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8ª BIENAL INTERNACIONAL
DO LIVRO DO CEARÁ |
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Evidente que sempre que falo em Estado aqui eu me refiro à esfera nacional. O escritor brasileiro, de uma maneira geral, está (sempre esteve) por conta própria, de tal forma que nossa literatura sequer deve ser pensada como um ingrediente do patrimônio cultural brasileiro. Sua internacionalização – que não é tanta ao ponto de corresponder à sua grandeza – se deu quase sempre por esforços movidos pelos próprios escritores e, em grande parte, por seus tradutores. Foi graças a Curt Meyer-Clason que João Guimarães Rosa teve a quase totalidade de sua obra publicada na Alemanha. Há também o caso em que a literatura brasileira se difunde no exterior por interesse da política cultural de um outro país, que reconhece sua qualidade e a exigência natural de que a mesma integre um catálogo editorial internacional. Um exemplo que se pode mencionar aqui é o da Fundación Biblioteca Ayacucho, na Venezuela, que tem publicado mais de duas dezenas de autores brasileiros, em obras críticas que abrangem poesia, crônica, conto, romance, filosofia, sociologia e crítica literária. Ali estão autores como Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego, Oswald de Andrade. Há dois anos fui convidado para preparar aquela que seria a primeira edição bilíngüe desta já plenamente consolidada coleção, um volume crítico dedicado à poesia de Carlos Drummond de Andrade. Enquanto preparava este livro, confirmei que Drummond é o poeta brasileiro mais publicado no exterior. É também o mais publicado em espanhol, embora tenham se passado mais de três décadas desde a última edição de um livro seu neste idioma. Drummond volta então à circulação em âmbito espanhol por conta do reconhecimento de uma grande casa editorial venezuelana. No entanto, o livro até este momento não saiu. E aqui entra um outro ingrediente que não é particularidade brasileira, porém nos confunde a todos. O livro não saiu porque a guarda dos direitos autorais de Drummond está em mãos de um neto advogado que reside em Buenos Aires e que… Bom, não nos cabe aqui discutir os dividendos que familiares cobram pela memória dos seus mortos. O caso é que temos um forte agregado à ausência de política cultural do Estado em relação à difusão internacional de nosso patrimônio literário. Passemos a página. Para entender melhor o que digo a respeito do tema, gostaria aqui de mencionar um outro exemplo. Desde 2004 o governo português disponibiliza uma verba anual para editoras brasileiras interessadas em publicar autores não somente de Portugal, mas também da África Portuguesa. Graças a este convênio dezenas de autores portugueses foram já publicados no Brasil. A Escrituras Editora, de São Paulo, chegou a criar uma coleção, de nome Ponte Velha, que atende a este notável empenho do Estado, no caso o governo português, no que diz respeito ao que efetivamente se deve chamar de política cultural. Ao meu lado encontra-se o editor Raimundo Gadelha, que certamente terá muito a comentar. Não há no Brasil um correspondente a este tipo de ação cultural? A Biblioteca Nacional possui um programa de apoio à tradução de autores brasileiros para o espanhol? Em 2006 a revista Agulha divulgou o regulamento para editoras em vários países de língua espanhola. Os casos que manifestaram interesse não foram atendidos. O que nos leva a mais um ingrediente, o da ação política interferindo nos destinos da cultura. Recapitulando temos que o Estado ausenta-se, o acaso insiste, os herdeiros cobram lucros impensáveis, o acaso insiste, o Estado se deixa manipular por sua política de costumes, o acaso insiste. E nesta ciranda encontra-se entregue o destino da literatura brasileira em seu imperativo de internacionalização. Bom, eu sei que a mesa pede que nossa conversa se dê em torno da literatura cearense. Como estamos em uma Bienal que trata da perspectiva internacional em torno dos idiomas português e espanhol, entendo que deveríamos ambientar a literatura cearense dentro do espectro que já mencionei, buscando referências à mesma na extensão editorial desses dois idiomas. Podemos começar por uma pergunta: quais escritores cearenses se encontram publicados em português e espanhol, em Portugal, na América Hispânica, na África Portuguesa? Podemos refazer a pergunta, para nos dar mais garantias de observar um aspecto seguinte: temos escritores que possuam expressão nacional, que sejam responsáveis por alterações significativas