MARIA ESTELA GUEDES A poesia na óptica da óptica |
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O branco tem de ser a cor mais clara numa imagem Ludwig Wittgenstein, "Anotações sobre as cores" |
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A assinalar os seus vinte e cinco anos de carreira literária (veja em baixo os títulos publicados pelo poeta), Fernando Botto Semedo dá à estampa "Poemas simples". Título modesto, próprio da modéstia do autor, mas pouco descritivo da peculiaridade dos seus livros, todos eles igualmente densos e pouco simples. Numa altura em que estudo a poesia na óptica da Óptica, procurando saber qual o comportamento da cor e da luz em obras de arte feitas com palavras e não com efeitos prismáticos nem com pigmentos coloridos, é produtivo pegar nos Poemas simples para indagar se reaparece neles a cor típica de Fernando Botto Semedo, o branco. Claro que sim, reaparece o branco, sob essa forma ou outras - brancura, claridade, dia, etc., - acompanhado por elementos que lhe modulam a tonalidade ou as propriedades, o que entra no perímetro das reflexões de Wittgenstein sobre o branco, que devia ser uma cor-limite: branco é branco, o branco é a mais clara das cores, não se concebe um branco avermelhado nem esverdeado. Sendo a mais clara das cores, não é inteligível sob modalizações como "branco sujo", "mais branco", etc.. Ora na obra ao branco de Fernando Botto Semedo, obra ao branco que não pretende ser alquímica, é apenas fruto das contingências da vida, o branco é sempre mais branco do que qualquer outra brancura. Nos livros de Botto Semedo, e Poemas simples não constitui excepção, a brancura pode ser infinita ou eterna, significando isto que existem outros brancos, mais finitos e mais perecíveis. Mas é de facto uma cor-limite, no que respeita aos valores emocionais que transporta: branco, no poeta, é cor de drama, cor daquilo que não pode ser dito. Como diria Kandinsky, o branco produz sobre a nossa alma o mesmo efeito do silêncio absoluto. A brancura, no autor dos Poemas simples, anda sempre de mãos dadas com a luz, as estrelas, as flores, os anjos e as crianças - todos eles elementos de um Paraíso primordial, anterior à expulsão, jardim de um conhecimento ainda por adquirir. É uma paisagem libidinal muito complexa, própria de um Galaaz que busca infinitamente o seu Graal. Neste jardim fantasmático, Galaaz vê os campos da sua própria bondade, relvados com a pureza da sua alma, ansiosa pela realização dos seus sonhos e potencialidades. Vários poemas se iniciam visionariamente com a declaração "Via", como documenta um dos três que citamos na íntegra, amplificando invariavelmente os limites do que já é limite, intensificando uma pureza que não podia ser mais pura. Estamos no reino dos absolutos, dos infinitos, daquilo que se desenvolveu progressivamente até alcançar o impossível, como nestes versos, pág. 40, capazes de enervarem Wittgenstein, por conceberem a imagem de um branco-sangue:
É o conceito tradicional do branco nas culturas ocidentais, o branco do vestido da virgem que sobe ao altar para se casar, o branco do fato da comunhão, enfim, do começar, de uma iniciação em actividade a que cumpre algum grau de sacralidade. |
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LIVROS DE POESIA DE FERNANDO BOTTO SEMEDO | |||
AGOAS LIVRES (1982) OLHAR DE UM MAR... (1983) OUTONO DAQUELE DIA (1984) NULO-DE-ALGURES (1984) PALCO DE SOMBRA (1989) CAIS-DE-UMA-VEZ (1989) ESTAÇÃO DE UMA LENDA (1992) VAZIO ILUMINADO (1992) NAVEGAÇÕES (1992) DISTÂNCIA ÍNTIMA (1992) MAR INFINITO (1992) POEMAS DO MEU JARDIM SEM NOME (1993) CARNAVAL DE ESPELHOS (1994) POEMAS DE UM ROSTO SECRETO (1995) POEMAS DO SILÊNCIO (1996) A ETERNIDADE É VERMELHA (1997) CIRCO DO NADA CEGO (1998) POEMAS COM ADESIVOS (1999) SANGUE DE INVISÍVEL (2000) CANTO PERTURBADO (2000) CANTO INICIAL (2001) VINTÉM DAS ESCOLAS (2002) CANTO DESCALÇO (2002) POEMAS DA MÁGOA (2003) CAMPO DE ESTRELAS (2003) HARMONIA BRANCA (2004) PRIMAVERA DE CINZA (2004) O LIVRO DA PRIMEIRA CLASSE (2005) TRANSPARÊNCIAS (2006) POEMAS SIMPLES (2007) |
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Crepita o Natal eterno das Fernando Botto Semedo, Poemas simples, pág. 38 |
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Via os campos plenos de papoilas Fernando Botto Semedo, Poemas simples, pág. 39 |
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Aqui é o início de todos os caminhos. Fernando Botto Semedo, Poemas simples, pág. 42 |
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