BIENAL INTERNACIONAL
DO LIVRO DO CEARÁ
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Aposta nos desconhecidos

Vida & Arte

Leia na íntegra a entrevista do poeta Floriano Martins

Pedro Rocha

FORTALEZA CEARÁ BRASIL 13/10/2008 SEGUNDA-FEIRA

Um evento em que as duas principais "vedetes" são as próprias línguas portuguesa e espanhola. O curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, o escritor cearense Floriano Martins, preferiu, ao invés de nomes reconhecidos nacionalmente no mundo das letras, uma seleção diversa de escritores nacionais e estrangeiros, a maioria hispano-americanos ainda não editados no país.

Poeta, ensaísta e tradutor, Floriano se dedica ao estudo da literatura hispano-americana, é editor do site Banda Hispânica, que reúne informações sobre escritores de língua espanhola, e autor de antologias sobre essa produção poética, segundo ele, profundamente ignorada pelo Brasil.

"O fato de não conhecermos esses autores não é justificativa para que permaneçam em tal condição", escreveu ele em uma entrevista por e-mail que vai publicada abaixo. A Bienal, para ele, será o momento de começar a desfazer esse desconhecimento. Os encontros entre esses escritores e o público serão alguns dos espaços propícios para esse diálogo, que, como defende Floriano, se desenrolará durante toda a programação do evento como, por exemplo, no espaço intitulado Ilha dos Continentes, que abrigará editoras estrangeiras.

A curadoria do evento, que será realizado no Centro de Convenções e na Universidade de Fortaleza (Unifor), buscou um equilíbrio entre cultura e mercado, tentando desviar do rumo "desgastado" do modelo de Bienal praticado no país. "Basicamente arrumamos a casa, pois anteriormente circular pela Bienal em muito lembrava os corredores de um atacadão em sua mais completa bagunça", diz o curador.

Na entrevista, Floriano também escreveu sobre o aspecto político do evento, minimizando o peso do atual contexto político do continente na orientação da Bienal, que traz nomes como o líder do MST, João Pedro Stédile, e o Ministro da Cultura de Cuba, Abel Pietro, além de dedicar um pavilhão especial à Cuba e Venezuela, dois dos países que lideram o avanço de governos de esquerda na região.

O POVO - O tema da Bienal desse ano se ocupa do diálogo cultural entre duas comunidades lingüísticas, principalmente na América Latina. Esse tema está diretamente ligado a um anseio de integração latino-americana? Qual a razão de sua escolha?

Floriano Martins - Mais do que anseio, trata-se de uma necessidade, de uma exigência natural, de uma imposição histórica, que até daria aos eventuais acordos econômicos existentes entre nossos países uma configuração mais legítima e substanciosa. Agora, o importante frisar é que se trata de uma grande festa em torno de um aspecto que nos aproxima que é a mestiçagem cultural. Evocar os pontos de confluência de nossas raízes culturais, e até mesmo compreender melhor as nossas distinções. Embora a Bienal sendo um evento literário, aqui teremos também manifestações artísticas de outras áreas, como a música, o vídeo, as artes plásticas etc. Portanto, este é um primeiro momento que assume conotação mágica, uma festa de integração de países que possuem mais afinidades do que se possa imaginar. E consideremos, afinal, o aspecto pioneiro, posto de forma coerente e corajosa, como pauta principal de um Governo de Estado no Brasil, justamente aquele Estado que é o mais periférico em relação à América Latina. Esta é uma imensa conquista do povo cearense.

OP - A mesa de abertura do evento, Cultura de resistência e mudanças sociais na América Latina, aponta para uma discussão política dessa integração. Em que medida o atual cenário político do continente, marcado por governos de esquerda como os da Venezuela e Bolívia, orientou a sua curadoria?

Floriano - A curadoria não tem orientação alguma no sentido ideológico, pensando no termo de uma maneira apequenada. Interessa-nos essencialmente discutir quais as relações possíveis entre política e cultura, deixando bem claro que é o aspecto cultural que deve sair reforçado desse diálogo.

OP - A relação entre literatura e política parece ser um dos pontos centrais da Bienal. Qual a atualidade desse debate? E quais os rumos dessa discussão que você identifica na literatura que estará presente na Bienal?

Floriano - São duas vertentes. Evidente que se trata de estabelecer uma relação entre cultura e política. Ao mesmo tempo, não estamos propondo investigar uma literatura de cunho político. Interessa-nos, sobretudo, dar a conhecer uma literatura que é tão ignorada no Brasil, no que pese seu reconhecimento internacional, que sempre que falamos em América Latina reduzimos o tema ao âmbito político.

OP - Quais foram os critérios de escolha dos autores estrangeiros?

