PAULO JORGE BRITO E ABREU
«O homem não é uma inutilidade num mundo feito, mas
o obreiro dum mundo a fazer.» Leonardo Coimbra
( dedico o meu labor à Cultura Brasileira do século XXI )
No vigésimo século, na década de 40, é nada, no Brasil, Alice Spíndola, a alada e alor da Academia Carioca. Com a sua Palavra, ela haveria de imanizar, humanizar o mundo inteiro. E o fez, em parabém, em degrau superativo, e portanto superlativo. Em fervor e o fulgor, em estado e em estudo da especulação. Ou melhor: em comunitarismo da comunicação. Numa palavra: Alice Spíndola lê Poesia, escreve Poesia, ela vive, sempre e sempre, em Poesia. E aqui temos, como liga, a Língua Portuguesa, em crítica acribia, aqui vemos, nós outros, aqui hemos Teofania. Quero eu dizer: o nítido e Orfeu, em Terras de Vera Cruz o preste cireneu. Isso mesmo o divisávamos, como crítico, no século transacto, em o Antônio William Fontoura Chaves, em Tobias Pinheiro ( 1926 – 2019 ), em Joaquim Maria Machado de Assis ( 1839 – 1908 ). E se Alice requer a Alma, e a Escritura curial, é que ela é uma crisóstoma, crisóloga no Sol. Ela estuda e esquadrinha, ela é atenta – às vozes recônditas que vêm do Ser. Isso mesmo, Amigo leitor: o maturar e florescer, uma «ek-stática» insistência na Verdade do Ser. Ou melhor: «sempre em busca da canção esquecida», a Palavra é a chave, a Palavra é «o arado que rasga os mistérios». Como é, outrossim, a espada e o bisturi. Mas também as naus que desvendam a «Alêtheia». Nela figura, em fulgor, a «Imagem – fonte e oráculo – / mergulhada na insularidade / do mar de gestos e de palavras». Como quem diz: a imagem é magia, o mar é o símbolo do inconsciente. Uma vez aqui chegado, pondere o ledor: a Poesia de Spíndola se ancora, e se alicerça, nas imagens, nos mitos e nas metáforas – e o inconsciente é expressão do preternatural. Perante a Lira o crítico ora, o críptico labora, e se sente, na essência, um novo Champollion ( 1790 – 1832 ) perante os hieróglifos. O digamos, abertamente, e duma vez pra sempre: Poesia são os tropos, são as metáforas, metonímias e lautas litotes. E os deuses, afinal, são animismos e sonhos, são figuras de estilo. Que a Noute, por isso, é qual in-verso, a Noute é qual mergulho nas águas da matriz; e fulgem, os sonhos, eles fulgem, sempre e sempre, no Antro das Mães. Em Alice Spíndola, de um lado está a razão – e estão, do outro, o deleite e as delícias da imaginação. A Autora o diz, melhor que ninguém, é dela, dessarte, a voz e a vez: «Mesmo que seja imprescindível chorar / guardarei comigo a marca do sorriso / registrada no sonho / para que o choro seja inaudível». E por isso, e só por isso, sua Poesia será purga, e moral desinfecção. Acurada, por isso, e purificada, a Poesia, aqui, é Pentecostes, e Alice está, sempre e sempre, em estado de Graça. E por isso ela é Sibila, e por isso, a Poetisa, é Sacerdotisa. Para a Filosofia Portuguesa do Álvaro Ribeiro ( 1905 – 1981 ), se a Palavra aparta o homem da animalidade, a «imago», no lance, é factor divinizante. O que faz com que o livro, para o solerte Estagirita ( 384 – 322 a. C. ), seja, sempre e sempre, ser vivo e animado. Em busca, ou na demanda, dos homens libertos, em lavra, sem livor, de o «Fio do Labirinto». Que chama e versa, na vide, «A Chave de Vidro». E esse o mundo, fulcral, e a mundificação; «o mundo», pra Schopenhauer ( 1788 – 1860 ), «é a minha representação». Ou no poema intitulado «Metáfora Antiga»: «O artesão da palavra / faz paragem no tempo, / com talento, telas e fios / faz também surgir tramas e teias, / viaja e busca no íntimo, / melodia e tijolo antigo / que completam o