A arte da memória

MARIA AZENHA


Sobre “ TUDO É DE TODOS”
de Luís-Natal Marques
Edições Zéfiro, 2010
https://zefiro.pt/


Luís Filipe Natal Marques nasceu em Portimão a 21 de Março de 1956. Licenciou-se em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa – Instituto Superior de Economia e Gestão (UTL/ISEG) em 1982 e, para além de diversas especializações na área económica, é Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional (UTL/ISEG). Foi docente universitário na área das economias/matemáticas no Instituto Superior de Gestão (1993/1997) e no Instituto Superior de Gestão Bancária (1999/2007). Para além da docência universitária exerceu sempre funções na área da gestão de empresas, sendo desde 2007, gestor público.

Actualmente, Presidente da EMEL (Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa).

Dedica-se à escrita, em especial à poesia, desde a sua juventude, divulgando-a preferencialmente em tertúlias e encontros.

Publicou o seu primeiro livro de poesia, Scordatura, em 1997.

É de sua autoria o blogue Rotação dos Tempos.

(https://rotacaodostempos.blogs.sapo.pt/)


Um menino nasce de uma mulher de idade de 50 anos, miraculosamente, um nascimento não esperado.
O menino, de nome João, ao nascer, não chora.

Pelo contrário: “saboreia o acto do seu próprio nascimento”.
Ao ser baptizado e ao ser-lhe dado o nome, João, “cada vez que o padre repete o seu nome, a criança responde-lhe com um sorriso largo, aberto, como se visse as cores do arco-íris”.

Toda a atmosfera em que a criança nasce e se desenvolve é uma atmosfera mágica, os olhos do coração sentem-no.

João, a personagem principal em  “Tudo é de todos”, (mas não menos importante que Maria , a mãe, e o padrinho Belarmino – pois permitem que João se manifeste em todas as suas potencialidades) é um viajante nocturno que viaja em plena luz do Conhecimento.
Tudo o que ele vê e toca é eterno, puro e incorruptível.

(tal como acontece no “Principezinho” de Exupéry)
João viaja dentro de si mesmo, os raios de sol iluminam o seu caminho.
João vai transformando o pó da terra em ouro puro.
Toda a sua estória é contada através do coração e através dos seus cinco sentidos, que são mais do que cinco sentidos.

A história de João é uma peregrinação – uma peregrinação em direção à Caaba de seu coração.(*)
Ele professa a religião do Amor – a única religião que torna os seres videntes.

É a magia do Amor que lhe permite conhecer a essência dos universos.
Por isso as cores são sons e os sons são cheiros e os cheiros são cores.

E tudo é tudo e todos ao mesmo tempo.
O Amor, ao longo das páginas de “ TUDO É DE TODOS”, consegue rastrear as suspensões da luz em suas diversas vibrações e em cada ser que atravessa .
Como se João, e é dito, nascesse perfeito desde o início dos tempos.

Este livro evoca a Arte da Memória. Pois é essa Memória que lhe permite atingir a Sabedoria.(#)

No decorrer da estória, João, já adolescente, coloca em causa a necessidade ou a identidade da leitura dos livros para adquirir a Sabedoria.
A este respeito lembro as palavras de Dinis, o Areopagita, (membro do Areópago) :
“Rejeitem todos os conhecimentos para receberem “o Conhecimento”.

Ou citando, mais próximo de nós, Pessoa:
“ Desaprender tudo para tudo aprender”.
É esvaziando o Copo que se prepara o Co(r)po para receber o delicioso néctar.
Avançando ainda na leitura em “TUDO É DE TODOS” , diria que João poderia ter conhecido os Essénios.
-Os Essénios nunca juravam em cima de nada, porque o seu “sim” e o seu “não” eram tão bons e muito melhores que um juramento.-

No silêncio das horas nocturnas, quando os sentidos corpóreos estão fechados (nas grades do sono, ou por outra arte maior), é então que outros sentidos se ampliam.
João adivinha, sabe por esta Arte da Memória, que  “Deus” emana-se em milhões de seres e universos e está em todas as coisas.

