A procissão ainda vai no adro…

VASCO LOURENÇO


No texto que divulguei, “Até parece que vale tudo…”, afirmava que iria haver enormes oposições às medidas que o Governo teria de ter coragem e força para tomar algumas medidas drásticas, no sentido de minorar o flagelo dos incêndios em Portugal. Questionando então que, dado que os interesses que iriam ser postos em causa são demasiado fortes, haveria ou não capacidade para lhes fazer frente.

Pois bem, o Governo decidiu assumir algumas das medidas que se impõe concretizar. Anunciou-as e começou a tentar implementá-las, ainda que só no campo dos estudos e definições.

E, com a procissão a começar apenas a sair da igreja, ainda no adro, a que assistimos?

Ao que já se esperava: a uma forte reacção dos que receiam ver postos em causa os enormes privilégios, os enormes proventos que ganham com o “negócio do fogo”.

Confesso que estou na expectativa: conseguirá o Governo dotar-se da força política necessária para assumir as alterações que décadas de prática errática impõem que sejam efectuadas?

E, como também afirmei no referido texto, estará o Presidente da República decidido a apoiar determinantemente essas medidas, como a sua intervenção pública de 17 de Outubro “prometeu”?

Vou acompanhar a evolução da situação, sentado para me não cansar muito…

Permitam-me que refira dois pequenos “pormenores” que gostaria de ver assumidos, com a necessária coragem:

  1. A profunda investigação sobre os incêndios de origem criminosa.

Não duvido que grande parte dos incêndios, porventura a maioria, são provocados por razões naturais, descuidos humanos e actos de demência variada!

Mas, também estou convicto que uma quantia razoável deles tem origem criminosa, porventura várias origens criminosas, onde se incluirão os mais variados interesses materiais, mas onde cabem certamente os interesses políticos.

E é a estes actos criminosos – materiais ou políticos – que se impõe averiguar, até ao fim, com todas as consequências, nomeadamente a descoberta dos mandantes, claramente mais responsáveis do que os autores materiais…

  1. Reestruturação dos bombeiros: penso ser tempo de separar as duas funções que as corporações de bombeiros voluntários desempenham no País.

E, se a acção de apoio social que prestam às populações è indispensável, extraordinária e praticamente impossível de substituir, a acção de combate aos incêndios não lhes deve estar atribuída, como força da primeira linha nesse combate.

Essa missão deve ser atribuída a forças profissionais – um serviço cívico nacional (obrigatório) no seio das Forças Armadas, poderá ser uma das soluções – e aos bombeiros voluntários poderá apenas, no campo do combate aos incêndios, ficar reservado um papel complementar.

Com uma vantagem de grande valor: os meios destinados ao combate aos incêndios – onde cabe não só o combate mas também a prevenção – não serão desviados para as acções de apoio social. Para isso, terão de ser aplicados outros meios, porventura até reforçando os que já lhes são atribuídos para essa acção específca.

É complicado?

Será, mas a “separação das águas” clarificará a situação e complicará a vida aos que alimentam (e se alimentam) do “negócio do fogo”.

O interesse nacional a isso nos obriga.

Vamos ver se a procissão consegue sair do adro…

 

Lisboa, 25 de Outubro de 2017 . Vasco Lourenço