Atribuem-se a Raimundo Lúlio –Ramon Llull no idioma catalão-, ortodoxos testemunhos alquímicos como «Eu seria capaz de converter em ouro mares inteiros, se tivesse suficiente mercúrio». Recordamos esta citação apócrifa para reflectir sobre dois argumentos: a actualidade da alquimia e a errónea filiação alquimista atribuída ao ideário luliano.
Sobre o primeiro argumento seria suficiente dizer que a física de partículas já transformou em realidade o quimérico objectivo perseguido pelos alquimistas de converter o mercúrio em ouro. A conversão não tem o valor económico de antanho, pois os custos ultrapassam os benefícios, mas a experiência demonstra a identidade atómica que subjaz à aparente diversidade material da natureza, orgânica e inorgânica, de modo que, em teoria, é exequível transformar um elemento noutro, modificando a sua configuração atómica. Sob outra forma, esta era a hipótese defendida pelos alquimistas ao realizarem as suas falhadas transmutações. Hoje o processo é viável também no plano biológico; prosseguimos com experiências de intercâmbio da matéria que recordam as pretéritas combinações alquímicas, embora com resultados muito mais satisfatórios, pois sofisticadas técnicas de engenharia genética permitem o intercâmbio das características anatómicas e fisiológicas que possuem os organismos. Esta operação é simples, consiste em extrair do dador o correspondente fragmento génico e uni-lo ao material genético do receptor, de onde se expressará seguindo a correspondente pauta química. No plano unicelular, desenvolvemo-nos com desembaraço, mas o mesmo já não ocorre relativamente à complexidade bioquímica do pluricelular. Desconhecemos ainda numerosos aspectos do problema e, salvo todas as distâncias ideológicas e tecnológicas, não estamos muito longe de alguns enunciados formulados no século XVI por Gian Battista della Porta, designados como magia natural. Compartilhamos com ele ideais e interesses, e as nossas são a versão moderna de algumas das suas imaginárias experiências. Por exemplo, Porta não tem dúvidas em aceitar que é possível obter frutos compostos misturando sementes que pertencem a diversas espécies vegetais.
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IN: Discursos e Práticas Alquímicas. Volume II (2002) - Org. de José Manuel Anes, Maria Estela Guedes & Nuno Marques Peiriço.
Hugin Editores, Lisboa, 330 pp.
hugin@esoterica.pt
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