VII Colóquio Internacional
"Discursos e Práticas Alquímicas"
LAMEGO - SALÃO NOBRE DA CÂMARA MUNICIPAL
22-24 de Junho de 2007
A MULHER NA TELEVISÃO
Armando Ribeiro

Apesar de o termo me ser conhecido há muitos anos, o facto de ter adquirido um livro que tem por título Vestigios da Lingoa Arabica em Portugal, ou Lexicon Etymologico das palavras, e Nomes Portuguezes que tem origem arabica, composto por ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa, por Fr. João de Sousa e augmentado e annotado por Fr. Joze de Santo Antonio Moura fez aguçar em mim o desejo de conhecer melhor o conceito da palavra Alquimia.

O livro foi editado no original, em Lisboa em 1830, mas a edição adquirida é de 2004, guardando a grafia usada ao tempo em que foi composta por ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa.

Alquimia é definida como «a arte de converter o metal, com certas composições em ouro. Deriva-se do verbo Camá occultar, encobrir, esconder por certo tempo. He voz Arabica não obstante o quererem muitos que seja Grega, que e a arte chrisopoetica”. (Obra citada, pág. 65) Chrisos, na língua grega, dá o nome ouro, na portuguesa.

Passando ao Dicionário da Língua Portuguesa, ainda da Academia das Ciências de Lisboa, edição Verbo de 2001, que faz derivar a palavra alquimia do árabe, mas com a composição grega Qumeia – mistura, vemo-la definida como «Química hermética da Idade Média, que procurava principalmente descobrir a pedra filosofal, que transmutaria os metais não nobres em ouro, e a panaceia universal, que curaria todas as doenças.»

Aplicada ao tema do nosso Colóquio sobre Alquimias do Feminino, podemos ver como este feminino, eterno no dizer de alguns, transformou a vida na família, na sociedade e, hoje, não há actividade humana alguma que prescinda do feminino para se afirmar no mundo em que vivemos.

Tendo escolhido o tema da Mulher, o feminino, na Televisão, forçoso foi debruçar-me muito mais do que habitualmente o faço, sobre o que a caixa mágica nos mostra. Fi-lo, lembrado dos temas distribuídos pelos alunos de Filosofia no Seminário de Lamego, onde eu ensinava História; a interdisciplinaridade fazia com que os alunos me viessem interrogar sobre o que eu sabia de determinada freguesia, vila ou cidade sobre que incidiam os temas normalmente propostos. E eu insinuava que se mudasse de perspectivas, se alargasse o leque dos motivos a estudar ou analisar, encontrando o tema da Mulher na Televisão como um dos que poderiam merecer a atenção de Mestres e Alunos. Nada consegui, mas recordo que, debatendo o problema com uma senhora que viajava a meu lado para Lisboa, ela achou a ideia interessante; talvez ela nunca mais pensasse no assunto, (ainda vive); a mim não me saiu da cabeça e encontrei, agora, a ocasião de a pôr em movimento.

Foi ousadia da minha parte aceitar fazer parte integrante do Colóquio; depois de ver o elenco dos intervenientes, desconhecidos na quase totalidade, e os temas a desenvolver, fiquei envergonhado de mim mesmo por dizer umas pobres palavras entre peritos na matéria em questão. Aqui estou, contando com a vossa benevolência pelo trivial do tema e pela maneira como o abordei para o comunicar.

Antes de continuar, gostaria ainda de tecer duas considerações sobre alquimia na Natureza, também ela o eterno feminino que transforma o resto de plantas em húmus para novas árvores, no vai-vém contínuo de cada ano na vida das nossas florestas. Foi na Televisão que pude contemplar o fenómeno apresentado cientificamente, apesar de empiricamente conhecido. O ciclo da vida na floresta depende dessa alquimia vegetal que transforma a velha folha caída no húmus que permite o nascer de nova árvore, que tanto pode dar a mais bela flor, como o mais saboroso fruto ou ainda a mais preciosa madeira. Como seria isso possível, sem a velha alquimia que não pretende mais ouro para a riqueza de um homem, mas continuar o eterno processo de geração da vida a partir da morte?

O insecto transforma-se na mais bela borboleta ou na abelha que nos dará o mel; citar dois nomes não pretende limitar o mundo alquímico no reino animal, no que aos insectos diz respeito. Mas, na transformação natural vamos encontrar a origem do que ao humano diz respeito. E o que se pretende fazer ao transformar um corpo para o tornar mais atraente e, através disso, conseguir inverter o sentido a dar a um produto que se pretende publicitar e, consequentemente, vender?