sonho.» Quer Alice dizer: os tijolos são palavras com que ela edifica o Palácio do Ser. E esse sonho, repleto e completo, é Metafísica e metáfora do Ser em situação. E são as tramas, colações, são as «Sarças de Fogo» de Olavo Bilac ( 1865 – 1918 ). É aqui o «drama em gente», de que falava, sem falácia, o «Ferdinando Persona» ( 1888 – 1935 ). É sempre o sonho como Poesia, profecia, Teofania preste. Separação, é força dizê-lo, entre o corpo que dorme e a Alma desperta – e dormir é pois o êxtase, e sonhar, por isso mesmo, é ser Iniciado. E sempre que um Poeta dorme, ou sempre que um Poeta sonha, os Anjos sobem e descem pela escada de Jacob. Nas letras como nos sons, a Música é Museu, Morfeu informa, e enforma, o mítico Orfeu. Que o Bispo de Hipona ( 354 – 430 ) já nos tinha dito: «Cantar é rezar duas vezes.» E em termos hegelianos, Alice apela, e anela, o Espírito Absoluto. Porquanto nos declara, com a máscara, dessarte, diante da cara: «de além das galáxias / chega o clarim da paz / sou mais que corpo e alma / folheio a luz do sonho / e a natureza / num quase milagre / compõe um hino à liberdade». E vem aqui, a talho de foice: tanto Antero de Quental ( 1842 – 1891 ) como os surrealistas franceses, eles punham a Poesia ao serviço, completo, da Revolução; mas em Alice Spíndola o plectro é altaneiro, a Poesia é, em si mesma, a Revolução. Ou melhor: se a Palavra, em Alice, é qual a Gnose, é logo, a sua Lira, o «Logos» genesíaco, e daí o seu ingénito, o germe, e a generosidade. Seu engenho posto ao serviço da letra, da Luz, e da Lísia luminária. E seu luzente como o estupendo, o estupefacto, e o estupefaciente, o Brasil duma arca e a Ibéria da barca. Aristóteles, de novo, é paládio, ele é, na palestra, a Palas Atena: os primeiros Teólogos de que temos notícia, eles eram, sem excepção, eles eram, numa láurea, todos Poetas. É por isso, a Alice Spíndola, o Pão e a Paz do Espírito Paracleto. Sabedora, como o fino, como Agostinho sabedora, de que «a medida do Amor é amar sem medida». Quero eu dizer: apartada, durante séculos, do pensamento oficial, a Poesia de Alice reata relações com a Alta Magia – e não remembras, ó ledor, o Eliphas Levi ( 1810 – 1875 ) ??? Pois eis, nesta quadra, a chave e a clave dos Mistérios avitos: «No meio da noite, configura / a fragrância das palavras mágicas / Na chave da noite, a ternura, / pluma que verte enigmas». E eis consignado o Agostinho de Hipona, e eis a «Forma e Exegese» do Vinícius de Morais ( 1913 – 1980 ). E ora vamos ovante avante: Poesia, para Alice, não é o divertir, ela é o avisar e portanto o advertir. Poesia, aqui, é mais que parlenda, ela é, no Paracleto, o Pão da Vida eterna. E os nomes, em Alice, são os Numes, e para Pinharanda Gomes ( 1939 – 2019 ), «quando pronunciamos uma palavra, invocamos um espírito», pois é Cristo, deveras, a crestomatia, pois o som é vibração e o nome atrai a cousa. Ficou grafado e gravado, em livro, liberal, do Deuteronómio: «Nem só de pão vive o homem mas de toda a palavra que sai da boca de Deus». Palavra, portanto, como a divinização, o edível, infindável e edule. Nas Bodas de Canaã, a casa, como o lar, e a mesa como altar. A Filologia como a forma, e como a «fôrma», da Filosofia. Os vocábulos da «Poiesis», que aduzem, e dizem, como se faz. E a Lira do festim, Biblioteca, sagrada, qual o jardim. Filosofia e Poesia são duas altas montanhas, elas têm, floreais, uma falda em comum. Sendo «Academus», por isso, o jardim da Academia. E se o Verbo é sentimento a vide é a vara, a Palavra, em Alice, é o livre e a lavra. E aqui temos a Poetisa, em sinopse e em Saudade, colaboradora, dessarte, na