A labiríntica inteligência

 

 

 

 

 

LUÍS DE BARREIROS TAVARES
Org.


MANOEL TAVARES RODRIGUES-LEAL
 A labiríntica inteligência cega-me de tão antiga


Quatro poemas inéditos do caderno Apresentação de Paula

 

I

Consinto, dispo-me, depois celebro

minha íntima memória. Que ofício o do cio

e o de cantar-te, mineral. Acaricio-

-te e que mental algidez me percorre,

me embriaga. À noite, dispara-se um tiro

de solidão no crânio. Vos respiro,

e esses corredores álgidos da dor dos dias e da dos deuses, quem os consente?

Lx. 18-6-76

Manuscritos dos poemas II e IV

 

II

 

Amar, amar, que rima nos oferecem os dias

que são sedução, liquidez, veemente voz de tristeza.

O que ignoro. O que sei de ventre,

é carnívora ternura e também tangível anel,

profundo anelo, e respirar nas espirais de uma praia. O que apetece,

apocalíptico, quando uma mulher horizontal

solicita ondas quentes de esperma, antiquíssimo mas breve.

E o bulício de outra mulher. Mutilada, mas lençol de memória mortal…

Lx. 18-6-76

 

III

 

Olho, re-olho e gloso o que invisível é.

A labiríntica inteligência cega-me de tão antiga.

Um raríssimo objecto respira.

Mas beleza, essa mortal beleza, talvez me surja a uma esquina,

mas então é alquimia de esperma e inquietude. Não é beleza bela, mas beleza ímpia e clandestina.

Lx. 21-6-76

 

IV

 

Ah a moral burguesa, acrescida da cristã:

normas do amor, rima de prazeres.

E quem celebre outra coisa, é preso.

Que jogo, que xadrez exacto, sobre o que é atracção eterna…

Pois eu ignoro normas, apaixono-me, e temo

este tempo de virtudes e bons costumes. Não é nada, mas arte de amar,

ou a promessa mortal de um corpo, submerso. Meu infinito mar…

Lx. 21-6-76

M. T. R-Leal: Lisboa – Brick Café, Rua de Moçambique, c 2014. Fotografia em alto contraste © LBTavares