Maria Alzira Brum Lemos
Coadjuvante e colaboradora em geral do TriploV.
Faço links, escrevo, edito, traduzo, me viro, sobrevivo, vivo. Livro solo: O Doutor e o Jagunço: ciência, cultura e mestiçagem em Os Sertões (Arte&Ciência); coletâneas: Tierra en trance: el cine latinoamericano en cien películas (Alianza), O Clarim e a Oração: cem anos de Os Sertões (Geração), Contos Cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira (Geração), Quartas Histórias: contos inspirados em narrativas de Guimarães Rosa (Garamond), A Ordem Secreta dos Ornitorrincos.

"A Ordem Secreta dos Ornitorrincos"
Entrevista a Maria Alzira Brum Lemos

A propósito da edição recente de "A Ordem Secreta dos Ornitorrincos", entrevistámos Maria Alzira Brum Lemos, autora, e colaboradora do TriploV desde sempre

Maria Estela Guedes – Alzira, já escrevi algures que “A Ordem Secreta dos Ornitorrincos” era o teu primeiro livro de ficção, mas parece que me enganei…

Maria Alzira Brum Lemos - É meu primeiro livro solo de ficção. Mas eu já tinha publicado vários textos em coletâneas e na internet, além do ensaio "O doutor e o jagunço: ciência, cultura e mestiçagem em Os Sertões".

MEG – Que ordem secreta é essa dos Ornitorrincos? E quem, no teu livro, lhe pertence?

MABL -  Você, como iniciada, sabe que uma ordem secreta  não se revela àqueles que não ingressam nela. É impossível falar da "Ordem Secreta dos Ornitorrincos" desde fora, ou desde um lugar definido de antemão. Para falar da Ordem é necessário mover-se, passar pelo rito da iniciação da leitura que permite a transmutação e, por fim, a experimentação a partir de diferentes peles:  personagem, narrador, leitor, editor, pesquisador etc. Todo aquele que é capaz de se transmutar pertence à Ordem tanto quanto esta lhe pertence, já que se torna seu co-autor, refundando-a e dando-lhe vida a cada leitura. É uma coincidência cósmica que a inicial do nome do fundador da "Ordem Secreta dos Ornitorrincos" seja L., L de Lucas, o mais original dos evangelistas, e L. de Leitor.  
 
MEG – Do ponto de vista dos géneros, o livro é um híbrido, mistura poesia com crónica e ficção. A que se deve a opção por esta estrutura?

MABL - Há uma mistura de acasos, escolhas, necessidades que vai dando forma à obra.  Antes que opção por uma estrutura, trata-se de um modo de estar, sentir, pensar.

Por não me incluir nos modos de vida dominantes, nos roteiros majoritariamente aceitos, construo formas de me manter no mundo nos sentidos físico, material, intelectual, afetivo. Para mim a arte é simultaneamente uma forma de pensar o mundo e intervir nele.

Por meio da escritura, exploro zonas de indeterminação entre vivência e virtualidade, entre o conhecido e o obscuro, entre áreas de saber e entre gêneros.  O híbrido é uma forma de dar conta do processo criativo, que sinto como mutação, mistura, interface.    

MEG – Parece que o livro, no que diz respeito ao registo de língua, também é um híbrido… Tu achas que os escritores podem, com a hibridação do Português do Brasil com o de Portugal, aproximar os dois países mais do que o faria a diplomacia?

MABL - Há muitas formas de nos aproximarmos. A criação literária é uma delas. Os escritores podem usar as ferramentas dos idiomas para criar novas pontes culturais, novos pontos comuns para o diálogo, além de rever e recontextualizar tradições. No caso de "A Ordem Secreta" exploro o hibridismo entre o português falado no Brasil e em Portugal e entre o português e o espanhol. É claro que o resultado é um artifício, não uma reprodução. Acho que o artifício é uma forma de nos aproximarmos por meio da arte, da invenção, recriar pontos de conexão, é cultura viva. Isto é parte do que chamo de design de relações.

Maria Alzira em Curitiba

MEG – Já que falamos destes assuntos de língua, qual é a tua posição quanto ao Acordo Ortográfico?

MABL - O Acordo reflete normas já consagradas pelo uso, por exemplo, a eliminação do trema, de acentos e do hífen em diversas palavras. A tendência é facilitar a comunicação escrita, cada vez mais utilizada.  As formalidades adotadas para a língua escrita não são impedimentos para a dinamicidade do idioma falado nem para a criação em geral e a criação literária em particular
 
MEG – Ouvi dizer que descobriste um manuscrito de Templiakov que ainda nenhum especialista viu. O que tencionas fazer a esse respeito?

MABL - Sim, de fato estou estudando este manuscrito, que chegou até mim por intermédio de um pesquisador americano. Também trabalho na edição das obras completas de Templiakov em espanhol que serão lançadas, junto com uma série de conferências, em um evento que está sendo organizado em segredo para daqui a 3 anos.

Ivan templiakov não foi apenas um cientista e um pensador, foi um artista que viveu suas idéias e sentimentos. É uma visão iluminada nestes tempos em que a ambição intelectual se resume muitas vezes a obter informação para utilizá-la como se fosse roupa de grife. Templiakov, entre outras coisas, dizia que importa mais o que fazemos com as informações do que a quantidade de informação que temos e que a inteligência deve estar a serviço da máquina e não o contrário.
 
MEG – E que novidades podemos esperar de ti no futuro próximo?

MABL - Estou trabalhando num hipertexto intitulado "1979: a criação do mundo". Nele, a Ilha de Santa Catarina em 1979 é um espaçotempo de onde realizo uma posta em cena sincrônica de idéias, acontecimentos, delírios etc. a partir da minha biografia e da história dos últimos 30 anos. Pretendo publicá-lo em 2010. Pretendo fazer algumas viagens entre 2009 e 2010. E pretendo viver com amor, generosidade, garra e dignidade a experiência da passagem do tempo, das novidades, do futuro próximo.