A saga de Lorena numa hábil narrativa

 

HÉLIO BRASIL


Helio Brasil, arquiteto (Brasil), professor universitário, romancista e contista, é autor de uma trilogia sobre o bairro carioca de São Cristóvão: o livro de não-ficção São Cristóvão: memória e esperança (Prefeitura do Rio de Janeiro, 2004) e os romances A última adolescência (Bom Texto, 2004) e Ladeira do Tempo-Foi (Synergia Editora, 2017)). É autor também de O Solar da Fazenda do Rochedo e Cataguases (Synergia Editora, 2016), em co-autoria com José Rezende Reis; Cadernos (quase) esquecidos (edição artesanal, 2016); Tesouro: o Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro (Editora Pébola, 2015), em co-autoria com Nireu Cavalcanti; e Pentagrama acidental, novelas (Editora Ponteiro, 2014). Como contista, publicou O perfume que roubam de ti… e outras histórias (Synergia Editora, 2018) e participou de várias coletâneas.


 I

A História do Brasil teria que ser contada por um coral de historiadores, apoiados em narrativas de cronistas, aventureiros, viajantes constrangidos ou deslumbrados. Uma inicial e lógica exploração feita a partir da costa, seguida de penosas internações. Todas milagrosamente rápidas, tendo em vista os recursos da época, pois falamos de um passado de meio milhar de anos. Registros, documentos, cartas, mapas (de incrível rigor, em face dos recursos da época), bem como a ansiosa busca de riquezas para uma Europa que experimentara a incubação medieval e a explosão do Renascimento.

Não à toa, Espanha e Portugal, dois países debruçados sobre o mar, como se espichando um pescoço geográfico para o Hemisfério Sul ali dominado pelo Atlântico, lançaram-se à cata de riquezas. A terra lusitana, restrito território, pobre de recursos naturais, mais do que todos, levou a conquista a sério.

Nenhuma colonização é angelical. Antes é fria, cruel e espoliadora. Assim, dizer que o Brasil teria se tornado um país melhor se ficasse com espanhóis, com ingleses, franceses ou (que deslumbramento!) dourados holandeses, nos parece uma conjectura ingênua. Historicamente (ou fatalmente) ficamos com Portugal. E será sobre essa nação e seu povo – tão péssimo como os mais péssimos, tão notável quanto os mais notáveis – que devemos falar.

II

Em O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2019), Adelto Gonçalves concentra seu foco no momento histórico em que a nação lusitana se assentava nos trópicos. O Brasil receberia navegadores com destinos mais definidos. O Rio de Janeiro, embora acossado pelos franceses, politicamente deixou a posição secundária, abrigando a sede do vice-reinado antes assentada em Salvador. E faz parte desse foco a referência à conjura mineira, pois daquela importante capitania se havia desmembrado o território que hoje abriga o Estado de São Paulo.

Nesse contexto, viu-se o autor da obra obrigado a situar a narrativa a partir de governadores que antecederam o astro central – Lorena – com dificuldades em cumprir a missão estruturadora da capitania. Tanto os suspeitos de incúria ou de alcance no dinheiro público (hábito ainda não abandonado em nossos dias) como os sabujos e incompetentes.

O lado positivo das ações de Lorena valoriza a narrativa. E vale a pena registrar uma obra, ainda existente, que surpreendeu por atravessar os séculos: a Calçada do Lorena, estrada pavimentada originalmente com características ousadas para a época e que concretizou a indispensável ligação do planalto paulista com o litoral. Libertava-se a província paulista do porto do Rio de Janeiro. E Adelto nos mostrará quão fecundo foi o governo de d. Bernardo José Maria da Silveira e Lorena (1756-1818) para o despertar desse hoje grande Estado brasileiro.

A construção da hábil narrativa nos mostra os governos anteriores corruptos ou corruptores e com ações mesquinhas, o que faz ressaltar a competência demonstrada por Lorena. O leitor logo estará envolvido pelos episódios que antecedem a entrada em cena do nosso personagem, e verá um perfil descrito sem paixão, mas com o indisfarçável prazer do historiador de reconstruir o protagonista do livro.

III

Não caberia o prolongamento dos comentários acerca do conteúdo histórico tão bem narrado, mas neste breve texto é indispensável focalizarmos também o autor do livro, consagrado como historiador e pesquisador com títulos obtidos no Brasil e no exterior.