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Breve historial da Maçonaria Carbonária em Portugal
Pelo Irmão A.M.Gonçalves Mestre Maçom [1]

R.L. Anderson nº 16
Grande Loja Regular de Portugal/GLLP
14º Grau do Rito Escocês Antigo e Aceite.
PARTE IV

Em 28 de Maio de 1926 tem lugar um golpe de Estado promovido por militares que conduz à instauração da Ditadura Militar e ao derrube da democracia parlamentar instituída em Outubro de 1910, golpe chefiado pelo General Gomes da Costa, o qual avança sobre Lisboa sem encontrar resistência. O consenso que gera na sociedade portuguesa deve-se a razões de natureza interna, decorrentes da instabilidade política com 45 ministérios em 16 anos, a vários actos violentos conduzido pela oposição monárquica e grupos radicais de republicanos, sem esquecer os confrontos laborais. Por outro no seu afã anticlerical a República esquecera o país maioritariamente agrário, conservador e católico e viu esfumar-se o apoio da sua base social, a classe média urbana, com a redução dos seus rendimentos proveniente da inflação do pós-guerra, da instabilidade social e política e do avanço das ideias bolchevistas, inclinando-se para um governo que restaurasse a ordem e a tranquilidade. Para muitos republicanos a Revolução de 28 de Maio representara um primeiro passo para a restauração da República. O movimento não se repercute logo, directamente, na actividade maçónica, até porque a liderança do regime passa para o General Óscar Carmona (maçon) que é eleito Presidente da República em Abril de 1928. Sendo alguns dos seus chefes maçons a maçonaria teve até 1929 plena liberdade de acção, embora se começasse a sentir, gradualmente, o emergir de um aceso e virulento conservadorismo, apoiado pelas forças próximas da Igreja Católica, de há muito adversárias da maçonaria e dos princípios defendidos pelos franco-maçons.

Elemento fundamental nesta conjuntura foi a nomeação do Professor António Oliveira Salazar como Ministro das Finanças do novo ministério chefiado pelo Coronel Valente de Freitas, que aceitaria a nomeação com a condição de superintender sobre as despesas de todos os ministérios. O sucesso de Oliveira Salazar nas Finanças numa gestão de apertado rigor deu-lhe as condições políticas para a sua ascensão a chefe do governo em Julho de 1932, com o apoio do capital financeiro, da Igreja, da maioria do exército, dos intelectuais conservadores e dos monárquicos.

Já na revolta de Fevereiro de 1927 contra a Ditadura tomaram parte numerosos maçons e em 31 de Outubro do mesmo ano, o Conselho Geral do Grande Oriente Lusitano, pelo médico Ramón de la Féria, dirigia uma comunicação a todos os obreiros e lojas, propondo um programa detalhado de resistência e luta contra o avanço do movimento e ideologia reaccionária que favorecera a entrada de Oliveira Salazar no governo e sequencialmente a consolidação do seu poder pessoal. Passo que propiciaria a instalação em Portugal de um Estado antiliberal, conservador, nacionalista e corporativo, autoritário e colonialista, simpatizante das ideologias fascista e nazi que se haviam instalado na Itália e na Alemanha[59]. Falecia, entretanto, em 7 de Dezembro o Grão-mestre Magalhães Lima e a Dieta elegeria António José de Almeida como Grão-mestre o qual se encontrando já debilitado, vindo a falecer em 31 de Outubro de 1929[60].

Este período corresponde também ao ataque das forças do novo regime contra as instituições maçónicas. Em 16 de Abril, o Grémio Lusitano, sede do Grande Oriente é assaltado por forças da Guarda Nacional Republicana e da polícia, sendo ao mesmo tempo presos todos os maçons que ali se encontravam e apreendido e destruído diverso material que ali se encontrava. A partir de Maio de 1929 e até ao ano seguinte o Palácio maçónico encerra as suas portas para evitar a repetição de desacatos.

Reconhecendo o clima persecutório instituído pelo regime, o Conselho do Grande Oriente sob presidência de José da Costa Pina decreta a triangulação de todas as lojas com vista a redução de grandes ajuntamentos facilmente detectáveis pelas novas autoridades e seus espiões. Em seu lugar ocorrem reuniões formais em pequenos conciliábulos realizados, discretamente, em casas particulares. No último dia do ano de 1929, a maçonaria portuguesa elege como seu chefe e Grão-mestre o General Norton de Matos que na sua mensagem ao povo maçónico concita a maçonaria «a marchar na grande obra da reorganização nacional e sublinha que perante a grande desastre que representará para a Nação a vitória reaccionária que se está preparando, é dever nosso empregar todos os meios pacíficos e dignos de que dispomos para desviar a Pátria às calamidades que a ameaçam»[61].

Um ano depois perante a Grande Dieta, o General Norton de Matos dando eco ao agravamento da situação política no país, apela «à luta incansável contra a ditadura e a necessidade de travar o último combate contra a definitiva e completa vitória reaccionária» A concluir, profeticamente, prediz que «se a reacção vencesse uma longa época de marasmo, de inércia forçada, de desanimo e de tristeza cairia sobre Portugal»[62]. A supressão das ideias liberais e dos princípios da tolerância e do dissenso é acompanhada da deportação, demissão da função pública, e colocação na miséria de muitos maçons e outros opositores ao regime. Por falta de obreiros ou por impossibilidade de trabalhar simplesmente, dezenas de lojas e triângulos são obrigados a cessar a sua actividade e abatem colunas. Os anos de 1931 a 1935 são de gradual enfraquecimento da maçonaria e de uma perseguição constante[63]. Em 1930 havia sido criada a União Nacional, pretensamente uma organização não-partidária, assumindo-se como a base de apoio político ao governo. A União Nacional rapidamente se revelou um partido único que Salazar, o seu chefe incontestado, manobrava a seu belo prazer. Em fins de 1934 realizam-se as primeiras eleições depois do golpe de 1926, concorrendo unicamente a União Nacional, a qual fica a controlar os 90 deputados da Assembleia Nacional. Entretanto havia sido iniciada a extinção dos partidos políticos, das ''sociedades secretas'' e dos sindicatos livres.