Obra da Verdade. Pois que o estudo é nosso estado, pois que somos invitado, em selecto e sonetista, ao banquete e ao simpósio, ao cenáculo de Spíndola. Já o dissemos a propósito de Tobias Pinheiro: mais e muito mais do que à contracultura, apelamos, no século XXI, ao dual, dialogal, e à cultura de encontros; jornadeando em jardinagem, eis a escola, e o escopo, da nossa Poetisa; ela é, como o Rimbaud ( 1854 – 1891 ), uma real, e radical, roubadora do Fogo. Cumprindo a sua vida, e o seu «Fatum» prometeico, aqui eis o que ela firma, fundamenta e confirma: «O poema flui / como água corrente, / tal um rio calcário, / submerge e torna a ser. / Da alquimia / do meu coração / desagua grande amor. / Desligo-me das neuroses, / procuro minha alegria, / ( minha marca registrada ) / e acho / meu caminho de volta / tecendo poemas.» Sabendo que este texto se intitula «Alquimia», aqui eis encontrada a chave do enigma. Alquimia, soledade, alquimística Saudade. Que só tem paralelo, na Poesia Portuguesa, com António Salvado ( 20/ 02/ 1936 ), com o Astro e pois o estro de António Barahona ( 17/ 01/ 1939 ). Em rigorosa, e ponderosa, Literatura Comparada, nós temos, em Spíndola, o «Prometeu Libertado» como em Guerra Junqueiro ( 1850 – 1923 ), e à guisa, caroal, do Percy Bysshe Shelley ( 1792 – 1822 ). Em todos estes Autores nós divisamos, e visamos, a iniciação, descobrimento, do sentido do Ser. E por isso é que a Palavra, mais do que uma arma, deve ser encarada, em sua clave, como a nau e como a nave. Pois como aduz, ou como diz, a Boa Nova de Mateus, os homens serão julgados por as suas palavras – e as nações serão julgadas segundo os livros seus; e eis, aqui, o esculápio da mente, eis o escol e a escola da nossa Poetisa. Que a existência, como em Sartre ( 1905 – 1980 ), precede sempre a essência. O homem foi nado em Natureza para se fazer em Liberdade. Ou melhor: o homem foi, por Deus, criado criador. Por isso o Belo, quanto a nós, é manifestação sensível da Ideia platónica. Pois, para Platão, o génio dos artistas é-lhes comunicado, directamente, pelos deuses. E eis o típico e tópico da Autora, caroal, de o «Fio do Labirinto»: da Teosofia como «élan», da Poesia, ou Teurgia, como a Taumaturgia. Isso mesmo o divisávamos a propósito da Obra de António Salvado. O génio, dessarte, é nativo, natal, natural ou inato, é aquilo que se afla, é aquilo que se insufla através da geração. Discreteava, destarte, o Quintiliano: «Os poetas nascem feitos, os oradores fazem-se.» E o carme é pois o charme. E por isso é que o Poeta só insiste, e só existe, em estado de Graça. Mas acima de tudo, a artista é artilheira, é movida e comovida por o entusiasmo. «Enthousiasmós», no grego, deriva de «éntheos», é a pessoa que tem um deus interior. Que escreve devido ao estro, furor divino, uma divina inspiração. E por isso o divino é aquele que adivinha, a hieromania ela é, sobretudo, hieromancia. Como é belo o mentar do Victor Hugo ( 1802 – 1885 ): é que «A Palavra é o Verbo, e o Verbo, Deus é». Por isso «Teólogos», para os Antigos, são os Poetas pagãos, são aqueles que defendem, providentes, o panteão do seu povo. Na Antiguidade Clássica os Poetas eram, sobretudo, educadores e profetas, ou seja, Professores – e já estamos a falar, sem falácia, de Alice, afinal. Ouçamos, agora, ouçamos um comento do Eliphas Levi: «O Amor dá à alma a intuição do Absoluto porque é por si mesmo Absoluto ou não existe.» Cotejemos, aqui, com Malraux ( 1901 – 1976 ): «O século XXI será religioso, ou pura e simplesmente não será.» Do Shelley, já citado, um amável pensamento: «Os Poetas são os