O dono de uma vinha queria mandar cavar esta e rogou homens, entre eles o gigante da Ucanha. Excepto o gigante, todos os outros trabalhadores faltaram pelo que o dono da vinha se lamentava, dizendo:

— Tanta despesa feita com a comida e faltaram os trabalhadores!

Respondeu-lhe o gigante:

— Não te aflijas! A comida há-de-se comer e a vinha há-de-se cavar!

Assim foi. Sentou-se à mesa, comeu tudo e pôs-se a cavar, suando. E ao fim da tarde estava a vinha cavada.

O gigante era não só grande comilão, mas também grande beberrão. Uma vez levaram-lhe vinho num cântaro e ele pô-lo à boca para beber. Alguém deitou-lhe no vinho um rato que ele engoliu. Depois perguntaram-lhe se não tinha sentido nada na garganta.

— Senti um mosquito mas não fiz caso.

A lenda do gigante da Ucanha foi esquecendo com o tempo. Em 1933, o senhor Manuel Ferreira do Carmo Laranjo, professor primário da Ucanha, informava do seguinte:

«Nem na Ucanha nem em Dalvares, existe referência alguma a gigante ou gigantes. Colhi apenas de Gouviães a versão seguinte: Em tempos idos, alguém passou lá com destino à Ucanha. Perguntando a um homem, chamado Ferrabrás, qual o caminho a seguir, ele, pegando na rabiça do arado, apontou com ele na direcção da Ucanha, pelo que lhe deram o nome ou alcunha de Gigante Ferrabrás. Note-se que um arado, ainda que seja de madeira, é coisa de 50 a 60 quilos de peso».

Esta lenda também foi contada atribuindo-se ao gigante da Ucanha.

A alcunha de Ferrabrás é acrescento moderno, por influência, talvez, de Fierabras d' Alexandrie, sarraceno vencido por Olivier numa canção de gesta, publicada a primeira vez em 1860, e ainda noutros poemas. O nome deve ainda aparecer em Espanha e nosso País, em publicações de cordel. Por etimologia popular, ferrabrás passou a ser sinónimo de valentão e fanfarrão. Usa-se também a expressão Ferrabrás de Alexandria.

Leite de Vasconcellos, Contos Populares e Lendas.
Vol. II. Coimbra, Universidade, 1966, pp. 613-614