Maria Estela Guedes – Alzira, já escrevi algures que
“A Ordem Secreta dos Ornitorrincos” era o teu primeiro livro de ficção,
mas parece que me enganei… Maria Alzira Brum
Lemos - É meu primeiro livro solo de ficção. Mas eu já
tinha publicado vários textos em coletâneas e na internet, além do
ensaio "O doutor e o jagunço: ciência, cultura e mestiçagem em Os
Sertões".
MEG – Que ordem secreta é essa dos Ornitorrincos? E quem, no teu
livro, lhe pertence?
MABL - Você, como iniciada, sabe que uma ordem
secreta não se revela àqueles que não ingressam nela. É impossível
falar da "Ordem Secreta dos Ornitorrincos" desde fora, ou desde um lugar
definido de antemão. Para falar da Ordem é necessário mover-se, passar
pelo rito da iniciação da leitura que permite a transmutação e, por
fim, a experimentação a partir de diferentes peles: personagem,
narrador, leitor, editor, pesquisador etc. Todo aquele que é capaz de se
transmutar pertence à Ordem tanto quanto esta lhe pertence, já que se
torna seu co-autor, refundando-a e dando-lhe vida a cada leitura. É uma
coincidência cósmica que a inicial do nome do fundador da "Ordem Secreta
dos Ornitorrincos" seja L., L de Lucas, o mais original dos
evangelistas, e L. de Leitor.
MEG – Do ponto de vista dos géneros, o livro é um híbrido, mistura
poesia com crónica e ficção. A que se deve a opção por esta estrutura?
MABL - Há uma mistura de acasos, escolhas,
necessidades que vai dando forma à obra. Antes que opção por uma
estrutura, trata-se de um modo de estar, sentir, pensar.
Por não me incluir nos modos de vida
dominantes, nos roteiros majoritariamente aceitos, construo formas de me
manter no mundo nos sentidos físico, material, intelectual, afetivo.
Para mim a arte é simultaneamente uma forma de pensar o mundo e intervir
nele.
Por meio da escritura, exploro zonas de
indeterminação entre vivência e virtualidade, entre o conhecido e o
obscuro, entre áreas de saber e entre gêneros. O híbrido é uma forma
de dar conta do processo criativo, que sinto como mutação, mistura,
interface.
MEG – Parece que o livro, no que diz respeito ao registo de língua,
também é um híbrido… Tu achas que os escritores podem, com a hibridação
do Português do Brasil com o de Portugal, aproximar os dois países mais
do que o faria a diplomacia?
MABL - Há muitas formas de nos aproximarmos. A
criação literária é uma delas. Os escritores podem usar as ferramentas
dos idiomas para criar novas pontes culturais, novos pontos comuns para
o diálogo, além de rever e recontextualizar tradições. No caso de
"A Ordem Secreta" exploro o hibridismo entre o português falado no
Brasil e em Portugal e entre o português e o espanhol. É claro que o
resultado é um artifício, não uma reprodução. Acho que o artifício é uma
forma de nos aproximarmos por meio da arte, da invenção, recriar pontos
de conexão, é cultura viva. Isto é parte do que chamo de design de
relações. |
MEG – Já que falamos destes assuntos de língua, qual é
a tua posição quanto ao Acordo Ortográfico? MABL
- O Acordo reflete normas já consagradas pelo uso, por exemplo,
a eliminação do trema, de acentos e do hífen em diversas palavras. A
tendência é facilitar a comunicação escrita, cada vez mais utilizada.
As formalidades adotadas para a língua escrita não são impedimentos para
a dinamicidade do idioma falado nem para a criação em geral e a criação
literária em particular.
MEG – Ouvi dizer que descobriste um manuscrito de Templiakov que ainda
nenhum especialista viu. O que tencionas fazer a esse respeito?
MABL - Sim, de fato estou estudando este
manuscrito, que chegou até mim por intermédio de um pesquisador
americano. Também trabalho na edição das obras completas de Templiakov
em espanhol que serão lançadas, junto com uma série de conferências, em
um evento que está sendo organizado em segredo para daqui a 3 anos.
Ivan templiakov não foi apenas um cientista e
um pensador, foi um artista que viveu suas idéias e sentimentos. É uma
visão iluminada nestes tempos em que a ambição intelectual se resume
muitas vezes a obter informação para utilizá-la como se fosse roupa de
grife. Templiakov, entre outras coisas, dizia que importa mais o
que fazemos com as informações do que a quantidade de informação que
temos e que a inteligência deve estar a serviço da máquina e não o
contrário.
MEG – E que novidades podemos esperar de ti no futuro próximo?
MABL - Estou trabalhando num hipertexto
intitulado "1979: a criação do mundo". Nele, a Ilha de Santa Catarina em
1979 é um espaçotempo de onde realizo uma posta em cena sincrônica de
idéias, acontecimentos, delírios etc. a partir da minha biografia e da
história dos últimos 30 anos. Pretendo publicá-lo em 2010.
Pretendo fazer algumas viagens entre 2009 e 2010. E pretendo viver com
amor, generosidade, garra e dignidade a experiência da passagem do
tempo, das novidades, do futuro próximo. |