Com o reforço do poder pessoal de Salazar começa a ser modelado a partir de 1930 o sistema político autoritário do Estado Novo o qual recusa a soberania popular e a liberdade como conceitos de legitimação do regime, opondo-se Salazar ao multipartidarismo da República. Segundo a doutrina de Salazar a soberania não se fundava nos indivíduos que constituíam a Nação mas nesta, por representar um todo orgânico onde apesar de existirem diferenças os interesses de todos se deveriam sobrepor às convenções individuais, sendo o Estado e o governo os exclusivos intérpretes desse interesse nacional. De um ponto de vista moral, Salazar recupera valores e conceitos morais decorrentes da tradição elegendo Deus, a Pátria, a Família, a Autoridade, a Paz Social, a Hierarquia, a Moralidade como valores fundamentais, sendo o princípio da autoridade o fulcro do seu sistema axiológico.

Em 19 de Janeiro de 1935, na recém-inaugurada Assembleia Nacional, o deputado José Cabral apresenta um projecto de lei proibindo todos os cidadãos portugueses de fazerem pare de associações secretas, sob pena de aplicação de penas várias que vão da pena de prisão ao desterro. Os candidatos à função pública e os funcionários públicos em funções são obrigados a jurar que não pertencem, nem jamais pertencerão a qualquer sociedade secreta. O projecto embora não o especifique dirige-se contra a Maçonaria. O Grão-mestre General Norton de Matos decide escrever ao presidente da Assembleia Nacional Dr. José Alberto dos Reis, ele próprio maçom uma carta de protesto convidando a Assembleia da República a não aprovar o projecto. Nem a carta, nem o contundente comentário que o poeta Fernando Pessoa publica no jornal Diário de Lisboa, em 4 de Fevereiro logram inverter a senha persecutória das novas autoridades. O projecto de lei que terá o número 2, recebe parecer favorável da Câmara Corporativa em 27 de Março é votado favoravelmente e por unanimidade em 6 de Abril e a Ordem é banida (Lei nº 1901, de 21 de Maio de 1935). Em inícios de 1935, o decreto nº 28 do Conselho Geral da Maçonaria reforça a orientação de triangulação das Lojas. O Grão-mestre demite-se em 4 de Abril de 1935 e transfere por sua vez os seus poderes para o Conselho da Ordem e para o seu presidente o Dr. Maurício Costa. Falecido em 19 de Maio de 1937, o Grande Oriente é entregue ao Dr. Luís Gonçalves Rebordão a quem cabe dirigir o Grande Oriente até ao término da ditadura. Seria entretando nomeados o Dr. José de Oliveira Dinis como Vice-Presidente e Ramon de la Féria, secretário, José da Costa Pina, também secretário e Alfredo Mourão, tesoureiro. Como consequência da Lei nº 1901, são emitidas a portaria de 21 de Janeiro de 1937 que dissolve formalmente o Grémio Lusitano ( associação profana que suporta do Grande Oriente) e a Lei nº 1950 que entrega os bens do Grémio Lusitano à Legião Portuguesa. Muitas insígnias, objectos da colecção e documentos do Grémio são depositados na Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (futura PIDE). Segundo relata Oliveira Marques parte significativa dos arquivos maçónicos seriam colocados a salvo sendo reinstalados após a Revolução de 1974 nas instalações do Grémio Lusitano, devolvidos á maçonaria portuguesa com a devolução da liberdade ao povo português.

Está por se fazer, em grande parte, a história da actividade maçónica sob regime salazarista e marcelista, mas parece seguro afirmar-se que número significativo de maçons escolheram o exílio e aí continuaram a desenvolver a sua actividade maçónica em lojas dos países de acolhimento[64]. Em 1974, nas vésperas da Revolução dos Cravos haveria somente três ou quatro lojas em funcionamento a Simpatia e União, Liberdade e José Estêvão. Por iniciativa de Adão e Silva e Dias Amado haviam sido criados pentágonos por forma difundir, na clandestinidade, as ideias da Maçonaria. Também por se fazer está a história da actividade de maçons estrangeiros ligados às embaixadas e às empresas sedeadas em Portugal durante esses difíceis anos de ditadura, sendo credível que uma ou várias lojas estivessem em funcionamento da dependência pelo menos da Grande Loja de Inglaterra.

Conjuntamente com outras instituições da ordem democrática portuguesa, a Maçonaria portuguesa derrubaria colunas até ao 25 de Abril de 1974, em que uma revolução, a Revolução dos Cravos, dirigida por capitães e outros oficiais derrubaria o regime ditadorial de Salazar e Caetano e restabeleceria a ordem democrática e as liberdades. Como sublinha Arthur Edwar Waite, a história da maçonaria no século XX, é em grande parte a história da supressão da Ordem Maçónica nas modernas ditaduras sob Mussolini, Adolf Hitler, sob jugo comunista, e sob Franco em Espanha e Salazar em Portugal[65]. Nesse período, de uma forma discreta como sempre nos períodos a que mais provas foram sujeitos, os maçons portugueses estariam na primeira fila da resistência à ditadura, pela afirmação da cultura e do renascimento de um Portugal livre e democrático[66].

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