venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006

Stella Carbono M.'. M.'.C.'.

TRABALHOS DE UMA LENHADORA

TERCEIRA PARTE: ARTE

Arboreto

 

BRITIANDE - PORTO

2010

 Para a Isaura Baptista Guedes
que leva os primos e amigos para a sua quinta
e lhes dá a mamar das árvores

ARBORETO - INDEX

A figueira

Há tantas Ficus tantas
Asvattha ou Ficus religiosa é só uma entre mil
como as da borracha...
Mas agora quero é figos
e para figos basta a bíblica figueira
que devia ser a Ficus carica
mas talvez não...
Dobra-se tocando a finados
retorcida como cordas
de navio a vencer
as misteriosas tempestades
do inverno.

A Gravelina costumava sentar-se
debaixo da figueira
com uma broa de milho
e ia comendo figos com pão.
Assim procedia ano após ano
e a figueira até já a conhecia
e chegava-lhe à mão
os figos mais pingados de mel
na ponta dos ramos.

Um dia a Gravelina caiu
e bateu com a cabeça
nos degraus de pedra
da escada.

Não resistiu
passados dias
a Gravelina morreu.

Nesse ano a figueira não deu figos
mirraram-lhe os ramos
as folhas amareleceram
secou da raiz à copa
com saudades da dona
e também ela
a figueira da Gravelina
morreu.

E há outras figueiras ainda
de interditos figos
mais que os trinta dinheiros
fáceis da traição
o punhal enterrado nas costas
nem de Cristo nem de Judas
antes pelo contrário.

É sempre o mais próximo
o que sem direitos julga
o que sem poderes condena
o que sem piedade executa
o que mais fundo corta
o tronco da árvore
é esse o que nos arranca da terra-mátria
pela raiz
sem vertigens de compaixão.

Pois nesse ano a figueira não deu figos
e com saudades da Gravelina
também ela
a Ficus carica de que se aleitava
morreu.
 

 

Maria Estela Guedes
Britiande . Porto, Agosto/-, 2010