Interrogo-me:
Mas, João, personagem principal do livro, está no Céu ou está na Terra?
Como disse Píndaro:
“No Céu, saber é olhar. Na Terra, saber é recordar”.
João olha e recorda. “A Unidade é a sua Origem. O regresso à Unidade é a sua Senda.
O Cérebro mostra o Caminho de Regresso.

O Coração é a chave para cada etapa.

Em “TUDO É DE TODOS” é lançada, no decorrer da obra, a primeira pedra do Templo da Filosofia- o Silêncio. (**)

E João avança na senda. É desta Sabedoria que João nos fala sob o dígito da humildade.
Neste livro não há muitos diálogos (a dois), mas o diálogo dá-se entre iguais e diferentes, nunca entre antagónicos.(***)
É portanto uma tarefa criativa.

E o significado assim compartilhado, assim criado, é o “cimento” que mantém as pessoas unidas.

João tem um segredo: “Tudo é de todos”.
É que somos seres espirituais fazendo uma experiência humana.
O “eu” espiritual no ser humano é omnisciente e tem todos os conhecimentos inatos em si, ao passo que o “eu” pessoal é escravo da memória física.
É que tudo é distinto sem ser separado.
Um livro da Arte do Amor.

Pois que cada qual vivencie as letras que estão nessa Memória como a excelsa Arte. (****)


(#) Recordando um trecho de “Ísis sem véu” de H. Blavatsky :
“Ao despertar para a consciência externa, de um pesado e profundo sono, sem sonhos e ininterrupto, os homens podem às vezes não se lembrar de nada. Mas as impressões das cenas e das paisagens que o corpo astral viu em suas peregrinações estão ainda ali, embora latentes sob a pressão da matéria”.
“Elas podem ser acordadas a qualquer momento, durante os lampejos da memória interna do homem, havendo um intercâmbio de energias entre os universos visíveis e invisíveis.”

(*) Sabemos que para os muçulmanos de todo o mundo, o local mais sagrado da terra é um Santuário Quadrado, coberto de preto, chamado Caaba, que fica no centro do pátio da mesquita (al-Haram) em Meca.
Consta que (na tradição islâmica) Abraão e Ismael construíram a Caaba como uma cópia da casa de Deus no céu.
Consta ainda que essa pedra foi dada a Adão, depois da sua expulsão do Paraíso, para que obtivesse “perdão” dos seus pecados.
Diz-se ainda que a pedra era originariamente branca, mas ao absorver os pecados de milhões de peregrinos ficou preta.
(Agora, rachada em pedaços, a pedra negra é protegida por uma estrutura de prata.) –

(**) Hemingway afirmou:
“São precisos dois anos para aprender a falar e sessenta para aprender a calar”

(***) Neste livro não há muitos diálogos (a dois) , e o dialogo dá-se entre iguais e diferentes, nunca entre antagónicos – Moacir Gadotti
Diálogo vem da palavra grega dialogos.
Logos significa “a palavra”, ou melhor, “o significado da palavra”.
E dia significa – através de, não significando dois ou duplo.
Um diálogo pode-se dar com um qualquer número de pessoas, não apenas entre duas.
Até mesmo uma pessoa sozinha, pode ter um sentido de diálogo consigo mesma se o espírito do diálogo estiver presente.
Portanto, a palavra vai fluindo entre nós e através de nós.
Isto torna possível um fluir de significado para todo os dialogantes.
Desse fluir surge uma compreensão nova.
Trata-se de algo que não estava presente quando se começou.
É uma tarefa criativa. E o significado assim compartilhado, assim criado, é o “cimento” que mantém as pessoas unidas.

(****) “O Amor mata o que éramos, a fim de que surja o que não éramos.
O Amor é para nós como a morte”, Carl Jung.


Maria Azenha

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Azenha)