DULCE RODRIGUES
A LEITURA
– um hábito que dá prazer mas pede sacrifício
Muitas pessoas acreditam que as crianças e os jovens já não lêem e só querem ver TV e jogar com Nintendo e outras consolas de jogos, e culpabilizam a internet e as novas tecnologias por isso. Tenho uma opinião diferente. Como digo no meu sítio infanto-juvenil www.barry4kids.net, pela boca do cão Barry, “acho que a internet pode ajudar os jovens a criar hábitos de leitura.”
Os problemas da perda de gosto pela leitura variam de país para país, de acordo com o grau de literacia e de cultura do seu povo. Mas, existem outras razões. Nestes últimos decénios, tem-se assistido a uma degradação acelerada de princípios morais básicos, como o respeito, a disciplina, a autoridade (não confundir com autoritarismo, uma confusão muito politicamente correcta nos dias de hoje) e, inevitavelmente, a vida familiar. Vive-se numa sociedade que priviligia o “parecer” em vez do “ser”. Tornámo-nos seres superficiais; deixámos de ser autênticos. Apreciamos tudo o que é fácil de obter, pondo de lado e evitando tudo o que dá trabalho. É a sociedade do “prazer”, do “divertimento”. Os pais deixaram de ter tempo para se ocuparem dos filhos, pois estão demasiado ocupados em “curtir” a vida. E como o exemplo vem sempre de cima – quer seja bom ou mau – os filhos seguem o exemplo dos pais e querem da vida o que lhes dê prazer imediato e não trabalho.
Ora, aprender a ler não é, em princípio, nem um prazer nem um divertimento; requer esforço e disciplina – qualidades que não foram inculcadas desde a infância nas actuais gerações e nas imediatamente anteriores. Contudo, a leitura, além de fonte de conhecimento, pode tornar-se num prazer e num divertimento. A leitura é o veículo que nos transporta para outros mundos – o mundo da Criatividade e do Saber. O progresso da humanidade fez-se através de, pelo menos, estes dois elementos que despertam logo no início da nossa vida.
O hábito da leitura começa muito mais cedo do que na escola; começa no seio da família. Tal como para qualquer outro Primata, também a aprendizagem do bebé humano se faz nos primeiros 4-5 anos da sua existência. Na formação do carácter de qualquer indivíduo obviamente que os genes têm um papel importante que, contudo, não representa senão uma pequena percentagem em relação a outros factores como o meio familiar e o meio social em que se está inserido, responsáveis por parte da nossa educação.
Quantos de nós não fizemos já a pergunta: “Como é possível que seres tão curiosos de saber, de aprender, de investigar como são as crianças, podem transformar-se em seres tão amorfos e ignorantes como são a maioria dos adultos?” A resposta é: “Esses mesmos adultos são aqueles que foram “castrados” intelectualmente em crianças por adultos também eles vítimas de castração intelectual. É um círculo vicioso familiar do qual tem de se sair em determinado momento, e o melhor momento é precisamente o período da primeira infância, para podermos “sair” ainda antes de termos “entrado”.
Quando as crianças chegam à idade escolar, já levam esses maus ou bons hábitos de leitura inculcados. Mas, claro, ainda se está muito a tempo de inverter o processo; só é preciso querer.
Felizmente, as crises da humanidade são cíclicas – a História assim o tem provado – e as coisas hão de mudar, mais que não seja porque as circunstâncias a isso nos obrigam, e voltaremos a antigos valores humanos que se perderam ao longo destes decénios. Mas os progressos são lentos – é mais fácil e rápido destruir do que reconstruir.
Dulce Rodrigues