O general e mestre da loja 25 de Abril, uma das
maiores do Grande Oriente Lusitano, lembra a história de rigor e humanismo
da maçonaria.
O maçon do Grande Oriente Lusitano (GOL), Vasco Lourenço, veio ontem
denunciar quem, a coberto da "fraternidade" e das lojas maçónicas, "assume
comportamentos degangs". O general quis expor as divergências de fundo que
diz existirem entre a generalidade dos maçons e as alegadas práticas
ilícitas associadas a alguns membros da loja Mozart49, a que pertencem o
líder e o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Luís Montenegro e
Miguel Santos, respectivamente, assim como altos quadros da Ongoing, entre
os quais o ex-chefe do SIED, Jorge Silva Carvalho, sob investigação criminal
e do Parlamento.
"É evidente que se alguém das secretas, através de uma loja, passa
informação para fora, ou para outro membro da loja, quer seja por venda
comercial ou com outra finalidade, coloca uma questão do foro criminal, que
não é própria da maçonaria", disse Vasco Lourenço, presidente da Associação
de 25 Abril e mestre da loja 25 de Abril, pertencente ao GOL.
A resposta surgiu depois de o PÚBLICO questionar o general sobre as ligações
entre altos dirigentes do PSD, quadros superiores da Ongoing e ex-agentes
das secretas. Recorde-se que Silva Carvalho foi acusado de ter fornecido
informações classificadas à Ongoing, antes e depois de entrar na empresa
(onde estão outros ex-espiões), o que justificou uma série de audições
parlamentares e a abertura de inquéritos pelo Ministério Público.
O mestre da loja 25 de Abril explicou: "Quando alguém me telefona e se
identifica como maçon falo mais facilmente com ele, o que não quer dizer que
faça o que ele me pede. A fraternidade funciona assim." E admitiu que "há
quem a use para formar gangs a coberto de lojas maçónicas. E isto é
absolutamente condenável".
Ontem o PÚBLICO revelou o teor de vários emails a convocarem dezenas de
personalidades, na sua maioria associadas à loja Mozart49, para um jantar
debate destinado a discutir as questões do crescimento económico. O encontro
não se realizou, segundo os seus promotores (Nuno Manalvo e António
Saraiva), por falta de quórum, embora o orador convidado, Joaquim Aguiar,
tenha dito ao PÚBLICO que o argumento dado foi que o restaurante estava
cheio. Esta iniciativa, que em si não revela qualquer ilicitude, ajuda a
perceber certas ligações que podem ser, ou não, inocentes. Na lista dos
convidados (ver infografia) para o jantar debate, reservado a "membros da
nossa casa", estavam, entre outros, vários políticos, empresários,
ex-espiões, polícias, advogados e gente da comunicação social.
O PÚBLICO sabe que os membros da loja 25 de Abril estiveram reunidos
anteontem e as notícias à volta da Mozart49 foram abordadas, tendo havido um
consenso sobre a necessidade de tomar uma posição clarificadora. As
declarações de Vasco Lourenço, em tom de denúncia, criticando abertamente
determinados comportamentos, devem ser interpretadas a esta luz.
Historicamente há no GOL uma tradição de apego à liberdade e à
solidariedade, associada aos velhos republicanos da Primeira República.
Ontem, um maçon, que obedece ao ritual da Grande Loja Regular de Portugal,
contactou pessoalmente o PÚBLICO também com o objectivo de se demarcar do
que se está a passar e contou mesmo que dentro daquela instituição há quem
esteja incomodado com as notícias que têm saído, e que podem configurar, ou
não, a existência de uma possível rede de influências. "Alguns da Mozart49
foram apanhados de surpresa e não acreditam que isso seja possível, pois
estão genuinamente na instituição atraídos pelos valores humanistas".
A loja P2 e a Casa do Sino
As declarações de Vasco Lourenço ao PÚBLICO sobre a Mozart49 foram
precedidas de duas ressalvas: "Não conheço em concreto esta loja, que a mim
não me diz nada, pois pertenço ao GOL, e eles pertencem à Grande Loja
Regular de Portugal; por outro lado, as informações chegam-me através da
comunicação social." E adiantou que, "caso se confirmem, então estamos
perante comportamentos que nada têm a ver com as práticas maçónicas, o que é
lamentável".
No GOL, assegura, "isto seria impossível, apesar de poderem existir
elementos que possam ter actuado de modo menos correcto, mas estas
ilicitudes, assim que detectadas, são imediatamente sanadas".
Lourenço lembra que há situações que "não são completamente evitáveis", e
recorda dois casos. "Um envolveu a loja P2, em Itália, associada ao
ex-primeiro-ministro Bettino Craxi, e outro, em Portugal, quando rebentou o
escândalo à volta da Universidade Moderna [Grande Loja Regular de
Portugal]." "É evidente", explicou Lourenço, "que quando se tem intenção de
avançar com um projecto de influência, visando uma actuação ilegítima, as
pessoas não esgrimem publicamente as suas intenções. E vão formar uma loja e
convidam elementos com influência para servir os seus objectivos e ainda
pessoas credíveis, a quem passa tudo ao lado".
"Não é numa sessão da loja que se montam os esquemas ilícitos, até porque
isso é tecnicamente proibido; eles são planeados à margem, mas com a
conivência de pessoas lá de dentro com quem há ligações de irmãos",
observou. Mas reconheceu: "A fraternidade serve para encobrir estas coisas.
É evidente que torna tudo mais fácil." E concluiu: "Só posso distanciar-me,
enquanto membro do GOL, de situações em que há quem se aproveite das
relações que tem com uma instituição digna como a maçonaria, com uma
história de rigor e de defesa de valores, para actuar de modo incorrecto."
Relatórios disponibilizados ontem
Críticas à maçonaria só surgem no texto do PSD
Cerca de três meses depois de a 1.ª comissão parlamentar ter terminado as
audições sobre as irregularidades nos serviços secretos, e após os partidos
não terem alcançado qualquer consenso sobre a elaboração de um relatório
final conjunto, foram ontem à noite disponibilizadas no site do Parlamento
as posições de todas as bancadas.
O PSD, tal como afirmou a deputada Teresa Leal Coelho numa conferência de
imprensa realizada esta semana, não retirou "uma vírgula" ao seu texto,
embora no projecto de relatório final conjunto, que acabou por ser
rejeitado, as menções à maçonaria tivessem sido expurgadas, tal como o
PÚBLICO noticiou. Manteve, por isso, as suspeitas sobre as ligações de
titulares de cargos de chefia e direcção dos serviços a "ramos da
maçonaria", embora o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, seja membro
da loja Mozart49, onde estão altos quadros da Ongoing - a empresa para a
qual Jorge Silva Carvalho, ex-director da secreta externa, terá fornecido
dados classificados.
O PS, tal como tinha anunciado, não apresentou quaisquer conclusões, tendo
justificado que não pretendia revelar o teor das audições realizadas na
comissão, na sequência das notícias sobre as fugas de informações para a
Ongoing e sobre o acesso ilícito aos registos telefónicos do jornalista Nuno
Simas, no Verão de 2010. Também ontem, a 1.ª comissão disponibilizou um
documento que elenca todas as suas diligências, desde 27 de Julho, quando os
deputados aprovaram a audição de Marques Júnior, presidente do Conselho de
Fiscalização das secretas, até 19 de Outubro, quando aprovaram a redacção de
um documento final comum, que não foi concretizado.
Público 2012-01-06 |