» do Grand Verre é também o ouro reduzido a pó, e com ele a aura, em que se baseava a mística da identidade absoluta que, afinal, teve o efeito perverso de criar o mundo fragmentado da lei e do desejo63 . É certo que, a propósito da queda de água e do gás iluminante, Duchamp sublinha a necessidade de determinar «as condições do Repouso instantâneo de uma sucessão de factos diversos para isolar o signo da concordância entre este Repouso, por um lado, e, por outro, uma escolha de Possibilidades». O exagero de Maurizio Nicosia é evidente quando analsia o «Repouso» duchampiano como equivalente ao «Um» Platónico, e as possibilidades a «multiplicidade», o que seria «uma variante épocal do princípio hermético de que tudo é Uno» (sic). Ao invés, trata-se de ligar e de desligar, como se trata de queda e de precipitação, numa oscilação incessante. É por isso que Duchamp pretende «apresentar um Repouso "capaz das piores excentricidades"» (Duchamp, 1980: 51). Na «mecânica» de Duchamp, na sua physique amusante, não há lugar para a exorbitação de nenhum «tema», mas a criação de um espaço onde todos são possíveis. Verifica-se, portanto, que a leitura alquimista de Duchamp acaba por desencaminhar-se ao insistir na «unidade». Pelo contrário, para Duchamp tudo vem no duplo e na divisão. O que pode ter interessado a Duchamp é o hermetismo dos alquimistas, a sua «dupla linguagem», que tem sido descrita como «hermética», como sucedeu com Mallarmé e mesmo Roussel, de quem se sentia muito próximo. Mas à diferença de todo o hermetismo, Duchamp procura provocar os mesmos efeitos na máxima «claridade» ou evidência. No caso de Duchamp o «duplo» é necessário, mas não como o outro do Um, seja ele angélico ou demoníaco, mas como divisão do que está-aí, na sua máxima concreticidade, sem verso nem reverso. No arquivo do que está-aí, vigoram, ao mesmo tempo, as figuras da união e as figuras da divisão, apresentadas em obras que as fazem comunicar entre si. Não se trata de escolher entre divisão ou união, mas de manter a tensão das passagens e das suas ligações. Mais do que a unidade é a divisão rege a «erótica» duchampiana. A divisão é necessária porque só nos relacionamos com a «matéria» já formatada, e a ela só podemos aceder através das «suas» formatações. Ora, a «forma» implica sempre uma divisão, mesmo que imperceptível. Neste sentido, mas somente neste, Duchamp é heraclitiano, do mesmo modo que o eram Mallarmé ou Villiers, que liam mal Hegel, por necessidade. Eis a razão porque é absolutamente improvável a existência de um monismo em Duchamp, que o Grand Verre e toda a obra desmentem. O problema não é a matéria, mas uma definição lata da matéria64 . Num texto de 1957, apresentado em Abril de 1957 num debate promovido pela Federação Americana das Artes em Houston, ele refere que «o processo criativo ganha um aspecto inteiramente outro quando o espectador se acha em presença de um fenómeno de transmutação, com a mudança da matéria humana em obra de arte, tem lugar uma verdadeira transmutação» (Duchamp, 1975: 189). O exemplo dos ready-mades mostra que a matéria é sempre formatada, o que exige uma transubstanciação e uma transmutação. Forma e matéria, a serem trabalhadas, declinadas, ao mesmo tempo. Jogo de divisões continuadas onde se inserem ligações e desligações, quedas e elevações, precipitados e sublimações, etc. Isso é possível quando a metafísica se torna física por influxo da técnica. Apesar de algumas similitudes inevitáveis, a «metafísica» de Duchamp é a única à altura técnica, que não se confunde com a «alquimia» realizada que caracteriza o «hipermédia» actual. 4. Na contemporaneidade, da alquimia restam apenas as possibilidades que ela continha de «conversão» e «transubstanciação». O seu modo de restar é «inconsciente», não utilizando dela nem a doutrina, nem a iconologia, nem os procedimentos, mas o gesto de liberdade que a animava em profundidade. O que caracteriza a metafísica de Duchamp e o seu materialismo poético é a atenção rigorosa e lúcida às «passagens», afectando o movimento inercial do «real» e também as «formatações» em que este movimento se estabiliza. Sem superação, nem de um nem do outro. Como disse algures Pierre Klosssowski: «Duchamp era muito subtil» (Jouffroi: 128). Subtilidade que afecta o «real» de modo quase imperceptível - «infra-mince», diz Duchamp - mas decisivamente. Neste aspecto, o pensamento de Duchamp permitiria reelaborar profundamente a metafísica terminal da modernidade, de que as tecnologias do hipermédia revelam alguns elementos essenciais. Estamos a referir-nos à translucidez da «matéria», o «novo vidro», tornada imagem e informação, que faz de toda a matéria algo infinitamente formatável e confere uma nova «materialidade» à forma. Matéria e energia tornam-se revertíveis. O «hipermédia» - que é uma arte das ligações, unindo visível e invisível, presente e ausente, analógico e