no panorama estético da literatura no Brasil, que tenham dado contribuição consistente a esta literatura? Imagino que nomes como os de José de Alencar, Rodolfo Teófilo, Rachel de Queiroz, Herman Lima, Moreira Campos, Oliveira Paiva, Gerardo Mello Mourão, Fran Martins, Francisco Carvalho seriam naturalmente lembrados por qualquer um de vocês. Há outros, evidente. Poderia aqui evocar um dos momentos de grande força expressiva cultural do Ceará, a criação e atuação do grupo CLÃ, que publicou a mais longeva (e consistente) revista de que se tem referência na historiografia dos movimentos literários em todo o país. Há nomes que se tornaram referências toponímicas para nós, sem que tenhamos dado por conta de sua importância cultural. Outros que desconhecemos sua naturalidade, ou seja, que os temos como famosos sem sabermos que são cearenses. Outros ainda que de alguma maneira são rejeitados como cearenses pelo simples fato de que residiram fora daqui grande parte de sua vida. Entre eles encontramos nomes como Farias Brito, Américo Facó, Luiz Severiano Ribeiro. O Ceará é naturalmente um lugar de passagem. Há uma deformidade no caráter cultural do país como um todo, desde sua colonização, que nos empurra para uma central magnética que atende pelo que chamamos de eixo Rio/São Paulo. Aí se concentra, por exemplo, o que há de mais expressivo em termos de mercado editorial no país. Um mercado que se assemelha mais a um atacadão, que tropeça nas próprias pernas, que atira a esmo sem meta ou princípio. A situação de miséria intelectual esplêndida do Estado não pode ir além dessas referências que anoto. Não defendo que o artista, escritor, intelectual, deva esperar pelo Estado. Nem mesmo que deva cobrar do Estado uma ação que seja. O Estado em si é uma entidade autista, alheia aos problemas reais do ambiente em que atua. Cabe a um escritor, a um artista, a um intelectual observar as lacunas na atuação do Estado e sugerir soluções para tanto. Estamos aqui presentes em uma Bienal que imagino possa atender ao estímulo de se buscar novas formas de parcerias editoriais. Há convidados que já vêm trabalhando em comum acordo em prol da divulgação da literatura de nossos países. Envolver escritores cearenses em tal processo é um mérito desta Bienal. É pouco, porém é um princípio. Aqui poderemos pensar, em um futuro próximo, na fundação de uma ação que possa ser identificada como uma política cultural do Governo do Estado do Ceará. Há uma verdadeira ação pioneira que se assemelha àquele evento magnífico do compositor Alberto Nepomuceno, na primeira década do século passado, ao trazer para o Brasil um conjunto de orquestras e regentes que aqui estiveram pela primeira vez e, sobretudo, regeram as primeiras obras de autores como Beethoven, Brahms e outros mais. Eu entendo que hoje o Ceará poderá buscar uma condição avançada em termos de política cultural. As oportunidades poderão ser ajustadas ao longo desses dias de realização da Bienal, ou anotadas para futuras conversas. Nosso parentesco inquestionável com a realidade cultural com todos os povos de línguas portuguesa e espanhola definirá melhor do que qualquer outro aspecto a necessidade de um diálogo mais efetivo. E a oportunidade, pois esta é mesmo uma oportunidade e tanto. Oportunidade para que intelectuais cearenses apresentem ao Estado um projeto de compreensão, recuperação e fomento de nosso patrimônio literário. Oportunidade para que o Estado crie mecanismos para o pronto atendimento dessas eventuais propostas. Caso elas não existam, pode ainda o Estado compreender por si só que possui uma parcela expressiva de responsabilidade. E se acaso o Estado também não se integrar, ainda podemos, sim, sempre podemos, apelar para o acaso. Eu sempre costumo brincar a sério dizendo que o cinema brasileiro deve muito ao Estado e não corresponde esteticamente em nada. O Estado, por sua vez, deve muito à literatura brasileira, de maneira que deve agora politicamente corresponder à mesma. Mas não esqueçamos em momento algum: se não houver iniciativa do Estado jamais poderemos utilizar esta lacuna como justificativa aceitável ou razão suficiente para nossa inação. Obrigado. |
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VIII BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ Secretário de Cultura Curadoria Geral Osiel Gomes Dias Junior [CODAC] ● osiel@secult.ce.gov.br |
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Agulha - Revista de Cultura http://www.revista.agulha.nom.br/ |
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