venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006

Chamem-nos à Pedra!

Por Stella Carbono M.'.M.'.C.'.I.'.

 

Prepara-se mais um escândalo na República Portuguesa, desta vez por ter havido, segundo consta, trocas ilícitas de informação entre os Serviços Secretos e a Maçonaria.

Uma vez que a Imprensa discute e se fazem entrevistas sobre a questão maçónica, umas a quem sabe, outras a quem não sabe o que diz, e se espera que nesta tribuna surja algum comentário, ao menos a demonstrar que estamos ao corrente da situação, aqui deixamos uma pequena prancha.

Em relação às ilegalidades, o assunto é tão fácil de resolver como tantos outros que demoram anos a percorrer os corredores dos palácios de Justiça, se desembrulham e embrulham a ponto de o cidadão se perguntar quem, afinal, mente e quem diz a verdade, passando ao ceticismo científico na sequência de inúmeras faltas de resposta. Em suma: as Ordens maçónicas dispõem de tribunal próprio, onde se julgam os prevaricadores; se os há, chamem-nos à Pedra, ou à Madeira, consoante as filiações. Se no escândalo vertente há cidadãos prevaricadores, à pedra sejam também chamados. A única diferença, em matéria de Justiça, entre maçons e pagãos, vem de que os pagãos só têm a Justiça da República para os condenar ou defender, ao passo que os maçons respondem em dois tribunais.

Posto isto, passo a duas ou três questões gerais que nos incomodam, a saber: o estatuto de sociedade secreta atribuído às lojas maçónicas, e o descritivo «seita» que se lhes aplica.

Em relação ao secretismo, as sociedades maçónicas são iniciáticas e não secretas, embora, como manda o bom senso, devam resguardar-se em períodos de perseguição. Ou em períodos revolucionários, o que vem a dar na mesma. Não é o caso, as lojas maçónicas, atualmente, são livres, donde o secretismo é opção individual: quem quer ocultar a filiação, oculta; quem não quer, declara. Que ninguém obrigue, entretanto, a prestar declarações sobre assuntos do foro pessoal, pois isso atenta contra as liberdades de cada um.

Também é certo que está interdito ao maçon revelar o que se passa nas sessões, mas nas sessões não se comem criancinhas nem se adora o Chifrudo, enfim, não se passa nada que não possa ser revelado. Em rigor, do nosso ponto de vista, só são secretos os toques, palavras e sinais que servem para identificar o maçon. Porém, como a tripla senha muda com o grau, e graus há mais de 33 só numa das Obediências, é fácil ver que nem sob tortura o comum dos maçons estaria apto a recordar tais figuras simbólicas, ou 33 distintas combinações de «name, username e password».

E já que falamos do que se pode dizer ou não sob tortura, também convém esclarecer que o maçon, do que se passa nas sessões, só sabe o que se passa naquelas em que participa, isto é, a matéria relativa ao seu grau. O Aprendiz não participa nas sessões de Companheiro e ainda menos nas de Mestre, donde só poderia responder, sob tortura, e caso soubesse ou se lembrasse, a questionários sobre a matéria de Aprendiz. Porém, como há Obediências com 33 graus e mais, depressa se conclui que só os grão-mestres e os past-masters estariam em condições de revelar os segredos das sessões de 33º grau ou superior - isto, claro, se tivessem estudado a matéria, ou se se lembrassem da matéria que deve ser estudada, porque a Maçonaria é, em primeiro lugar, uma Escola, com livros, cadernos, lápis, borracha e testes. Testes, com questionários de dezenas de perguntas a que convém (mas não é obrigatório) saber dar resposta.

Mas ainda aqui nós desviaríamos para o meio do caminho um pedregulho, que é o de até alguns maçons suporem que a matéria secreta das sessões é constituída pelos textos. Não, os textos estão publicados, por isso são públicos. Só textos originais, manuscritos, de preferência, escritos de propósito para cada sessão, podiam ser considerados secretos. Ora, para cada sessão, só as pranchas do dia são originais, se não se limitarem, claro, a copiar passagens de livros esotéricos, que é a prática mais comum. A partir do momento em que o texto, seja este nosso artigo, que podia ou poderá vir a ser uma prancha, a partir do momento em que alguém o leia no momento próprio, no Templo, ele deixa de ser secreto.

Resumindo, os textos dos rituais, diferentes consoante o grau, até onde nós os conhecemos, são tecidos com extratos de livros sagrados de proveniência diversa. Nada de menos secreto. Iniciático, sim.

Quanto ao último ponto, o discurso antimaçónico é o que há de mais rançoso, a começar pela designação de «seita», que replica a encíclica de Leão XIII, De Secta Massonum - Humanum Genus. Foi publicada em 1884. Quer dizer que a Imprensa e a Vox populi usam o discurso da Igreja do século XIX para classificar o que pode, por alguns, ser vivido como fé, mas não constitui uma religião, e menos ainda a parte (secta) de um todo religioso. Pelo contrário, para quem tem fé, a Maçonaria é o Todo (ela lida, como dissemos, com textos de livros sagrados oriundos de distintos continentes) e não uma parte de dada religião. Sobretudo não é uma parte da religião responsável pela designação «seita» - a Igreja católica. É do conhecimento geral que a Maçonaria, em épocas transatas, combateu a Igreja, e que dessa batalha resultaram, por exemplo, a separação entre a Igreja e o Estado e a laicização do Ensino.

Chamem-nos à Pedra e à Madeira, se existir infração, mas não se atribua à Maçonaria o que decorre da iniciativa de cada cidadão, seja maçon ou não. Em geral, as maçonarias não atuam no terreno profano como corpos coletivos. Por isso, excecionalmente, a Carbonária, sim, agiu no seu tempo como um corpo militar.

 

(Maria Estela Guedes)

 Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince