A caminho do colapso da actual ordem mundial

 

 

 

 

 

 

ANTÓNIO JUSTO


EUA – UE – Rússia – China e Índia –
Pesos da Balança de um Mundo em Desequilíbrio

Acompanhar a crise e a mudança confronta-nos com uma reavaliação das prioridades e valores individuais e coletivos onde o aspecto humano e a humanidade (dignidade humana inalienável-soberana e fraternidade) não parecem constar da orientação básica.

A crise sistémica global está a originar a formação geopolítica de polos rivais e a nível interno das sociedades conduz a uma polarização sociopolítica entre conservadores e progressistas; especialmente na Alemanha pode observar-se uma viragem do pacifismo para o militarismo tanto a nível de “esquerda” como de “direita”.

São mais que visíveis os sinais da mudança da atual matriz social para uma nova ordem mundial: a decadência da civilização europeia e do modelo monopolar ocidental… alinhamento de países em torno de núcleos, exemplo Brics… transferência do poder político para o administrativo, provocando também a crise do pessoal político que tem de abdicar da essência da sua personalidade… deslegitimação da família e do estado acompanhada da desqualificação da moral tradicional… nesta luta o cristianismo é a mundivisão mais atacada por fazer parte essencial das bases da civilização ocidental (ao lado da filosofia grega e da organização romana) e defender a soberania da pessoa e a sua dignidade humana individual e por manter uma profunda interligação entre natureza e cultura, quando os novos estrategas querem fazer valer apenas uma nova cultura divorciada da natureza  de maneira a substituir esta e assim a legitimar a imposição de ideologias ad hoc.

Com a centralização do mundo distribuída por blocos, o factor estratégia passa a ser mais importante do que o factor liderança (governo) fomentando-se na consequência o relativismo da moral, das instituições e das mundivisões.

O Norte e o Sul global encontram-se num período intermédio entre a velha e a nova ordem mundial surgente. Os arquitectos do poder já há muito trabalham de forma mais ou menos clandestina na sua forja de maneira a criar uma nova têmpera cultural europeia.

Além das mudanças na geografia, observa-se um processo de mudanças nas tarefas dos políticos, na cultura e no próprio génio das sociedades. Diferentes visões do mundo dominantes reagem de modo que a região atlântica se move numa direção e a pacífica na outra.

Concretamente: o governante é transformado em administrador, com tendência a escapar ao Parlamento!

O alargamento da área geográfica e do poder dos EUA/OTAN em direcção à Rússia provocou um movimento de revisionismo na Rússia e o escalar geopolítico na Ucrânia instigou a formação de conglomerados de solidariedades entre países com o consequente alinhamento apressado em blocos enquanto algumas potências agem politicamente com mais reserva, na esperança de se tornarem também elas núcleos (Índia, Brasil).

O aumento da violência mundial já não pode ser impedido por  uma palavra poderosa de um poder hegemónico determinado, por mais poderosa que seja a sua mão…

A acentuar este processo de erosão da Europa, da Rússia e dos EUA vê-se chegada a era da informação que implica outras formas de domínio mais sofisticadas…

A moral está a ser conectada sobretudo na linha da dimensão político-social sem o aspecto da transcendência (este é da competência das religiões que constituem um certo impedimento para a implementação de uma nova ordem de caracter meramente materialista, racionalista e profana.

Devido à liderança internacional externa, os partidos já não têm programas propriamente a longo prazo…

Os declarados inimigos (concorrentes) dos governos são, entretanto, os partidos populistas europeus que assumiram o papel da oposição aos governos!   A diplomacia também está em crise porque nesta fase a reorientação dos países em relação aos vários blocos ainda não foi concluída…

O grande problema interno europeu tornou-se a imigração desregrada; isto causa na Europa a sensação real de maior instabilidade porque uma imigração desmedida e agressiva faz surgir nas populações o sentimento de ser culturalmente recolonizada como aconteceu no século oitavo com a invasão muçulmana…

As populações notam que razão e a realidade política já não podem ser reconciliadas e isto cria espaço para a anarquia e para o desespero…

A singularidade do indivíduo, que é própria das sociedades de base cristã, é o suporte de toda a emancipação do indivíduo da sua comunidade, facto este que possibilitou a transição de regimes políticos autoritários para a democracia e destaca o Ocidente como pioneiro dos direitos humanos.

De facto, a singularidade da pessoa que é o verdadeiro factor de emancipação do indivíduo em relação à comunidade, começou principalmente a partir do iluminismo, a ter expressão destrutiva no momento em que eclipsa a comunidade e com o acompanhamento das ideologias materialistas se torna em estrela cadente de egos luminosos.

Uma civilização e uma sociedade não podem sobreviver nem se desenvolver baseadas apenas numa ordem de direitos individuais básicos por muito que estes se apoiem numa constituição política que cuide da preservação dos direitos individuais na qualidade de subordinados a uma ordem meramente económico-militar como pretendem novos projectores de futuro. Direitos individuais e de comunidade pressupõem uma relação de balance na consciência de que a base da comunidade/instituição é o indivíduo.

