Carlos Ferreira: Sintra, a Pedra e a Árvore
TriploV
03-10-2007
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E-mail de Carlos Ferreira para Ana Anes
 
Olá Ana,
 

Desculpe incomodá-la, mas penso que a Ana é capaz de ser a pessoa que neste momento estará em melhores condições para me ajudar a resolver um problema que para mim é quase uma questão existencial.

Eu moro em Maceira, perto de Pero-Pinheiro. Desde miúdo que sempre me senti atraído por um local dentro da localidade. Trata-se de uma zona onde existem várias formações calcárias a que se dá o nome de Lapiás.

Estas pedras estão situadas num local que, se não fossem as destruições de que tem sido alvo, poderíamos considerar privilegiado.

Neste local existe uma Fonte, rodeada por Carvalhos, que já teve água potável, não tivessem sido as fossas das casas a contaminar o lençol freático. Até há pouco tempo ainda existia a entrada da mina de água, que um galego qualquer destruiu para construir uma casa por cima.

Lembro-me de ouvir em miúdo que a mina de água comunicava com um lago subterrâneo navegável e que se dizia comunicava com um túnel que ir ter a Sintra.

Falava-se também no aparecimento de uma Fada (Morgana?) acompanhada de um Urso em determinadas alturas do ano.

Acontece que todo o conjunto de Lapiás é constituido por rochas zoomórficas e não só. Aqui à volta existem mais rochas deste tipo, que eu penso fazerem parte de um calendário astronómico muito antigo. Ainda existe a rua do Penedo Sino, que vibrava? consoante era percurtido. Há uma outra rua com o nome do Penedo Abelha, outra Penedo Lobo, etc..

Junto a uma formação a que damos o nome da rocha do Elefante há um arco por onde passamos e que se situa por debaixo da cabeça. Esta estrutura tem a forma de uma bilha de água e por acaso está orientada ao nascer do Sol no solstício de Verão; projectava a sombra da rocha com a bilha iluminada no local onde estava situada a entrada da mina de água, só por acaso. Esta formação tem um nicho esculpido, indicador de cristianização; por coincidência, o Santo Orago da povoação é o S. João Baptista, celebrado anualmente através dos festejos tradicionais.

Junto a esta formação existem as ruínas de uma casa, que eu identifico como o laboratório de um alquimista. A casa, inserida no meio de vários Lapiás, tem um acesso a uma gruta que está obstruído.

O que me leva a associar a casa à Alquimia deve-se ao facto, entre outros, de haver ainda uns canteiros suspensos, alcandorados nos Lapiás, onde ainda se encontram várias árvores de frutos, todos eles simbólicos: ameixas, pêssegos, romãs, oliveiras, etc.. As árvores alimentam-se directamente da água-mãe, que mana da própria rocha, para além da água da chuva. Mas as raízes estão entranhadas na própria rocha. O seu pai iria de certo gostar de visitar o local.

Existem também várias Piteiras para recolha de Orvalhos.

Ainda me lembro da casa com telhado, mas actualmente só existem restos de algumas paredes e pouco mais.

A formação rochosa que eu considero mais importante é um Lapiá que é furado. Encontra-se também orientado. Quando andava na escola primária costumávamos brincar junto a esta rocha e uma das provas de coragem que costumávamos fazer era passar através da rocha. Todo o percurso interior tem de ser feito de rastos, empurrando o corpo com os pés. Entra-se do lado Poente, o traçado do percurso assemelha-se a um sifão. Toda a manobra corporal tem de ser feita de modo semelhante ao que fazemos quando nascemos, dando a volta completa e apresentando a cabeça à saida de uma fenda, por onde brotavam águas, fenda essa de forma vaginal, virada a Nascente. Isto é sem dúvida uma rocha onde outrora se praticavam rituais de cariz iniciático.

Penso que talvez tenha sido esta rocha a estar na origem do nome da localidade chamada Pedra-Furada.

Acontece que há uns anos, uma Comissão de Melhoramentos da Treta cujos elementos ninguém sabe quem são, nem quem os empossou, resolveu, pasme-se, com a conivência da Junta de Freguesia de Montelavar, colocar uma estátua do ditador Mobutu Sese Seko no topo da dita rocha.

Apetece-me dinamitar aquela trampa toda! Só não o faço, porque destruiria aquilo que pretendo proteger.

Ainda por cima a Junta de Freguesia permitiu que construissem umas churrasqueiras no local e, não satisfeitos, permitiu também que revestissem o chão de grande parte do local com desperdícios de mármores das oficinas. Uns bocados de pedra de forma oval, resultado da abertura dos buracos para colocação dos lava-loiças nas cozinhas.

Resultado, um pedaço do nosso património cultural, podendo dizer-se quase genético, transformado numa cagada em vários actos, resultado da incultura generalizada das nossas gentes. Só faltava o Patriarcado vir abençoar a obra. 

Aquilo que lhe peço, para lá da paciência que teve para ler este meu desabafo, é que, se achar que vale a pena fazer alguma coisa, me contacte para marcarmos uma visita guiada ao local, seguida de uma conversa com mais pessoas que também estão interessadas na preservação do local, depois logo se decide o que fazer a seguir.

Beijinhos,

Carlos Ferreira