Assim, centrei a minha atenção na publicidade ou num programa ou outro que, sem o corpo arranjado e mostrado de um certo jeito, talvez não atraíssem a atenção dos consumidores ou telespectadores.

Num noticiário, dizia-se que os juros subiam, mas a figura feminina não pôde faltar para distribuir os folhetos do anúncio. No balcão, frente a frente, duas figuras, femininas fatalmente e não foi por acaso que isso aconteceu. E lá vem mais uma senhora a explicar o que se passa; pouco agradável à vista, pior seria para quem nem essa figura traduzisse a ideia de que tudo se pode transformar no ouro que o Banco promete em forma de moeda ou nota corrente. Antes pelo contrário, sem a figura apresentada, nem o dinheiro atrairia a atenção dos clientes já efectivos ou possíveis.

Depressa aparece outra a explicar o quê? O inesperado. Mas porque vem uma figura feminina tentar explicar o inexplicável? Eterna alquimia que a imagem pode fazer nascer ou renascer.

Rápida a passagem da Deputada que grita em favor dos pobres, ela que pouco saberá de pobreza. Mas é ela, não ele, que poderia dizer a mesma coisa, com a mesma desfaçatez de quem grita sem saber a razão de o fazer. Se a riqueza se eliminasse aos gritos ou com gritos, há muito ela teria desaparecido da face da terra. Não há alquimia que a elimine da vida de uma pessoa, de uma família, de um ou muitos povos. Mas a mulher gritou e todos olharam, certamente.

Há reivindicações a fazer; a fábrica está em riscos de fechar, os salários estão atrasados, outra razão qualquer? Quem aparece primeiro a falar? Lá vem a mulher sem papas na língua a defender a sua posição e a do grupo, talvez a de quem a escolheu para seu porta-voz. Sozinho ficou o homem no deserto, também ele a querer explicar alguma coisa, arcando com a sua responsabilidade e a imagem que dele fica para um País. Aqui parece não haver alquimia possível para uma imagem negativa de um Ministro.

Ganham as fotogénicas, certas de que tudo lhes é permitido e que a alquimia vai funcionar, mesmo que seja numa corrida para uma Câmara. E no Líbano destroçado, a alquimia no feminino é dada por pombas que esvoaçam sobre escombros, talvez afugentadas somente pelo barulho das bombas ou pelo cheiro a fumo dos destroços.

O filme é bonito, sim senhor! Música no Coração embala no sonho de uma vida que se pode transformar, pois a alquimia no feminino funciona em pleno. A transformação daquelas crianças é possível porque uma figura feminina enfrenta a dureza de um coração masculino, embora de pai, e sabe aplicar o «remédio» certo no momento certo. Mas é esta figura a escolhida para publicitar um filme que já nem precisa de publicidade.

Mudo de canal e encontro uma telenovela; incapaz de a acompanhar do princípio ao fim de um só episódio, vejo logo duas figuras femininas de religiosas; não cheguei a saber o nome da Telenovela; várias figuras, personagens escolhidas e preparadas, cenas, presenças e ausências pré- -estabelecidas e comandadas. O diálogo é interrompido sem se perceber a razão, mas é preciso entrar outra figura, sempre feminina.

Aquela água é mais saborosa se publicitada por uma menina, que não foge ao beijo amoroso na esquina ou em plena rua.

Em 1961 os casamentos no dia de Santo António foram anunciados. Agora, a Rosa e o João recordam o acto e o beijo num banco do jardim equivale ao sonho daquele dia. É a Rosa que o diz...

De resto é sempre a mulher que se apresenta para recordar o dia e dizer que, agora, já não há o rigor daquele tempo. Tudo se publicita, mas a mulher lá está no primeiro lugar.

Quer vender uma T-shirt ou um desodorizante? Lá estão umas jovens para fazer a publicidade, vestindo-a ou aplicando o desodorizante no seu corpo.

Um reverso terrível, naquele dia: uma mulher quer vender uma criança e lá vem o Brasil com a figura da mulher e da criança. Se o homem o faz, esconde-se mais até passar despercebido. É a mulher que se mostra, sendo mostrada neste caso.

Mas para vender um simples adesivo, lá se põem diante de nós as caras bonitas de um laboratório. Ocasião para ver outra alquimia, a da Natureza, em pleno Brasil. Sem caras bonitas pelo meio, a cidade encastoada na planície verdejante, transforma logo a imagem do que se quer mostrar. Agradável à vista, atrai o coração!