digital, etc. -, é uma tecnologia que ainda não foi «poetizada», contrariamente à fotografia ou ao cinema, e que teve a sua primeira concretização no Memex de Vannevar Bush (1954)65 . Aquela que é a sua vantagem constitui o seu maior problema. Estamos a referir-nos às associações «livres» entre elementos dispersos, que vão do texto à imagem ou ao som; acima de tudo, à «não-linearidade» das associações. Não é evidente, porém, que alterem muito o estado de coisas. Tudo pode ser associado com tudo, o que faz crescer o acaso para o utilizador, ao mesmo tempo que o controlo pelo programa é total. O interface torna-se crucial por constituir o espaço de apresentação das ligações de série de hyperlinks através de associações mais ou menos temáticas ou atractivas. Quer o aleatório seja controlado pela «figura» quer pelo processamento, tudo isso parece implicar uma queda na linearidade, que a proliferação indefinida de trajectórias mal disfarça. Evitar isso implicaria uma «associação» muito mais «rizomática», não-sequencial nem linear. O problema é se isso altera grandemente a situação. Em suma, todas as ligações são «internas», e resolver isso acrescentando elementos de «concreticidade» externos, mais agrava o problema. Escapar a esta falsa alternativa implica uma «ideia», tese que está longe de ser clara e que está por trás de alguma confusão dos «conceptualistas» americanos sobre Duchamp, como é o caso de Kosuth: «com o "Ready-made" não assistido, a natureza da arte mudou de uma questão de morfologia para uma questão de função. Esta mudança - da «aparência" para a "concepção" foi o começo da "arte moderna" e o começo de toda a arte conceptual". Toda a arte (depois de Duchamp) é conceptual (em natureza) porque a arte só existe conceptualmente" (1991: 18). O problema de Duchamp era mais as declinações de formas «incrustadas» e «impressas» sobre os objectos, a formatação do mundo pela forma matemática e a tradução técnica (eléctrica) esta última. Daí que, mais do que uma «conceptualização», está em causa uma permanente «incisão», de que os ready-made são um bom exemplo: são desfeitos sem perderem nada, a não ser as suas ligações66 . Mudam na trajectória, como o faz todo o bom jogador de xadrez, como era o caso de Marcel Duchamp. Hostis ou, no mínimo, indiferentes ao que fica fora da «estética» - afinal, toda a vida -, os defensores da alquimia «simbólica» tendem a distorcê-la, fazendo dela uma questão estética e, finalmente, psicológica. É bem o caso de Arturo Schwarz, na sua interpretação de Duchamp, que se sustenta pela insistência no carácter «inconsciente» da alquimia duchampiana. A estratégia de Schwarz é típica, tendo sido repetida inúmeras vezes. Para além de análises aparentemente eruditas, que os casos analisados desmentem em boa medida, tudo depende da apropriação «estética» da alquimia, à semelhança dos românticos do século passado, num quadro que procura «superar» as divisões metafísicas através do «Todo é Um» alquímico. Diga-se de passagem que os efeitos políticos são desastrosos, mas comummente praticados: produz-se uma união imaginária, verdadeiro escândalo num mundo de divisões injustas e injustificáveis. Com maioria de razão se essa superação é vista à maneira de Jung, como um trabalho de individuação. Ora, a política é da ordem do comum, como Duchamp muito bem sabe. A alusão possível à alquimia tem a ver, precisamente, com um motivo profundamente político, que Schwarz ignora ao reduzir o problema à arte ou à Psyché67.Está aqui o que Duchamp retém da alquimia, a capacidade para transfigurar, sem destruir, aquilo o que é da ordem do «comum». Não se trata de esteticizar o mundo, mas de intervir nas más divisões, como a de obra de arte e outros objectos, que não são de arte. Daí ser intensamente político o trabalho de Duchamp. No fundo está em causa uma poetização da vida - e é aí que se joga a erótica -, no momento em que a técnica a faz e refaz. Tal poetização é bem similar à exercitada por Joseph Cornell que desenhou as «Green Boxes» de Duchamp, de quem era amigo próximo. Cornell, que procurava a «beleza do lugar comum». Como beleza que faz refulgir a existência, concorrendo com a electricidade; como agir num «lugar comum» onde a política é finalmente possível, e como «banal», aberta a todos, sem excepção. A arte do comum é intrinsecamente política. No momento em que a memória se arquiva nas data bases contemporâneas mais necessário se torna um «teatro poético da memória» que as construções de Cornell apresentam, ligando a vida, as imagens e a poesia, em objectos densos e belos, que na sua limitação, só esperavam o mínimo toque, mesmo que do olhar, para se porem em movimento. Ma não se trata do movimento pelo simples movimento. Mas de mover-se, sabendo parar quando é de parar, e continuar quando é de continuar... ___________ NOTAS
Bibliografia
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