legisladores do mundo, não reconhecidos.» Já falámos, aqui, da Alquimia, da «Alquimia do Verbo» segundo Rimbaud. O crisol, em Alice, é como a cruz, é um querer e pois criar, com a força da crença. E apela, o crisol, à crisologia, o bom Crisóstomo ( 347 – 407 ), ou crisólogo, é como o loquaz, é o que diz palavras de ouro. Palavras, na faina, tais como estas: «Na tarde perfumada da felicidade, / Abre-se a eloquência do cosmos. / Nas alças do espanto, / o pássaro costura, / com invisíveis pontos, / a ternura e o aroma do ar / com seu canto, / sob a escolta da voz de Deus.» E sublinhemos: «Sob a escolta da voz de Deus.» O que ilustra, belamente, aquilo que já dissemos. Poesia, aqui, como a Gaia Ciência, Poesia, ademais, como a Linguagem dos Pássaros. Poesia ligada à Filosofia, Filosofia liada à preste Religião. E Poesia, sempre e sempre, como a vianda e vade-mécum, como o «topos» do sagrado. Pois quer entre os hindus, quer entre os egípcios, quer no Vaticano, Arte e Religião caminham a par. E se apela, a Teologia, à teleologia, o estado é a estese, Deus é a medida de todalas cousas: Filosofia sem Teologia não é, não será, Filosofia brasileira. Pois segundo o Estagirita, é o espanto que leva os homens à Filosofia, é o espanto e a admiração perante Aquele que é. Em Spíndola, por isso, é como em Kant ( 1724 – 1804 ): os três postulados da Razão Prática são a existência de Deus, a liberdade, a imortalidade, preclara, da Alma. E Deus, e a Liberdade, era a divisa de Voltaire ( 1694 – 1778 ). Quanto à Alice, hemos Ética, a Estética e a Kabbalah fonética; o sofista é o Sopro e é Filósofo o Sufi. Depois da Física, ou melhor, pra além da «Physis», se alteia, no homem, necessidade metafísica. Metafísica, ou melhor: Motor imóvel, Empíreo, Filosofia Primeira. E por isso, diremos nós: é a noção de firmamento, e não a de fundamento, que motiva a tradição da Poetisa goiana. O seu especular se radica no «speculum», no esquadrinhar, o sidéreo, com a ajuda dum espelho. Alice Spíndola, na «polis», é como a prioresa, é aquela que se reproduz sempre igual a si própria – e é nada, a Palas Atena, do topo, e da cabeça, do fáctico Zeus. É que as letras, na terra, elas reflectem, ou repetem, as estrelas, no Céu. Se é por isso a Vera Cruz, é por isso inspiração, Filosofia atlântica é aquela que se radica na barca e na arca. Alice Spíndola, por isso, teosofista, e qual Infante de Sagres da Poesia brasileira. Ouçamos seu teor, ouçamos o seu estro, é dela, portanto, a voz e a vez: «Ouve, meu rio, / o homem persegue, há séculos, / o mistério das águas. / Quentes? Vulcânicas? Águas de gelo? / Bacias hidrográficas / honram a nossa França, / aguardam a História, / indo atrás dos rastros / das míticas / e místicas paragens de sua trajetória.» E, noutro poema, sempre em busca da Palavra perdida, em demanda, dessarte, da esquecida canção: «Com a alma sequestrada / pela beleza do rio / e pelo rumor de suas águas, / o menino procura a canção esquecida. / Menino parisiense voga nas milhas do sol.» Que essa água, para Alice, é fonte de vida, meio de purificação, centro, curial, da regeneração. A água é sempre «Mater», matéria-prima, «Prakriti», dessarte, para os Hindus; como em Tales de Mileto, a Água é a Madre de todalas coisas. Remembremos a tradição: o Sopro ou o Espírito de Deus, no Génesis, pairava sobre as águas ( Gn. 1: 2 ); e, quando as águas rompem, nasce um novo ser. E o que será, desta feita, a Poesia, senão um regresso, e um retorno, às águas da matriz??? Se o baptismo, então, é Luz e Vida Nova, encaremos, a Poesia, como Arte iniciática. E Alice, entanto, como Hierogramatista, a