Nem é preciso falar de um concurso com danças, onde aparecem muitas habilidades e não só; se for cultura, a rica alquimia pode transformar-se em pobreza mais que franciscana, ignorância crassa. Segundo a palavra de uma revista semanal, mundana, conseguimos saber apenas isto: na revista Visão, no seu número 159, de 17 a 23 de Maio de 2007, aparece uma colaboração de José Pacheco Pereira, com o título: Belas e Mestres. Num grupo de meninos espertos, mas tortos, diz ele, havia umas meninas com tudo no sítio, mas burras. Supostamente, o que separava uns de outras era a sabedoria (deles) e a beleza (delas) e não sei o que mais ofendia ou perturbava quem via». Falava de um desses concursos em que a Televisão é fértil e as asneiras pulularam um pouco pelo grupo das beldades. Ele cita: uma «pluriosidade» no clima da Madeira, o «multimato», o «conflito israelo-pasteliano» e a «mesopausa». «As meninas não sabiam a capital do Iraque, nem quem era Fidel, mas sabiam que a capital da África do Sul era Moçambique, quem era Margaret Tish, e achavam que o bailado típico do Ribatejo era o flamenco, que a canção era «se uma gaveta voasse»... Futurando sobre elas, estava a vê-las nas páginas de revistas, em discotecas, bares ou restaurantes, com tatuagens, patrocinadas por lojas ou marcas... O mundo é delas, opina; pois se até houve quem dissesse que «o sinónimo de bonito é feio».

Continuando pelos concursos, bons em si mesmos, no geral, vemos como se aposta numa publicidade, às vezes exclusiva, sabendo-se que as pessoas vêem, lêem, ouvem, comentam esta ou aquela palavra que publicita, tantas vezes, o que tem tanto de real em si mesma como de perigosa para quem aceita a proposta. Por trás de tudo, lá está a mulher, o feminino a tentar transformar a opinião de quem vê. E «água mole em pedra dura, tanto dá até que a fura», como diz o ditado.

Era gaga aquela jornalista da Televisão. Disfarçava o facto com uma certa graça do seu rosto e a fixidez de uma cabeça que só se movia na sílaba difícil por causa da gaguez.

As raparigas não se viam; a cena era de pancada da Polícia em defesa delas; tudo acabou em desordem. Por causa do feminino ou por discordância com a actuação da mesma Polícia? E a presença feminina lá estava na reunião dos G8, elas sentadas no meio dos elementos masculinos dominantes em número, certamente respeitadores dos elementos femininos, mas com o peso que têm a nível do seu País e que transportam para as áreas do poder.

Pobre feminino com quatro representantes em frente de um bar, onde os dentes brilhavam em contraste com a cor da pele; eram imigrantes a quererem legalizar a sua estadia em Portugal; outras falavam sem serem vistas, envergonhadas do que passavam, em contraste com uma europeia de Leste que, de cara rosada, ia dizendo o que lhe parecia necessário.

Ponho a música a funcionar para aguentar o medo, diz a componente de um grupo musical. Preciso de uma alquimia espiritual ou psíquica, para afastar o medo (as palavras são dela) do seu rosto bonito, mas, pelos vistos, medroso.

E podia faltar o feminino nos traços rabiscados de uma exposição? Retorna, quantas vezes (?) a alquimia dos perfumes ou o anúncio dos telemóveis. Escapa-lhe o de um carro, mas vemos braços bem levantados, como que a dizer: aqui não há maus cheiros. Então, como não optar por aquele telemóvel que se publicita a partir de um carro, com aquela loura que aparece sorridente?

E como rejeitar um Portugal no Coração, se ao lado de uma cara masculina bem conhecida, nos aparece uma outra feminina e alquimista, capaz de dar mais motivação a um programa? O rio é pequeno, mas rebentou a conduta no recinto da Feira do Livro. Àquela menina/senhora pedem que fale do rio, pois a voz masculina prefere insurgir-se contra as autoridades e até os problemas do País. E lá estava o eterno feminino que nunca falta junto da selecção portuguesa de futebol jovem em terras da Holanda. E não se coíbem de dar a sua opinião.

Podia haver melhor para apresentar a cria de um golfinho do que uma bióloga, que, mesmo sem primar pela sua beleza, nos fala desse pequeno ser que vai crescer e ser, possivelmente, atracção nos nossos mares, onde, dizia, diminuem drasticamente?