O mundo islâmico, consciente daquilo que o faz institucional e mundialmente forte, não estava convencido da declaração dos direitos humanos de cunho ocidental e reservou-se o direito a um ajustamento sociológico-religioso dos mesmos. Os direitos básicos são concedidos, mas todo o cidadão é obrigado a ser responsável e a submeter-se à “comunidade e à família” (Umah – a comunidade islâmica). Mesmo a Turquia secularizada por Ataturk, considera a sociedade como organizada colectivamente e não como uma comunidade de indivíduos.

Se as comunidades islâmicas na Europa exageram o aspecto da sua comunidade cultural contra o indivíduo, os europeus exageraram o aspecto da individualidade contra a própria comunidade cultural. Nesta situação o mundo islâmico tem mais garantias de sustentabilidade e afirmação do que o europeu…

Os biótopos culturais são os primeiros a sofrer as consequências (sendo substituído o particular, o que é próprio pelo que é geral, sendo esvaziada a legitimação democrática do poder); isto, como já disse,  provoca no meio da sociedade uma espécie de dicotomia entre os adeptos das novas situações político-administrativas de caracter centralista que ganham expressão nos progressistas e do outro lado reage o polo defensor do biótopo cultural, os conservadores mais vinculados também às bases e às regiões.

À divergência entre o sentir político e o sentir das populações acrescenta-se o desfasamento das sociedades (civilizações) entre si. Por outro lado, o sentido atraso de outras civilizações em relação à civilização europeia será o bónus delas que as levará a afirmarem-se sobre a Europeia já em processo de desfasamento depois da primeira guerra mundial em que os EUA, perante a afronta da União Soviética como inimigo comum do sistema se afirmou também sobre a Europa com o apoio do Reino Unido. A Europa tem de redescobrir a comunidade sem ter necessidade de o fazer à custa dos direitos humanos desde que integrados numa comunidade cultural consciente de si e da sua responsabilidade no mundo (o poder militar cria segurança e o poder económico cria bem-estar temporário, mas sem uma comunidade oleada pela transcendência). Não chegam conglomerados em nome de valores: os assim chamados valores democráticos poderão unir elites do abstrato que estão predestinadas a viver em guerra e a sucumbir ao serem um dia confrontados com ditaduras consistentes.

A visível vantagem da China sobre o Ocidente deve-se ao facto de o seu sistema ainda possuir as estruturas e bases culturais, políticas e sociais semelhantes às que dominavam a Europa nos séculos XIV e dominam ainda hoje nos países islâmicos e em regimes autoritários.

No passado, os povos formaram-se em torno de crenças, religiões, culturas que lhe conferiam singularidade específica e poder de expansão. Hoje inverte-se a pirâmide procurando de maneira até declarada organizarem-se já não povos, mas sociedades alinhadas em torno de áreas geográficas, da economia, das forças armadas e da correspondente doutrina.

A China parte do princípio e da realidade da comunidade e subordina-lhe o indivíduo; esta é a sua força epocal de maneira a açambarcar a responsabilidade sobre o indivíduo assumindo o comunismo como espécie de religião.

Cada área geográfica mundial irá afirmar-se mais em torno dos seus valores partilhados. Lamentável é, porém, o facto de a civilização de bases humanistas cristãs se ter exteriorizado de si mesma para se dedicar sobretudo ao exercício do poder pelo poder e ao domínio dos outros de maneira a tornar-se também ela numa ameaça para o mundo num mundo ameaçador. Não chega satisfazer-nos com a nossa bandeira dos valores e da democracia; a nossa sociedade e o mundo precisam de mais…

Enquanto não houver uma geopolítica mais humana a Alemanha tornar-se-á a força mais forte na EU, acolitada pela França (entretanto, os alemães apressam o seu negócio na EU procurando fortalecer apressadamente os seus vizinhos de Leste).

A militarização da Alemanha e a sua influência na política da UE, que pretende deixar de ser uma federação de nações, para se tornar  num  conjunto de pequenos países em torno das grandes potências da Europa, está a tentar fazer com que os pequenos países percam a sua posição de força (a força do veto) em decisões comunitárias importantes e assim, se tornarem mais  insignificantes e em favor das potências, que determinarão ainda mais a política (Isto dá-se em nome da eficiência do polo europeu no concerto dos povos mas  o ridículo da questão é o facto do Primeiro Ministro português, António Costa, ser ter tornado numa espécie de porta-voz da Alemanha, defendendo, de facto, a diminuição de direitos ao nível das nações pequenas).

A luta em voga contra a cultura europeia e a persistente desmontagem dos seus fundamentos tornaram-se no maior cancro que corrói a nossa civilização. Quando se observa em muitos dos nossos governantes tornarem-se nos seus próprios Judas e cangalheiros torna-se ainda mais triste a tragédia… A crise é motivo de ânimo, porque tudo isto é de caracter fenomenológico e a humanidade com altos e baixos saberá encontrar maneira de passar o “estreito de Magalhães”  à imagem do grande português Fernão de Magalhães ao serviço de Espanha.


António CD Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=8920