apresentante, e figurante, da simbólica função. Da linguagem se diz que é mana e materna, a língua é materna e é o «Pater» património. Sendo a nação, dessarte, nutrice e natura; etimologicamente, é, a nação, o sítio em que se nasce. «Deus é Pai; mais ainda, é Mãe», asseverava, afiançava, o Papa do sorriso, João Paulo I ( 1912 – 1978 ); e eis a lavra, e eis a Luz, de nossos progredimentos. Por isso diremos nós: materno é terno e sempiterno. Maternidade, acima de tudo, é civilidade, é o sacerdócio que Deus conferiu à mulher. Sendo mesmo, a mulher, a casa do homem. Referindo-se, então, ao «mar» e à «Mãe», «mer» e «Mère», na língua do Galo, são de facto e de feito palavras homófonas. E quanto à naturalidade, e parafraseando, aqui, o velho Sócrates ( c. 470 – 399 a. C. ), que era o Mestre do Platão ( 427 – 347 a. C. ), Alice Spíndola não é ateniense, nem grega, nem brasileira nem latina, nem bárbara nem judaica, mas cidadã do mundo inteiro. Ou melhor: cosmopolita, criacionista, poliglota e universalista. E qual Vinícius de Moraes ela escreve, por isso, para o mundo inteiro. E por isso fala Alice em glossolalia. E por isso insuflemos, meditemos, laboremos: o dom das muitas línguas ele é dádiva, oblata, do Espírito Paracleto. Porquanto podemos ler, em os «Actos dos Apóstolos ( Act. 2: 3, 4 ): «Viram, então, aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem.» E por isso nós lemos, na Epístola aos Gálatas, 3: 28: «Não há judeu nem grego; não há escravo nem homem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus.» Em lhaneza de chão plano: se a lei da separatividade é estultícia e véu de Maya, a língua liga, religa os homens na mesma Religião. E o primeiro dever do cidadão brasileiro é ler, falar e escrever, escorreita e rectamente, a Língua Portuguesa. E o fazer, desta feita, rumo ao Quinto Império. Quero eu dizer: ao Evangelho Eterno. O número do Pentecostes, a Rosa, curial, no centro da Cruz. Que o discurso do poder, em Portugal, é um discurso esquizomorfo: pois só querem, tecnocratas, gabinetes separados. Alice, ao invés, abre janelas, lança pontes, destrói as prisões, mas primando, sempre e sempre, por a construção, jamais, jamais e nunca por a destruição. Quero eu dizer, em suma: contra o amor do poder, se exalça, a Poetisa, no poder do Amor, e, além do «homo ludens», ela pugna, em Pansofia, por o «homo misericors». A oração do coração, coração, por isso mesmo, para o homem miserável. E Alice, no cor, a Amiga do «abaissé». E quanto, agora, ao tornar-se pessoa??? A pessoa humana deve ser tratada como um fim em si mesma, e não e nunca como meio ou trampolim para os meus fins e propósitos meramente utilitários; e eis a liça e a lição de Emmanuel Kant. Em escólio breve e leve: se o «símbolo», etimologicamente, é aquilo que une, o Diabo é «Thanatos», «diabolus», no lance, é aquele que separa. E é o que vimos durante o nazismo: se a Torre de Babel conduz ao holocausto, conduz, o hierofanta, à Estrela do Mar. E «Ave, Ave, Maris Stella», quer isso dizer: do ovo de Eva passamos à ( ch )Ave. E por isso, na lis, e por isso também a clave. E, quase a findar, dêmos voz, no lance, à nossa Poetisa: «Eu preciso / desta palavra solta / que sedia / a essência do poema / e que incendeia / o rumor das sílabas. / Necessito / desta poesia / que extravasa / mistérios.» Saudamos, então, Alice Spíndola, alquimística Senhora das Letras Brasileiras. E da messe e da seara. E o que fica, na senda, o que fica, depós??? Redargue, na liça, João Belo: «Sou mais Eu quando Tu és a síntese de Nós.»
Tomar, 03/ 01/ 2023
SIC ITUR AD ASTRA
PAULO JORGE BRITO E ABREU