Por um lugar ao sol na terra da luz
Lu Basile

Prelúdio: O coronel saudou o compositor recém chegado a sua terra natal: “Seja bem vindo, tive notícia de seu sucesso nos states!” “Obrigado, coronel, de fato floresci por lá, mas estou de volta por conta de meu desejo de viver onde me criei”. “Sim, o senhor faz muito bem, e o senhor compositor pensa em viver de que?” “Como?” “Digo, isso, esse negócio de composição, isso dá? Aqui?”

Parece conversa fiada, mas aconteceu dia desses e com gente graúda! Infelizmente isto se repete e é sempre a mesma história: por aqui, na casa de ferreiro, espeto ainda é de pau.

É lugar comum ouvir dizer que no Ceará abundam talentos. E como! Talentos musicais que hoje estão espalhados no sul e sudeste do país, Europa e Estados Unidos.

Nosso nome mais preciosodebutou musicalmente no século XIX. Pra não ser tão pessimista até que temos alguns poucos nascidos no começo do século XX, porém já morreram. Onde estão nossos talentos musicais? Quem nos representa nacionalmente?

Quero dizer que depois de Alberto Nepomuceno, Liduíno Pitombeira é o nome mais importante que o Ceará já teve na música de concerto. Exagero? Nada disso, Liduínoteve sua obra gravada pelo Quinteto de Sopros da Filarmônica de Berlim, referencia do gênero, escolhido Compositor do Ano pela Associação dos Professores de Música dos Estados Unidos (MTNA) (ha ha ha, compositor ‘americano’!), primeiro lugar no II Concurso Nacional de Composições Camargo Guarnieri, primeiro prêmio no Concurso Nacional “Sinfonia dos 500 anos”, em Recife (2000), primeiro prêmio no Inter-American Music Awards. Suas composições são tocadas pela OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), pela Filarmônica de Poznan (Polônia), sem contar suas intervenções no Estado: a Orquestra Eleazar de Carvalho foi idealizada e estruturada por ele enquanto assessor de música na gestão do Secretário de Cultura Paulo Linhares.

Liduíno Pitombeira é protagonista da história acima. Lamentavelmente seu desejo de permanecer no Ceará não se concretiza e é mais um músico que evade, dada a falta de condições para desenvolver seu trabalho. A Paraíba muito esperta capturou-lhe com um concurso para professor doutor na Universidade Federal, em João Pessoa, esta um exemplo que tem dado frutos germinados por outro cearense que encontrou lá terreno fértil, Eleazar de Carvalho. O maestro soube aproveitar a interlocução de um governante sensível, Tarcísio Buriti que na ocasião disponibilizou recursos para as necessidades da Orquestra Sinfônica e do Curso Superior de Música.

Para nascer um Mozart ouvi dizer que leva uns cem anos… O Ceará parece estar bem na média. Só é triste ver a banda passar… ou seja, o que se faz com o douto.

Bem, e o que dizer dos que ficam? Daqueles que continuam de forma hercúlea seu trabalho, insistindo em suas idéias.Uns, tentam fazer um quinteto de sopros onde não há professores de fagote nem de oboé e apostam que a formação se dá na raça. Uma orquestra (ORCEC) que tem dado o recado brilhantemente, e é vista como um cacto no sertão, sobrevive… “deixe quieto, ela sobrevive”. Na sombra, quando dá, sonha ter muitos timbres pra poder versar o repertório de qualquer idade e não se limitar à condição de Câmara ad infinitum.

Estudei Fortaleza com vontade. Fiz um levantamento da média de concertos que esta bela cidade teve desde a fundação do Theatro José de Alencar. É espantoso que por aqui passavam músicos do circuito nacional, e que a freqüência destes concertos acontecia em ritmo mensal. Isto nos anos 40 e 50 do século passado. Pergunto: que platéia era essa que não sustentou essa vida musical profícua? Que público é esse que não faz questão de ouvir para ‘além do horizonte’ (do Rei Roberto) e deixa a mingua seus músicos, a Orquestra, o compositor, o pianista, o professor…

Coda : as cores desse quadro são as mesmas para outros gêneros musicais. Refiro-me aos talentos da musica instrumental, os músicos populares e por aí vai.

Quantos Liduínos poderiam existir se houvesse um Curso Superior de Música com professores habilitados nos diversos instrumentos? (naipe de cordas, naipe de metais, naipe das madeiras e percussão), professores de guitarra, baixo, bateria, etc. professores de canto, canto lírico? (Não é por falta de projeto pedagógico!) Como seria se Fortaleza pudesse ter também um Clube da Esquina, um morro da Mangueira, uma sala São Paulo, um Mangue Beat, um Armorial, uma Spok Frevo Orquestra, uma Banda Mantiqueira, uma Orquestra Sinfônica (a de Recife existe há mais de cinqüenta anos!). Estou com Ivan Lins que insiste na aprovação de um projeto de lei que coloca a música no ensino fundamental. Como ele mesmo disse: Quando é que vão perceber que nossa vocação pra futebol e música é coisa séria? Aí sim, nossos talentos não nos deixarão por estarem à sombra na terra da luz.

Quem sabe no futuro um desses alunos já então musicalizado possa, além de ser um ouvinte ativo ser um engenheiro capaz de criar uma britadeira com menos decibéis.

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