Da água passemos ao «SOS terra» para falar novamente da alquimia da natureza. Algo que se transforma, mas «não se esqueça, diz logo uma voz feminina, de poupar energia». Mas o feminino continua a falar deste SOS que interessa pelo que a terra nos dá para a saúde. Num filme sobre a aldeia rural, como prescindir da presença feminina, a caminhar, a cantar, a transportar as compras num carrinho de mão; fazia-se algo de útil e não havia dióxido de carbono. Um homem levanta dinheiro no banco, mas logo uma mulher explica as vantagens da aldeia ecológica. Perante o carro que vai e volta em grande velocidade, ela diz usar a bicicleta. É uma obra ecológica, porque não? Mesmo que seja um homem a dirigi-lo, é uma senhora que faz perguntas sobre as vantagens e desvantagens da nova vida na aldeia, em que todos estão comprometidos. E ela continua: vou fazer as minhas compras a pé, sempre que posso.

Em África um outro rosto da alquimia, pela falta de água e, quem a vai procurar, lá ao longe? Em Nova Iorque 40.000 pessoas usam diariamente a bicicleta, contra um milhão que usa o carro; nos 40.000 vemos a imagem das mulheres que fazem o seu esforço por uma terra melhor e mais limpa; a eterna alquimia da natureza..

O programa já começara há minutos. A locutora chama a atenção para o grupo que usa o telefone para recolha de chamadas em favor de uma boa causa. Qual? As vítimas da violência doméstica ou as crianças abandonadas. Como? Chamadas a pagar um tanto por cada: o lucro é para a boa causa, liderada no caso por senhoras/meninas que se pôem também ao serviço da causa. Quem telefona? O sistema SMS não o deixa saber completamente, mas não é difícil adivinhar uma presença massiça do eterno e mais sensível universo feminino para transformar este mundo onde vivemos.

O mundo dos abandonos ou da violência é, como neste caso, sobre o elemento feminino. E a música diz: «estou aqui para ajudar-te». A menina descascada aparece na praia e pretende inquirir alguma coisa do masculino. Este arma-se em palhaço e impôe a lei: aqui quem faz perguntas sou eu. Tudo bem, pois o espectáculo é isso mesmo, seja na praia ou no estúdio, onde se apresenta o par, com ela a mostrar algo que lhe permite dançar melhor o tango, com o pensamento triste que o corpo pode mostrar, segundo a locutora. Rodopia sobre si mesma, com o par imóvel. O corpo mostra as tristezas da alma? Estará na origem do tango, mas não é o sentimento da dançarina, que defronta o júri de elementos masculinos e femininos. Não há votos nem classificação, pois tudo se fez «por uma boa causa». Mas o masculino sempre sai com esta, a cantar: «por estas praias de Portugal, eu vi muitas maminhas sem igual». Alquimia, o que fazes tu?

A rumba apareceu como manifestação da cultura americana, onde o corpo continua a ser alquimia na dança e seguida pelos telespectadores que não se cansam de mandar SMS, elogiando o que é alquimicanente organizado e defronta, a sugerir, a opinião do italiano que gaba a dança executada, o mesmo fazendo o luso que fez carreira no Barasil, mas não se cansa de Portugal.

Já é de meia idade a cantora que se dirige à locutora dando-lhe os parabéms pela sua gravidez, mas enganou-se na pessoa, repetindo a palavra para quem se deixa transformar pela alquimia da vida. A operação Triunfo pede mais vozes, mas vai mostrando os corpos que atraem as atenções dos telespectadores, a alma mista dos programas. A palavra vem da responsável de uma das casas a ajudar, que acolhe mulheres e crianças em risco. Um apelo à consciência de todos nós, proclama ela, pois há três casas para apoiar. Vamos pensando nesta alquimia benfazeja, onde o feminino vai continuando uma campanha de solidariedade, apoiada por outro elemento feminino, mas do júri. E chegou a vez do passo doble, onde o vestido vermelho dá o tom sevilhano à dança bem executada pela dançarina que não poupou elogios ao «programa por uma boa causa». O programa continuava, mas a vida também exige uma constante alquimia, mudança que dá sentido não apenas ao que se vê, mas principalmente ao que se faz ou deve fazer.

Mas há mais. Quer dormir sossegado, tem pé de atleta? Siga os conselhos das senhoras que lhe falam de tratamento, remédio, alívio...

Rugas? Então aquela senhora não lhe dá o segredo para que elas não apareçam ou... desapareçam? Quer telefonar por metade do preço? Uma menina diz-lhe o que há-de fazer. Passou por Trás-os Montes e participou na Festa da Cereja? Aí está um rosto bonito a fazer propaganda da comida, da dormida, da arte local, etc, etc.

