Direcção de Miguel de Carvalho |
||
|
||
Senhor violoncelista, vai um peixe frito? |
||
- a quem o surrealismo interessar – “
... é aqui é que é imposível ser-se determinada coisa sem se saber o que
essa coisa é ...” |
||
|
||
Já umas semanas se passaram desde que lemos num periódico beirão concorrente do Washington Post uma notícia que, pelo sensacionalismo do título (que só lhe faltava ligar à corrente eléctrica para acender todos os neons implícitos a cada letra, o que é anti-ecológico – aplausos), nos motivou o presente escrito – não tomamos a atitude camiliana de responder a quente. O seu título que tanto nos diverte (ponhamos os óculos escuros por favor, aí vai) – PINTURA SURREALISTA NA PRAIA DE MIRA – . Como diria o saudoso Luiz Pacheco – PORRA, lá aconteceu um naufrágio na praia (neste caso aqui ao lado, em Mira) e parece que houve um fotógrafo/jornalista da mesma panela, claro. No referido periódico e ao timoneiro deste naufrágio, não lhe assentaria melhor retrato que aquele em que abraça um violoncelo. Para nos dar música está ele operacional. E como gostamos de comparecer perante matéria assanhada em bons costumes, não querendo ser seus insólitos guardiões (é que no Vaticano já existe um), cumpre-nos assinalar os exemplos de criação-destruição como consequência da excitação criada pelos veraneantes dos ismos. Como uma desgraça não vem só, não poderia faltar à genial ideia de tão subtil título, um sub-título de composição “tão imaculada” como este: SURREALISMO – REALISMO E DELÍRIO DE TRÊS EGOS, para não referir o conteudo da notícia, pois daria matéria para mangas. Face a isto dizemos em coro: nada disto diz respeito ao surrealismo, nem na Praia de Mira, nem em Portugal, nem na Terra, nem em qualquer sistema solar. O violoncelista que consulte um dicionário dum confrade das letras e já agora leia André Breton. A sua ignorância relativa ao surrealismo a ele diz respeito, mas o público em geral não tem o dever de levar com ela em cima. No entanto, damos um rápido esclarecimento aos leitores menos esclarecidos nestes assuntos de poesia, amor e liberdade. 1) Ao contrario do que julga o senhor violoncelista, o surrealismo não é fruto duma seriação histórica em torno de um ismo, muito menos uma corrente (nem sabemos se a corrente a que se refere o violoncelista, é corrente de ar, de aço, de plástico, marítimo-fluvial, ...). Já agora, adiantamos que os ismos são imiscíveis mesmo quando egos em delírio cozinham pudim inglez. Aconselhamos vivamente a actualização da sua “biblioteca de culinária” (se é que tem alguma) e pode começar por A Intervenção Surrealista e pelo Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial ambos da genial criação do Mário. 2) O surrealismo não é um lugar virtual cumulativo de fotografias onde se apertam as mãos com Ar de Nó ou a ciclomotor avícula. Não é, igualmente, tornar-se assíduo aos chás dos Senhores Doutores – nós não tratamos de inseminações artificiais. E ser-se surrealista, não se decide ser. Nem existem pintores surrealistas, nem nunca existiram nem nunca os haverão. Existem apenas e nada mais que os surrealistas. Cada surrealista desenvolve a sua própria forma de expressão e a disciplina que as liga constitui o automatismo psíquico puro desprovido de sentido estético ou moral, qualquer que seja o processo de expressão. Nada mais. A sua auto-promoção utilizando a chancela “sou surrealista” não é mais que, ao nosso cauto e selvagem olhar, um apanhar da carruagem. O seu surrealismo, felizmente para nós, não passa de Arte Fantástica e como tal uma estética. O Surrealismo não constitui uma estética, um estilo, constitui sim uma forma de pensar e de estar na vida, uma ideologia. Ora aí está senhor violoncelista; não se leu com certeza, com certeza não percebeu Breton. Como não vamos à bola, nem ao domingo nem às quartas-feiras nem nunca, mas comemos tremoços e isto nos diverte, por favor mande mais, pois estamos atentos. Disseram Cabo Mondego Section of the Portuguese Surrealism Grupo Surrealista de São Paulo Março-Abril de 2009 |
||