A antiga casa

 

NICOLAU SAIÃO


   “A casa é a luz do mundo” – Gérard Calandre

 

      A antiga casa    não lhe mexam. Não procurem

     desfazer-lhe os sinais que as sombras

     lhe deixaram. Os canteiros

     que fiquem com pedaços de cacos,  velhas

      rugas sob os alicerces. Plantas

      que o silêncio gerou anos e anos

      às telhas se misturem.

      Os dedos,  não lhos marquem

      com óleos,   tintas,   cores

      em toda a frontaria e nas traseiras

      E as nódoas de musgo, a cansada ferrugem, as

      flores quase desfeitas

      abandonem-lhas. Não lhe pintem

      também a luz

      que o tempo debaixo do cimento faz ficar

      – o sol,  o vento,  a chuva –

       mágoas e alegrias dum século

       mais que incolor e vago.

 

        Absorto e parado

        que tudo sempre idêntico

        sepultado nas crostas sem limites

        fique    como os minutos da terra,  assim desfeitos.

 

        A brisa,  como em sons

        de vida e morte

        nas janelas abertas    passe

        – lamento reflectindo a memória

        lenta das vozes.

 

        Que as asas lhe resguardem a quietude. Que o sol

        a vele e adormeça sua paz final. Que o Outono

        lhe acalente a ausência:  porque  já nada pode

        agora transtornar

        a velha moradia

        – os campos,  em redor,  são o disfarce

        de milhares de coisa já perdidas –        

        aranha minúscula subindo

        os tempos invisíveis

        laços para sempre desmanchados, porta

        que se entreabre e une   finito e infinito.