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Discriminação global no dia mundial da Mulher
MARICEL CHAVARRIA

Em Barcelona

Violência faz o dia-a-dia feminino, diz ONG Médicos sem Fronteiras

A violência sexual não é um fenômeno exclusivo de países em conflito ou instáveis, "nem de negros ou latinos selvagens". Os números registrados pelos países do norte demonstram que também na Europa é uma prática recorrente. Em países em paz, essa violência que vai desde a violação até a escravidão sexual, passando pelos casamentos forçados ou precoces, é exercida pelo parceiro ou alguém do círculo familiar.

Assim, durante a guerra da Libéria, dois terços da população feminina sofreram abusos, mas calcula-se que nos EUA ocorram 700 mil violações por ano; na Grã-Bretanha o principal violador é o próprio parceiro e na Europa em geral a principal causa de morte de mulheres de 15 a 40 anos é a violência de gênero. É uma tragédia "bem distribuída", denunciada pelo relatório anual da Médicos Sem Fronteiras (MSF) divulgado às vésperas do Dia da Mulher.

Nos últimos anos, segundo o documento, centenas de milhares de mulheres afetadas pelos conflitos em todo o mundo sofreram a mesma situação que no recente caso de Darfur.

Na República Democrática do Congo, República Centro Africana, Libéria, Serra Leoa e Guiné, dezenas de milhares de mulheres e meninas foram violentadas, agredidas, torturadas, mutiladas... Uma violência que muitas vezes faz parte da estratégia de guerra e se exerce em grupo.

"É uma violência que nem sempre acontece pelo mesmo motivo", afirma Christelle Boulanger, especialista em violência sexual da MSF e uma das expatriadas que ajudam a identificar assuntos de direitos humanos no Sudão, Libéria e Congo.

"No Zimbábue, por exemplo, é corrente o fenômeno do incesto, e recebemos muitas vítimas menores violentadas no ambiente familiar, e muitas meninas que estão na primeira adolescência e se oferecem por dinheiro."

De fato, na África austral é comum que os pais e irmãos introduzam os meninos no sexo com rituais de iniciação que para nós é uma violação. "Eles não o processam desse modo, mas é, e também uma via de transmissão da Aids", indica Boulanger.

O fim dos conflitos não significa que esse tipo de violência termine e que se aplique justiça aos agressores. Na Libéria, um país em paz desde 2003, a MSF viu aumentar o número de violações: em 2005 receberam entre 50 e 60 casos por mês em seu hospital de Monróvia, mas em janeiro último passaram para 200. E o mais preocupante é que a metade dos agressores é menor de idade, quer dizer, jovens que nunca conheceram outro contexto que não o da guerra. "É uma das seqüelas da guerra: o intercâmbio social violento."

No Congo, a MSF atendeu 4.500 vítimas entre 2003 e 2005. A mais jovem tinha oito meses e a maior, 80 anos. A grande maioria, 82%, foi ameaçada com um fuzil ou machado. A brutalidade nesses casos é pouco comum, como indica o número de fístulas vesicovaginais (ruptura da membrana que separa a vagina do ânus).

"A falta de justiça e a impunidade estimulam a seguir por esse caminho", acrescenta o relatório. Desde novembro, a Libéria conta com uma nova lei de violação que não reconhece a violação marital.

"Em quase nenhum país da África existe a noção da violação dentro do casal", afirma Boulanger. No Sudão, um país muçulmano onde o tabu é tão forte quanto o estigma que sofrem as mulheres, soma-se à impunidade a forte probabilidade de a vítima sair perdendo caso decida denunciar.

Diante do tribunal, deve provar com a ajuda de quatro testemunhas que foi violada. Se não conseguir e for casada, será condenada por adultério e se for solteira, por fornicação.

A experiência do Níger

A comunidade internacional está fracassando na hora de assumir suas responsabilidades e prestar assistência às populações em situação de emergência onde ela é mais necessária: nas crises derivadas de epidemias, doenças esquecidas ou conflitos crônicos, que mais provocam mortes e sofrimento.

É a mensagem implícita na "Memória Internacional 2005" da Médicos Sem Fronteiras, que ressaltou novamente a falta de compromisso dos países doadores, cujos programas de ajuda oficial, como o do Congo, são orientados para o desenvolvimento, esquecendo que milhares de pessoas continuam sofrendo as conseqüências de uma violência sistemática.

A experiência do Níger, onde se combinaram três elementos (seca, insegurança alimentar e a praga do gafanhoto) e geraram uma emergência, foi uma das lições nesse sentido. Rafael Vilasanjuan, diretor-geral da MSF, lembra que em plena crise nutricional a comunidade internacional pretendeu condicionar a distribuição gratuita de alimentos à estabilidade do mercado, uma política que pôs milhares de vidas em risco, gente que não podia comprar alimentos nem por baixo custo. Afinal, pressionada pelas ONGs, a comunidade internacional reagiu, embora um pouco tarde.

"Acontece que em países em conflito ou pós-conflito se pretende que a ajuda humanitária seja um meio para conseguir uma paz política e uma governabilidade que acreditamos que deva ser alcançada por outros meios. Ao ocorrer isso, a ajuda humanitária perde seu sentido, pois fica condicionada", afirma Vilasanjuan.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves


 
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