Marchas populares; um homem e uma mulher introduzem o programa, mas aí vem a locutora e as repórteres mostrar o eterno feminino que se apresenta a si mesmo, antes de mostrar o espectáculo. Do Brasil vem uma estrela; bem sorri o velho apresentador português, mas logo aceita o gesto de um beijo amigo e aí vai ela a atrair fotógrafos e repórteres, com o seu grupo de baianas a gritar por Portugal, mas afirmando que o Brasil invadiu o País com telenovelas; o samba entrou nas festas de todo o País e, agora, chegou às marchas populares da eterna Lisboa, fadista e boémia, com a sua imagem de alquimia que ajuda a afirmar uma realidade, tantas e tantas vezes quimérica, graças a essa alquimia que é capaz de transformar o próprio feminino.

Perguntei a uma jovem psicóloga qual a percentagem de anúncios publicitários com figuras femininas e a razão disso. Resposta, uns 95 %, porque somos mais vendáveis. E citou a loção depois do barbear, em que, para um produto masculino, ficava bem aquela mão feminina a passar pelo rosto do homem.

Infelizmente, há outras alquimias que destroem vidas na procura do ouro que a terra ainda mistura consigo, depois do abandono das minas de onde foi retirado. Um trecho sobre um povo africano mostra-nos a dura realidade de quem sonha com um pedacito de ouro que será pão e esperança de viver. “Quantos anos tens?” Os olhos de Nefitu atraiçoam um véu de embaraço. Abana a cabeça, que responde antes da voz: «Não sei. Uns quarenta, talvez.» O passado não tem interesse. O importante é recordar-se de ter vivido mais um dia. A feminilidade de Nefitu está bem patente nos seus brincos de âmbar e opala, vermelho-escuro e verde. Passa os seus dias a escavar a terra, com as mãos nuas. É uma das dezenas de mulheres que trocaram a vida que tinham pela trabalhosa procura de ouro, no Extremo Norte de Burkina Faso... «Andamos atrás do ouro para sobreviver», explica Nefitu. «É duro, mas ao menos, aqui, conseguimos alguma coisa». Diz ainda: «Ontem, tive sorte. Recolhi duas décimas de grama». (Revista Além-Mar, Junho 2007, pág. 31 e 32)

Há alquimias que levam a vender o corpo, mas o preço é muito elevado. E custa menos do que o trabalho de Nefitu, para quem é sorte recolher duas décimas de grama desse metal precioso que os antigos procuravam na transformação química de metais menos nobres. Alquimia tem muitos mais significados, quando ela não é sonho, mas sorte, mais aproveitada pelos comerciantes do que pelos pobres que passam o dia a escavar a terra para receberem pouco mais de um euro pelo seu ouro, o pão e o vestuário de que precisam.

Não me revejo como misógeno, muito menos como andrófilo. Não sou filósofo de quimeras, procuro ser realista na minha vida, nas minhas actividades. Sonho, pois o sonho comanda a vida, como canta o poeta da Pedra Filosofal. E ai de quem não sonhar; rastejará sempre pela terra e nunca se aventurará no espaço que liberta, como mostra o filme de Fernão Capelo Gaivota. Mas há sonhos e sonhos, ouro e quimeras, filosofia da vida e alquimias do feminino e do masculino. Ao lado de Nefitu há homens, como há crianças. A publicidade não é exclusiva da mulher, do feminino.

Também o homem vende o seu rosto, o seu coração feito para amar e transformado em sede de um sonho: o de ter, ter mais e mais, esquecidos, ela e ele de ser o que são.

Alquimias do feminino? Alquimias da vida, uma vida que não nos sacia, porque sonha com mais alguma coisa. Para além de uma montanha há sempre outra montanha, e as cores do arco-íris tanto seduzem a criança que quer recolher as suas cores num simples tinteiro, como o adulto que o segue com o seu olhar para ver onde começa e onde acaba. Não é esta também, uma alquimia, a eterna alquimia da vida, o sonho do impossível, da realidade que nos escapa e, por isso, se procura seja onde for, como for e quando for?

Procurei um pouco deste sonho perante a Televisão, com a mulher como centro de atenções que não costumo dar-lhe. Mas aprendi alguma coisa. É que ela não se cansa das alquimias da vida.

Lamego, 23 de Junho de 2007

INICIATIVA:
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL)
Instituto São Tomás de Aquino (ISTA)
www.triplov.org

Patrocinadores:
Câmara Municipal de Lamego
IDP - Complexo Desportivo de Lamego
Junta de Freguesia de Britiande
Paróquia de Britiande
Dominicanos de Lisboa

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