Floriano - Em todos os casos, o que não exclui os autores brasileiros, a preocupação mescla qualidade da obra e diversidade estética e geracional. Reitero que a estranheza que se possa ter em relação à maior parte dos nomes não é demérito da parte deles e sim reflexo de nosso descompasso cultural em relação a esses países.

OP - Você pode destacar alguns deles?

Floriano - Destaco trios em áreas distintas, variando também os países: na prosa, temos o peruano Carlos Garayar de Lillo, o galego Carlos Quiroga e o cubano Abel Prieto; na poesia, este imenso poeta que é o peruano Carlos Germán Belli, ao lado do argentino Rodolfo Alonso e do colombiano Jotamario Arbeláez; entre os palestrantes contamos com as excelências do mexicano Carlos Montemayor, da portuguesa Joana Ruas e da paraguaia Susy Delgado. Mas não devemos esquecer de destacar também a presença brasileira, que naturalmente inclui cearenses como Ana Miranda, Isabel Lustosa e Chico Anysio, quanto não-cearenses, a exemplo de Lêdo Ivo, Afonso Henriques Neto e Lauro César Muniz.

OP - Os autores convidados da América Latina integram de alguma forma uma rede literária que atua nesses diferentes países?

Floriano - A grande rede poderia ser proposta aqui, no ambiente da Bienal, considerando a importância de ter esses nomes todos reunidos no Brasil e em diálogo com escritores brasileiros. De qualquer maneira, a estrutura da Bienal propicia discussões em torno dos mecanismos de atuação das editoras universitárias, dos encontros internacionais de escritores, dos Centros de Estudos Brasileiros (CEB) na América Latina, das editoras independentes e diretores de revistas de cultura e literatura, aspectos tais como tradução e crítica literária etc., o que aponta na direção de uma integração que somente se limitará a seu aspecto retórico se o permitirmos.

OP - A maioria dos autores ainda não foi editada no Brasil. Como promover um diálogo a partir desse contexto de desconhecimento?

Floriano - O mercado editorial brasileiro encontra-se em um momento indefinido, com uma insana reserva de provincianismo que já atinge o vulgarismo. As exceções apenas confirmam a regra. Uma exceção: o acordo entre governo português e algumas editoras brasileiras para que aqui sejam editados autores de Portugal. A grande maioria dos autores estrangeiros convidados para a Bienal encontra-se publicada no México, na Venezuela e na Espanha, que são exemplos de grandes mercados editoriais. O fato de não conhecermos esses autores não é justificativa para que permaneçam em tal condição. O diálogo será valiosamente facilitado pela imprensa, ao nos ajudar nesta difícil tarefa de trazer a literatura desses povos para o Ceará.

OP - Por que a Bienal optou pela ausência de nomes reconhecidos pelo grande público?

Floriano - Em momento algum tal aspecto foi tratado como meta. Aquilo que entendemos como nomes de mídia já de muito vem se desgastando até mesmo diante do grande público. Há um momento em que se precisa frear um processo de diluição. A definição da Bienal é de ordem conceitual e estrutural. Em primeiro plano, as duas famílias lingüísticas convidadas, que resultam nas grandes vedetes do evento. Em seguida, a definição de uma estrutura, a partir das culturas de línguas portuguesa e espanhola, que seja ao mesmo tempo consistente e diversificada. Somente a partir daí pensar em nomes, priorizando sempre a excelência de cada um em sua área.

OP - A poesia é o gênero com maior espaço na Bienal. Qual a razão dessa ênfase?

Floriano - Considerando a estrutura acima referida, a realidade é que há uma predominância de poetas (e não de prosadores) entre ensaístas, tradutores, diretores de revistas e instituições, críticos, jornalistas etc.

OP - Como foi pensada a relação dessa Bienal com o mercado editorial?

Floriano - A idéia era alcançar um equilíbrio entre cultura e mercado, considerando de certa forma já desgastado um modelo de Bienal que vem sendo praticado no país. Basicamente arrumamos a casa, pois anteriormente circular pela Bienal em muito lembrava os corredores de um atacadão em sua mais completa bagunça. Além disto, criamos um espaço, intitulado Ilha dos Continentes, que permite a vinda de editoras estrangeiras de pequeno e médio porte, o que inclusive em muito remedia este quadro de desconhecimento nosso em relação aos convidados do diversos países aqui presentes.

OP - Você considera a curadoria dessa Bienal uma aposta arriscada?

Floriano - Toda atividade humana digna de respeito é arriscada. A Bienal é um projeto de Governo de Estado no sentido de enriquecimento de seu patrimônio cultural. Não é possível avançar em tal direção sem riscos. De outra maneira teríamos uma cultura cristalizada e conseqüentemente devorada pela ação depredatória do mercado.

DIFUSÃO
 
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