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ALGUMAS LENDAS DA REGIÃO DE LAMEGO Coligidas por Fernanda Frazão |
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Nossa Senhora do Cárquere | ||
Cárquere é uma antiquíssima freguesia situada na região de Viseu, a pouco mais ou menos dez quilómetros de Resende. No local onde hoje se ergue a igreja matriz houve anteriormente um templo dedicado a uma divindade romana, uma mesquita, uma ermida e um convento. O culto de Nossa Senhora do Cárquere é mais antigo do que a nacionalidade. Conta-se que no tempo da invasão árabe, quando o rei Rodrigo perdeu a Espanha para os mouros, já se venerava Nossa Senhora numa pequena ermida que existia no local. Uma vez os mouros entrados, os cristãos trataram de esconder os objectos sagrados, para que não fossem profanados. Assim, num velhíssimo carvalho oco (segundo uma tradição) ou num buraco da terra (segundo outra tradição) esconderam a imagem veneranda de Nossa Senhora do Cárquere, uma caixa com relíquias, os sinos da ermida e uma cruz de prata. Passou-se o tempo e os objectos sagrados foram esquecidos. Muitos anos depois, nasceu Afonso Henriques, que havia de ser o primeiro rei de Portugal. Com grande desgosto de D. Henrique e D. Teresa, o infante nascera sem acção nas pernas, do joelho para baixo. Como era uso na época, as crianças de alta condição social eram entregues a aios – ou aias, conforme os sexos –, que os educavam e, muitas vezes, acompanhavam toda a vida. Afonso Henriques teve como aio Egas Moniz, cavaleiro de uma das mais antigas e importantes famílias do Condado Portucalense. Segundo a tradição, era Afonso Henriques um menino muito pequeno, Egas Moniz teve um sonho. Nesse sonho apareceu-lhe Nossa Senhora, que o mandou dirigir a Cárquere e cavar em determinado local. Ali encontraria os restos de uma ermida que lhe fora dedicada e uma imagem sua. Deveria, em seguida, mandar construir, no mesmo local, uma nova igreja e sobre o altar colocar o infante enfermo, passando uma noite de vigília. Egas Moniz executou as ordens de Nossa Senhora, tal como lhe fora pedido em sonhos. Assim que encontrou a imagem deu conta de tudo ao conde D. Henrique e construiu-se a igreja. Teria Afonso Henriques cinco anos quando a construção ficou terminada. Egas Moniz partiu então para Cárquere com o infante, acompanhado pela rainha D. Teresa, e pô-lo sobre o altar como a Senhora mandara. Ao entrar na capela, toda a comitiva, natural ou misteriosamente, adormeceu; só o menino se manteve acordado. A certa altura, ele reparou que uma das velas acesas sobre o altar se inclinava perigosamente. Por fim, tombou, começando a incendiar tudo. Foi então que a criança trepou para o altar e apagou o fogo. Depois, saltando de prazer, com a sua alegria acordou a mãe e toda a comitiva, que logo renderam graças a Nossa Senhora pelo milagre concedido. Também conta a lenda que um dia, não se sabe se antes, se depois deste grande milagre, o berço onde dormia o bebé Afonso foi rodeado pelo fogo. Sem se assustar, a criança contemplou-o e o fogo extinguiu-se. O conde D. Henrique, agradecido a Nossa Senhora do Cárquere por lhe ter devolvido a saúde e a perfeição do seu primogénito, mandou acrescentar à igreja um convento e doou-o aos cónegos regrantes de Santo Agostinho. A partir de então foi possível a Egas Moniz educar o seu pupilo e adestrá-lo no manejo das armas, de modo a torná-lo no grande guerreiro que veio a ser o primeiro rei de Portugal. In: Frazão, Fernanda, Passinhos de Nossa Senhora. Lendário Mariano. Lisboa, Apenas Livros, 2006, pp.134-6. (Fontes: Frei Teodoro de Melo, Nobiliário Particular… 1733 – II Parte, parágrafo 34-37 e 73); Stephens, História de Portugal, Corrigida e prefaciada por Oliveira Martins, p.34, Ed. M. Gomes, 1893; Augusto Soares d’ Azevedo Barbosa de Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno. Diccionario Geographico, Estatístico, Chorographico, Heráldico, Archeologico, Biographico e Etymologico de Todas as Cidades, Villas e Freguezias de Portugal e de Grande Numero de Aldeias. Vol. II. Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1874, pp11-7; Gentil Marques, Lendas da Nossa Terra. Lisboa, Editorial Lavores, 1955; Américo Costa, Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular. Hidrographico. Histórico. Orographico. Biographico. Archeologico. Heráldico. Etymologico. Com prefácio do Dr. José Joaquim Nunes. 12 vols. Vila do Conde, ed. do autor, 1929/1949.) |
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